A esquerda pró-Hamas decepa a moral universal
Se Israel é opressivo em relação aos palestinos, essa causa martelada pela esquerda não justifica a consequência terrorista do Hamas
atualizado
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Acompanho com decrescente interesse o debate entre a esquerda pró-Hamas, da qual fazem parte o PT e o PSol, e o restante da humanidade — restante à qual pertenço e que se horroriza de verdade com o massacre de israelenses.
A justificativa da esquerda pró-Hamas para as atrocidades perpetradas pelos terroristas que invadiram o território de Israel começa pela linguagem difundida por meio de imprensa, partidos políticos e grêmios estudantis. Na semântica estudada desse pessoal, os monstros que mataram e sequestraram civis indefesos, estupraram mulheres e trucidaram bebês são chamados alegremente de “combatentes” ou envergonhadamente de “militantes”.
Ultrapassado o muro linguístico, a esquerda pró-Hamas adentrou de paraglider, na sua insustentável leveza do ser, o campo da desonestidade. Grupos de estudantes de Harvard, por exemplo, aquele outrora centro iluminista, disseram que “nas últimas duas décadas, milhões de palestinos em Gaza foram forçados a viver em um prisão ao ar livre” e que “o regime de apartheid (implantado por Israel) é o único culpado por toda a violência em curso” por lá.
Para estudantes de Harvard, portanto, Israel é culpado exclusivo pelas atrocidades cometidas contra seus cidadãos e turistas estrangeiros que visitavam o país; Israel também é culpado exclusivo por, em resposta ao ataque monstruoso, ter declarado guerra ao Hamas e começado a bombardear o enclave palestino, matando civis usados pelos terroristas como escudos humanos.
A carta de estudantes de Harvard resume o discurso entre ignorante, infantiloide e antissemita da esquerda pró-Hamas, para além de falseador. Se não, vejamos: o objetivo dos terroristas não é constituir um estado palestino que conviva com o estado judaico. O Hamas é uma organização criada em 1987, na Faixa de Gaza, por fundamentalistas islâmicos que pregam a destruição de Israel, a sua aniquilação da face da Terra, para instalar um regime teocrático em toda a região. Renunciar a qualquer pedaço de território é, segundo o seu estatuto, ir contra a própria religião muçulmana.
Diz o estatuto:
“As chamadas soluções pacíficas e conferências internacionais para resolver o problema palestino estão em contradição com os princípios do Movimento de Resistência Islâmica, pois ceder uma parte da Palestina é negligenciar parte da fé islâmica. O nacionalismo do Movimento de Resistência Islâmica é parte da fé (islâmica). É à luz desse princípio que os seus membros são educados e lutam a Jihad (Guerra Santa) a fim de erguer a bandeira de Alá sobre a pátria.
Não há solução para o problema palestino a não ser pela Jihad.
Iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa. O povo palestino é muito importante para que se brinque com seu futuro, seus direitos e seu destino.
No dia em que o inimigo conquista alguma parte da terra muçulmana, a Jihad passa a ser uma obrigação de cada muçulmano. Diante da ocupação da Palestina pelos judeus, é preciso levantar a bandeira da Jihad. Isso exige a propagação da consciência islâmica nas massas, localmente (na Palestina), no mundo árabe e no mundo islâmico.”
A Jihad pressupõe o uso de quaisquer meios para golpear o inimigo, como mostram os atentados cometidos pelas diversas organizações islâmicas contra o Ocidente e contra Israel. Desse modo, a brutalidade cometida pelo Hamas contra civis indefesos é “santa”. Os estupros e execuções de jovens que se divertiam numa rave, os assassinatos de homens, mulheres e crianças que estavam nas suas casas, os sequestros de mais de uma centena de israelenses — todos são atos necessários e justificáveis perante Alá.
O Hamas quer destruir Israel também porque o vizinho é uma democracia moderna, onde as mulheres são iguais aos homens e as minorias são respeitadas. Aceitar a existência de Israel significa, para o grupo terrorista, uma profanação da sua visão patriarcalista e anacrônica, com todas as ameaças existenciais dela decorrentes de vizinho tão próximo, desenvolvido social e economicamente, completamente antípoda.
Veja-se o que o estatuto do Hamas reserva às mulheres na sociedade:
“A mulher no lar e na família jihadista, seja mãe ou irmã, tem a função principal de cuidar da casa, educando as crianças de acordo com as idéias morais e valores inspirados pelo Islã, ensinando-as a cumprir com os deveres religiosos na preparação para a jihad (guerra santa) que as espera. Assim, é necessária acurada atenção com as escolas nas quais as meninas muçulmanas são educadas, bem como sobre o currículo, de forma que elas cresçam, preparando-se para serem boas mães, conscientes do seu papel na guerra de libertação. As meninas devem receber adequados conhecimentos para compreenderem os cuidados com as tarefas domésticas; a economia e como evitar desperdícios nas despesas domésticas são requisitos para se capacitarem a um comportamento adequado nas atuais difíceis circunstâncias.”
Na sua essência, não há diferença entre a Al-Qaeda, o Estado Islâmico e o Hamas, uma cadela do Irã cuja irmã mais velha é o Hezbollah libanês. Como o Hamas é uma organização terrorista, os seus integrantes deveriam ser chamados de terroristas. Mas a esquerda de paraglider refere-se aos terroristas do Hamas como “combatentes” ou “militantes”.
Não vou fazer um compilado da história do conflito entre israelenses e palestinos. Há vários bons por aí, e os melhores entre eles são francos ao relatar que palestinos e países árabes têm também responsabilidade, não pouca, pela situação que julgo insolúvel por razões opostas às do Hamas. O aspecto fundamental a ser dito aqui é que, se a política israelense em relação aos palestinos é opressiva, essa causa martelada de forma maniqueísta pela esquerda — que esconde o antissemitismo atrás do antissionismo — não justifica a consequência terrorista. Entre a causa e a consequência existe uma lei moral, que é universal, por estar acima de credo, etnia e geografia. Ela iguala fortes e fracos, justos e injustos. Ela constitui a nossa própria humanidade.
Segundo essa lei, o imperativo categórico, não se pode assassinar e sequestrar civis indefesos, trucidar bebês e estuprar mulheres, em hipótese nenhuma, sob pena de destruirmos o que nos faz humanos. Ao apoiar ou justificar o Hamas, a esquerda decepa a moral universal. Decepa nós todos.
PS: sobre o fato de o Hamas ter saudado a eleição de Lula, vou de O Pequeno Príncipe: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.