A democracia brasileira lembra a definição de sexo do conde inglês
A lembrança vem a propósito do que está sendo chamado de “microrreforma eleitoral”, mas é uma macroesculhambação da democracia nacional
atualizado
Compartilhar notícia
A votação a toque da caixa na Câmara dos Deputados do que está sendo chamado de “minirreforma eleitoral” e a sua aprovação esmagadora por 367 votos, num arco que vai do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, deveria fazer os brasileiros entenderem de uma vez por todas qual é o real interesse da maioria dos representantes da democracia nacional.
A “minirreforma” não veio para aprimorar o sistema eleitoral, a fim de que ele se torne mais transparente ou eficiente. Na verdade, é uma “macroesculhambação” (mais uma) idealizada para embaçar a vista dos cidadãos e neutralizar os mecanismos de controle sobre partidos e candidatos. Veja o que você perdeu em mais de um sentido:
A macroesculhambação diminui o tempo de inelegibilidade do político condenado por gatunagens, tal como previsto pela Lei da Ficha Limpa. Cancela quase que totalmente a inelegibilidade por improbidade administrativa. Reduz as obrigações em relação à prestação de contas das legendas. Permite doações eleitorais de pessoas físicas por meio de PIX, sem a utilização de CPF. Abre caminho para que os partidos burlem a cota mínima de 30% de candidaturas femininas. Reduz a verba para candidatos negros.
Há mais: a macroesculhambação libera o uso de dinheiro público para pagar despesas pessoais de candidatos, bem como para a compra e o aluguel de carros, barcos e aviões a serem usados por eles. Também torna impenhoráveis e imunes a bloqueios judiciais o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral (a experiência de Valdemar Costa Neto com Alexandre de Moraes rendeu esse fruto do cerrado).
Tem muito bububu nesse bobobó. O governo reservou, inicialmente, 939 milhões de reais para o Fundo Eleitoral em 2024, quando serão realizadas as eleições municipais. É uma ficção, como tudo no governo relacionado a economia de tutu, arame, gaita, cascalho. Na verdade, o valor do Fundo Eleitoral deverá ser igual ou até superior ao de 2022: 4,9 bilhões de reais. E você aí comemorando a reforma tributária, né, minha filha?
A democracia brasileira lembra cada vez mais a definição de sexo do inglês Philip Stanhope, 4º Duque de Chesterfield: “O prazer é momentâneo, a posição é ridícula e a despesa é exorbitante”.
PS: por falar em democracia nacional, acompanhei com interesse antropológico o início do julgamento no STF dos acusados pelos atos golpistas de 8 de janeiro. “Histórico”, gritaram os jornais. Pode até ser, mas o aspecto mais, como direi?, revelador até agora desse épico brasileiro foi uma nota de rodapé: o advogado de defesa que confundiu o Príncipe, de Maquiavel, com O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry.
O soneto teve emenda à altura quando o editor da nação corrigiu, com manifesto desprezo, o causídico de pouca leitura. “Ãtuanê de Sã Ezupêrri”, pronunciou o editor da nação, ao citar o nome do autor francês na sua correção. Tristemente divertidos trópicos. Prazer momentâneo.