A tia do zap foi terrorista, sim, senhor
Quem chama a estupidez perpetrada em Brasília de “terrorismo” não está sendo imoderado. A definição se aplica perfeitamente
atualizado
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O colunista da Folha Rodrigo Tavares, “professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017”, resolveu dar um puxão de orelha nos jornalistas que chamam de terroristas os terroristas que tomaram de assalto as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no domingo passado.
Ele escreveu: “Só a lei poderá definir se os autores dos podem ser chamados de terroristas. Certamente que há margem para a utilização do termo fora do domínio do Direito, de forma retórica ou discursiva. Mas o atual contexto é tão sensível politicamente que a comunicação deve ser feita com racionalidade e sobriedade”.
Ufa, ainda bem que há advérbios na língua, e eu agora paguei a minha, porque, em geral, implico com eles. O “certamente” do colunista salvou todos os jornalistas que chamamos os terroristas de terroristas. Não fosse pelo advérbio, eu acharia que deveríamos pedir licença ao STF para usar a palavra que Rodrigo Tavares acha que deve ser usada “com moderação”.
Eu também acho. Mas moderação foi tudo o que não se viu na barbárie perpetrada em Brasília. O que se viu ali foi terrorismo, mesmo que a lei brasileira não inclua motivações políticas para o cometimento de tal crime, por obra e graça do PT, veja só a ironia, que receava que os seus “movimentos sociais” pudessem ser enquadrados como terroristas, ao invadir e depredar propriedades privadas e mesmo instituições, como ocorreu em 2006, quando uma facção ligada ao MST botou para quebrar na Câmara dos Deputados. O Brasil deve ser o único país do mundo que não tipifica o crime de terrorismo político, mas isso não é problema da língua, não é?
Rodrigo Tavares diz que terrorismo é “um termo sem expressão consensual a nível global (sic) e que, por isso, depende de interpretação nas leis locais para ganhar um significado nítido, ainda que regionalizado. Por isso, o termo continua sendo usado arbitrariamente como munição de guerra” entre esquerda e direita e demais polos opostos que se digladiam por todos os séculos e séculos, amém.
Pelo que sei, a palavra “terror” foi inaugurada politicamente durante a Revolução Francesa, para definir a simpática doutrina de cortar a cabeça do cidadão considerado contrarrevolucionário, como quem faz a barba. O termo acabou sendo utilizado para denominar o inteiro período em que o seu chefão, Robespierre, governou a França — sem que os historiadores tivessem de ter aval de juiz para fazê-lo. O Terror foi, como direi, tão aterrorizante, que não há uma única rua ou estátua em homenagem a Robespierre em Paris, o único líder revolucionário que ficou sem homenagem.
De lá para cá, muito sangue rolou debaixo de guilhotinas, fuzilamentos e atentados a bomba, e Rodrigo Duarte tem razão quando diz que a palavra “terrorista” esteve e ainda está sujeita a diversas interpretações, a depender da latitude e do ponto de vista (o herói da esquerda Carlos Marighella, aliás, justificava o terror como ato de resistência à ditadura militar, que, por sua vez, o classificava como “terrorista”, o que justificaria a sua execução). Mas jornalista, sabe como é, não pode ficar relativizando e organizando seminários antes de escrever uma reportagem ou um artigo. Só precisa ter lastro para escolher este ou aquele termo.
Da minha parte, pelo menos, tenho esse lastro. Uso “terrorismo” e palavras correlatas, segundo a definição da Assembleia Geral das Nações Unidas (para alguma coisa a ONU tem de servir), de janeiro de 2006. “Os atos criminais que, com fins políticos, são concebidos ou calculados para provocar o terror no conjunto de uma população, num grupo de população ou em determinadas pessoas”, resume a ONU. Ela acrescenta que esses atos “são injustificáveis em todas as circunstâncias e quaisquer que sejam os motivos de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou outra que se possa invocar para justificá-los”. Foi o que se viu em Brasília, em ondas tropicais, mas, ainda assim, muito graves. (A ONU, aliás, deveria fazer melhor uso da sua própria definição. Ela continua a facilitar para terroristas do Oriente Médio ao não classificá-los como terroristas.)
Se houve tia do zap praticando terrorismo à brasileira, sem saber que estava fazendo papel de terrorista, problema dela, que terá de se haver com o ministro Alexandre de Moraes. Mas espero que ela seja punida dentro das regras do Estado de Direito, com proporcionalidade. Que não se misturem as culpas dos incentivadores e dos que botaram para quebrar com as daqueles que invadiram sem danificar patrimônio na ação feita pata aterrorizar os representantes dos três poderes.
De qualquer forma, imoderada foi a tia do zap, não nós que a chamamos pela palavra certa. Ela foi terrorista, sim, senhor, e não é preciso ter armas para se praticar terror. Se a quiserem chamar apenas de “extremista”, “imbecil” ou “golpista”, também vale. Mas isso não dará conta totalmente da estupidez que ela levou adiante na sua confusão mental.