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A minha geração falhou miseravelmente com o Brasil

A minha geração falhou miseravelmente, reproduzindo e amplificando tudo o que já havia de errado e grotesco no Brasil

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Complexo da Maré, no Rio de Janeiro -- Metrópoles
1 de 1 Complexo da Maré, no Rio de Janeiro -- Metrópoles - Foto: Getty Images

A minha geração, que entrou na idade adulta entre o final da ditadura militar e a redemocratização, falhou miseravelmente com o Brasil.

Todas as esperanças que tínhamos naquela passagem que parecia apontar para um horizonte radioso se revelaram ilusões perdidas ou simples cinismo.

Não conseguimos criar um sistema político que selecionasse os melhores. Como já disse, ele atrai os piores em tudo. Da esquerda à direita, tem-se apenas personagens que vão do desonesto ao bizarro, as raríssimas exceções confirmando a regra.

O patrimonialismo continua a ser a nossa realidade devastadora, e as ideologias, tanto as já mortas que nos assombram, como as vivas que aqui chegam por ondas tropicais, são apenas simulacros.

A elite econômica é voraz, impiedosa, vulgar e de uma ignorância para a qual o adjetivo abissal não dá conta nem sequer aproximada. O seu exibicionismo jeca é a aspiração de quem está na base da pirâmide social, o que perpetua a falta de gosto, de compostura, de vergonha.

As nossas escolas são um desastre, celeiros de analfabetos funcionais que garantem a replicação de estatísticas desastrosas em todos os critérios de desenvolvimento.

Temos as cidades mais precárias do mundo que se pretende civilizado, e somos um país com metade da população sem banheiro. Sem banheiro! Não conseguimos dar destino certo a excrementos que são, assim, muito mais do que a melhor metáfora para o estado geral da nação.

A criminalidade grassa, somos uma sociedade cordial na aparência e feroz na essência. A nossa grande multinacional é a do crime, que agora se infiltra na política, onde os piores em tudo lhe criam o ambiente propício para prosperar.

Os honestos são inculpados, os culpados são inocentados, o cala-boca reviveu, a violência e a desfaçatez do arbítrio são chocantes. A autocensura se espalhou nas redações jornalísticas, nos escritórios, nas repartições — e a Constituição é letra morta a ser reinterpretada ao sabor de interesses e conveniências pessoais.

Os avanços obtidos nos últimos quarenta anos, bem menores do que os de outros países que estavam no mesmo patamar, não foram por causa de, mas apesar de. 

A minha geração falhou miseravelmente, lavando as mãos, macaqueando e amplificando tudo o que já havia de errado e grotesco no Brasil. Que havia, que há e que haverá por tempo incalculável. Sei que estou dando vazão a muitas vozes.

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