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Alain Delon era tão bonito que o seu nome serve para apontar o feio

Alain Delon não gostava que lhe aplicassem o adjetivo “sedutor”. “A sedução é feita de cálculo, não de fascinação”, explicava

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Alain Delon, ator francês -- Metrópoles
1 de 1 Alain Delon, ator francês -- Metrópoles - Foto: Reprodução

Alain Delon era tão bonito que, na França, o seu nome serve para apontar, por contraste, homens feios: diz-se que o sujeito é um “Alain de loin” (Alain de longe, no trocadilho em francês).

O ator francês morreu hoje, aos 88 anos, distanciado de si mesmo pelo derrame de cinco anos atrás, em uma velhice que ficou ainda mais triste porque envolta na disputa entre os seus três filhos e na briga deles contra a mulher que tirou proveito de Alain Delon nos seus últimos anos. A tristeza era tanta que ele dizia abertamente que queria morrer e cogitou fazer um suicídio assistido. Quando recebeu a Palma de Ouro, em Cannes, pelo conjunto da sua obra, disse que era homenagem póstuma.

 É injusto estigmatizá-lo como galã, embora a sua beleza paradigmática fosse difícil de ser sobrepujada pelo seu talento dramático evidente. Ele deve os seu grandes papéis aos diretores italianos, em especial Michelangelo Antonioni e Luchino Visconti. 

Ele foi dirigido por Antonioni em L’Eclisse, no qual contracena com Monica Vitti, no papel de um operador da bolsa de valores que vive um romance eclipsado pelo lado invisível das nossas almas. É um dos filmes da trilogia da incomunicabilidade de Antonioni. Revi-o quando Monica Vitti, que foi mulher do diretor, morreu, e continuei gostando, o que vem se tornando menos comum.

Pelas mãos de Visconti, chegou à celebridade mundial, com Rocco e i suoi Fratelli, onde faz o boxeador de uma família do Sul que migrou para o Norte da Itália. Visconti, homossexual, lambeu com a câmera, despudoradamente, o rosto jovem e perfeito de Alain Delon. O filme é extraordinário como tragédia neorrealista.

Depois, com Visconti outra vez, ele faria Il Gattopardo, baseado no livro de Tomasi di Lampedusa. Alain Delon é o príncipe Tancredi, da decadente aristocracia siciliana, que se casa com Angelica, filha de um novo rico da plebe, a fim de que tudo mude para que permaneça como sempre foi. 

O seu par é Claudia Cardinale, que nunca cedeu aos encantos de Alain Delon e que foi sua amiga até o fim. No filme, ambos estão esplendorosos. Assim como ele, Claudia Cardinale era de uma beleza felina. Quando se falavam ao telefone, Alain Delon dizia “oi, aqui é Tancredi”, ao que ela respondia “oi, aqui é Angelica”.

A cena de baile dançada por Alain Delon e Claudia Cardinale é uma das mais icônicas da história do cinema (no seu lamento pela morte do amigo, ela disse que “o baile acabou”). Visconti exigia que os dois realmente se beijassem e se acariciassem. “Quero ver a língua”, recomendou a Claudia, em indisfarçável voyeurismo, para a sorte também dos espectadores de obra de arte tão magnífica. Ao mesmo tempo, podemos colocar a exigência na conta do perfeccionismo naturalista do diretor de nobilíssima família milanesa: até as louças dos armários do filme eram peças genuinamente valiosas.

Alain Deloin afirmava dever tudo às mulheres. Sem elas, dizia, nunca teria sido ator. Como não poderia deixar de ser, “o homem mais belo do mundo” as teve em profusão e em todas as condições: como amigas, namoradas, esposas, amantes. Entre as amigas, além de Claudia Cardinale, havia Brigitte Bardot. Na nota em que lamenta a morte do ator, ela disse que Alain Delon era seu “alter ego e cúmplice”.

A sua grande paixão foi a austríaca Romy Schneider, com quem trocou tapas, beijos e muito mais durante cinco anos, naquele tipo de amor que só quem viveu sabe como pode ser tão intenso quanto terrível. E indissolúvel mesmo após o fim: muitos anos depois do término do romance, é em Alain Delon que Romy Schneider se apoia durante o enterro do filho dela, morto em um acidente trágico, aos 14 anos.

Acusado pelas feministas de ser misógino (e racista, e homofóbico, e culpado de ter simpatia pela direita radical, preenchendo todos os requisitos do bestiário politicamente correto), ele declarou a um jornal: “Eu disse uma vez que estapeei uma mulher? Sim. E deveria ter acrescentado que recebi mais tapas do que dei. Na minha vida, nunca molestei uma mulher”.

Alain Delon não gostava que lhe aplicassem o adjetivo “sedutor”. “A sedução é feita de cálculo, não de fascinação”, explicava. O homem que fascinava teve uma vida fascinante, apesar da velhice triste, que nele foi mais do que pleonasmo. Compreende-se a tristeza que ia além das vicissitudes habituais. Nos seus filmes, Alain Delon ficava cada vez mais belo, enquanto na realidade estava cada vez mais carcomido. O cinema lhe foi o retrato de Dorian Gray.

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