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Avanço da extrema direita: os donos da democracia têm de ouvir o povo

A explicação para o avanço da extrema direita na Europa é que os cidadãos têm medo (e, na França, estão muito irritados com Emmanuel Macron)

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Marine Le Pen, política francesa, do partido de extrema direita Rassemblement National -- Metrópoles
1 de 1 Marine Le Pen, política francesa, do partido de extrema direita Rassemblement National -- Metrópoles - Foto: Getty Images

Não é insondável a explicação para o avanço da extrema direita na França e na Alemanha, os dois grandes países da Europa Ocidental, como se verificou pelo resultado das eleições europeias nesse final de semana. Os cidadãos estão com medo, e o nacionalismo, bem como tudo que se associa a ele, é o primeiro refúgio dos ameaçados.

Há o medo do radicalismo religioso nas comunidades muçulmanas já estabelecidas e do risco que isso representa para a identidade cultural, a estabilidade política e a segurança dos cidadãos. Há o medo da imigração ilegal ou desenfreadamente legal — e, não sejamos hipócritas, há o medo da criminalidade que resultam delas. Tudo somado, a percepção é a de que há um contínuo esgarçamento do tecido social.

Na Alemanha, onde a extrema direita conquistou o segundo lugar nas eleições europeias, a polícia contabilizou a relação entre imigração e crime. O dado objetivo foi divulgado pela ministra do Interior, que pertence ao partido social-democrata do chanceler Olaf Scholz — ou seja, de centro-esquerda. Não se pode acusar social-democratas de xenofobia e racismo.

Em 2023, 923 mil deliquentes de origem estrangeira foram responsáveis por 41% dos crimes na Alemanha. É uma desproporção evidente em um país de 80 milhões de habitantes. Em relação ao ano anterior, houve um crescimento de 5,5% da criminalidade, em geral, e de 8,6% nos crimes violentos.

Na França, onde a extrema direita teve uma vitória acachapante, não é diferente. Os indicadores de criminalidade pioraram em 2023, segundo o serviço de estatísticas oficial. Dezessete por cento de todos os crimes cometidos no país foram cometidos por estrangeiros, que compõem apenas 7,8 da população.

No caso de determinados crimes, essa desproporção chega a ser de 4 a 5 vezes maior. Os estrangeiros são 40% dos indiciados por roubos em veículos (em 2016, eram 18%), 38% pela invasão de apartamentos e casas (12 pontos percentuais a mais do que há 8 anos) e 31% por assaltos violentos sem armas (10 pontos a mais).

Os estrangeiros de origem africana, Magreb inclusive, sem contar os que têm dupla nacionalidade, são 3,5% da população francesa. No entanto, eles respondem por 39% dos crimes cometidos no transporte público. Números do serviço de estatísticas oficial, repita-se.

Sim, a criminalidade na Europa não se compara à de países como o Brasil, mas há de se levar em conta os diferentes limites de tolerância. Para um francês e um alemão, os limites já estão sendo ultrapassados.

Na França, o avanço da extrema direita se explica também pela irritação crescente com Emmanuel Macron na pessoa física. O inquilino do Palácio do Eliseu, antecipando o desastre, tentou dar uma guinada à direita nos temas mais sensíveis. Foi um movimento esperto, mas fraco e tardio. Não convenceu.

Ato absolutamente legítimo, milhões  de franceses usaram o seu voto como instrumento de protesto contra o “macronismo”. Votaram no partido daquela que foi  a maior antagonista de Emmanuel Macron nas duas eleições presidenciais disputadas e vencidas por ele.

O presidente francês é repudiado por quase todos os lados e por todos os motivos (mesmo que um contradiga o outro). Do laxismo na política imigratória (ou à falta dela) à perda de poder aquisitivo da classe média; da reforma da aposentadoria ao descontrole fiscal que impõe economias na área social. Da sua arrogância jupiteriana à sua… arrogância jupiteriana.

A onde de choque da vitória da extrema direita na França levou a que Emmanuel Macron dissolvesse a Assembleia Nacional e convocasse eleições legislativas para 30 de junho (primeiro turno, o segundo ocorrerá uma semana depois). É um risco considerável. 

Os dois partidos de extrema direita  — outro se chama Reconquête — obtiveram juntos quase 40% dos votos nas eleições europeias desse final de semana. O Rassemblement Nacional arrebanhou o dobro de votos do Renaissance macronista. Não há garantia de que não conseguirão outro feito histórico nas eleições legislativas internas. Se perder, o presidente francês terá de coabitar com um primeiro-ministro da facção política que considera sucessora do fascismo.

Emmanuel Macron aposta que conseguirá montar uma coalizão suficientemente forte para derrotar Marine Le Pen e o jovem Jordan Bardella, além de outros expoentes do campo adversário, como Éric Zemmour. Para tanto, o presidente francês e os políticos de centro-direita e de centro-esquerda pintarão com tintas ainda mais fortes a extrema direita como um bicho papão capaz de destruir a França, a Europa, a democracia — e como aliada da Rússia de Vladimir Putin (o que não é inteiramente verdade, nem completamente mentira). E eles ainda têm pela frente a extrema esquerda do malucão, com método, Jean-Luc Mélenchon.

A questão será encontrar o ponto ideal para não demonizar o extraordinário número de eleitores que votou no Rassemblement National e no Reconquête.

O debate na França aponta para a repetição do equívoco de ter como única plataforma o enfrentamento da extrema direita. De afirmar que todos os problemas martelados por Marine Le Pen e os seus companheiros ideológicos são invencionices para amedrontar o eleitorado. 

Não são, pelo menos não integralmente, como provam os dados que expõem a relação entre imigração e criminalidade que vale também para a Alemanha. A Europa precisa de mão de obra estrangeira, a miscigenação é enriquecedora, mas o comunitarismo instalado no seio das sociedades europeias cria um clima hostil aos valores ocidentais.

De vez em quando, seria recomendável que os democratas que se arrogam a exclusividade da democracia, como se fossem donos dela, ouvissem o povo.

De qualquer forma, apesar do avanço da extrema direita, as forças que apoiam a atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula van der Leyen, de centro-direita, devem se manter hegemônicas. Mas a correlação já não é a mesma. Haverá menos europeístas e mais nacionalistas e soberanistas no Parlamento Europeu.

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