Bardella, o mauricinho de origem pobre que é o pesadelo da esquerda
Jordan Bardella, novo rosto da extrema direita na França, tem origem humilde. Como pobre não pode ser de direita, a esquerda não se aguenta
atualizado
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O francês Jordan Bardella tem 28 anos, é alto, boa pinta, cabelo engomado, ternos bem cortados, sapatos sempre lustrosos. Cabe perfeitamente na definição brasileira de mauricinho.
Ótimo comunicador, deputado no Parlamento Europeu, ele é o novo rosto do Rassemblement National (RN), o partido de extrema direita de Marine Le Pen, do qual é presidente desde 2021.
Ao que indicam as pesquisas até o momento, Jordan Bardella deve comandar uma vitória na eleição para o Legislativo da União Europeia, que acontece daqui a uma semana, em 9 de junho. A extrema direita fará uma grande bancada em Estrasburgo, sede do Parlamento Europeu, assim como as suas congêneres ideológicas dos outros países do bloco.
Jordan Bardella é a expressão maior da mudança de estratégia eleitoral do RN. Sem renunciar a suas bandeiras, o partido suavizou o seu discurso e se rejuvenesceu.
A xenofobia, o nacionalismo e a postura antieuropeia foram mitigados. Nos níveis municipal e regional, os seus representantes se mostram mais humanizados e próximos das demandas locais.
O trabalho nas redes sociais também vem apresentando Marine Le Pen, a antípoda de segundo turno a Emmanuel Macron nas duas últimas eleições presidenciais, como uma mulher simpática com eleitores não-brancos e empática com os pobres. A seu modo, Marine Le Pen segue o caminho aberto pela primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni.
Está cada vez mais difícil pintar o RN como bicho-papão. O partido vem conquistando eleitores que lhe eram recalcitrantes não apenas pela mudança na forma do discurso, mas porque o centrista Emmanuel Macron, e muito menos a esquerda e a extrema-esquerda, não dá respostas eficientes à perda do poder aquisitivo da classe média e à percepção geral de que a criminalidade aumenta na França por falta de controle na imigração.
Jordan Bardella vem se revelando muito competente ao representar essa aparente transformação no feudo da família Le Pen — família da qual faz parte porque a sua companheira é sobrinha de Marine. Para completar o pesadelo da oposição, o mauricinho tem origem humilde. Cresceu em Saint-Denis, uma das cidades mais problemáticas da periferia de Paris.
Em Saint-Denis, fica a bela catedral gótica que é também a necrópole real. Ela está cercada de prédios habitacionais populares que lhe fazem contraste. Foram meticulosamente pensados pelas sucessivas administrações de esquerda para ser feios.
A cidade é um reduto muçulmano. Cerca de 40% da população é composta por imigrantes. Os menores de 18 anos de origem não-europeia ou que vivem com um parente não-europeu constituem quase 70% dos habitantes de Saint-Denis. O tráfico de drogas rola solto e a taxa de desemprego é uma das mais altas da França.
Para a esquerda, principalmente, a origem de Jordan Bardella é uma ameaça à visão maniqueísta que ela vem construindo desde sempre. Como assim pobre pode ser de direita? Como assim pobre gosta de ser mauricinho?
Não é surpreendente, portanto, que a imprensa de esquerda tente, com o perdão da má palavra, desconstruir Jordan Bardella. Estou até vendo as reuniões de pauta. Começou pelas suas raízes italianas. Veja só, um descendente de imigrantes pertencer a um partido que é contra a imigração.
Não colou: foi-se há muito o tempo em que italianos sofriam discriminação na França. Eles são próximos demais em termos culturais dos franceses. São europeus e os seus descendentes estão absolutamente integrados à França, não formam uma comunidade à parte e hostil aos valores do país.
Como não adiantou apontar o que seria uma contradição de Jordan Bardella, a imprensa de esquerda agora tenta mostrar que, apesar de ter crescido em Saint-Denis, o que será abordado na sua autobiografia a ser lançada em breve, ele não cresceu na Saint-Denis de verdade.
Pelas reportagens da imprensa de esquerda, Jordan Bardella não poderia dizer com todas as letras que morava com a mãe separada em um prédio de gente humilde, cujos apartamentos são alugados a preço baixo pelo governo, porque o prédio não está entre os piores da cidade — e, olha, lá perto tem um comércio até bom, viu?
Está certo que a entrada do prédio era usada como escritório por traficantes de drogas — mas a mãe pagava uma taxa para que ele entrasse pela outra portaria, a do prédio geminado, que tinha fechadura eletrônica. Não era assim tão ruim, vai.
Se a mãe dele passava dificuldades para chegar ao final do mês, é porque ela se separou do marido — ou seja, a pobreza de Jordan Bardella não pode ser comparada a outras pobrezas mais, digamos, legítimas. Ela foi fruto de uma situação familiar particular, não exatamente social no sentido mais amplo. Ah, sim, o menino passava os fins de semana com o pai, em um bairro de classe média.
Tem mais: ele conseguiu uma bolsa de estudos em uma escola particular da cidade. Ou seja, é um privilegiado. E Jordan Bardella era um garoto alienado, que não ligava para política, gostava mesmo era de games, e ganhou uma viagem aos Estados Unidos do pai, que também lhe daria um apartamento quando ele se tornou adulto. Olha, cuidado, ele está mais para oportunista que viu na política apenas um meio de ascender socialmente.
O previsível desespero da esquerda em pintar a pobreza de infância e primeira juventude de Jordan Bardella como não-pobreza seria divertido, não fosse ultrajante. Se a esquerda não tem argumentos reais contra a extrema-direita, é porque realmente não merece um voto.