O que a Nasa tem a ensinar ao mundo corporativo?
Em artigo, Guilherme Bello, head of Strategy da BriviaDez, reflete sobre como a exploração espacial deveria ser cultivada nos negócios
atualizado
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A forma de atuar dos negócios vem passando por uma necessidade de revisão no chamado “mundo transformado pelo digital”. As empresas precisam ser mais ágeis – o que nem sempre significa “ser mais rápido”–, mais data-driven – o que nem sempre significa “ter certezas” – e mais inovadoras – o que nem sempre significa “inventar”.
Em uma das apresentações do SXSW 2021, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) detalhou os últimos avanços na busca por vida em outros planetas, um objetivo que pode alterar completamente a visão que temos sobre a própria vida humana.
E aí você deve se perguntar: “legal, mas o que a exploração espacial tem a ver com a forma de atuar das empresas?”. Segundo a agência, muito!
Abaixo listo quatro pontos intrínsecos à exploração espacial que os empreendedores deveriam cultivar no próprio negócio. Um pouco da “ciência” da Nasa aplicado ao mundo corporativo repleto grandes ambições e constantes transformações:
1. Trabalhe com os dados que você tem. Crie hipóteses e busque respostas.
Exploração espacial é algo extremamente caro e que lida com cenários de alto grau de incertezas. Você nunca tem toda a informação necessária para responder aos seus objetivos. Imagine que você tivesse que pilotar um carro da Fórmula 1 com apenas 30% da visão, e aí terá uma ideia do que estamos falando. Essa realidade, no entanto, não impede os cientistas de conquistar grandes saltos evolutivos. A ciência sempre trabalha com o que tem em mãos. A Nasa faz suas leituras iniciais a partir de dados muito restritos provenientes de leituras diárias de grandes telescópios na Terra. Assim, busca criar hipóteses sobre o potencial de vida em outros planetas e qual a melhor forma de explorá-los. A partir dessas informações, estrutura os projetos para o envio de sondas à superfície desses planetas na tentativa de validar algumas destas hipóteses. E, então, reinicia o processo, validando novas hipóteses com base nas informações coletadas.
É possível fazer muita coisa com pouca informação. Talvez não seja suficiente para tudo que você almeja de uma única vez, mas serve para começar. Mais informações vão surgir ao longo do processo, enriquecendo o projeto e permitindo crescimentos muitas vezes inesperados. Comece, explore com o que você tem e esteja aberto às oportunidades que poderão se abrir. Por que isso é importante? Porque é muito mais barato; a solução vai naturalmente se construindo a partir de iterações e captura de novos dados; e constrói vitórias intermediárias, mantendo o time engajado no objetivo.
2. Todo fracasso é, também, uma vitória.
Nem todo mundo sabe, mas a Nasa enviou a primeira sonda para Marte em 1976, com a intenção de entender se o planeta já tivera condições de abrigar vida em algum momento. Apesar de aterrisar com sucesso e coletar os dados desejados, a missão foi considerada um fracasso à época. Isso porque os dados coletados não foram conclusivos para diversas das hipóteses traçadas. Porém, essa missão ensinou aos cientistas que o problema não estava na forma de coletar os dados, mas sim em onde coletar as amostras de solo. Esse aprendizado permitiu ao time reanalisar dados dos satélites para escolher os locais mais remotos e antigos do planeta vermelho, agora considerados os pontos ideais para as coletas de solo. Esses seriam os alvos para o envio de novas sondas no futuro.
Resultado: após o envio de novas sondas para estes locais, a Nasa hoje tem certeza absoluta de que Marte já foi um “planeta azul”, com água, rios e umidade suficientes para sustentar vida orgânica. Essa certeza alimentou hipóteses já antigas de que Marte poderia ser terraformável a ponto de sustentar vida humana no futuro (oi, Elon Musk). Agora, em sua última missão ao planeta vermelho, os cientistas procuram provas para sustentar a hipótese de que Marte já abrigou vida orgânica no passado. Pense um segundo sobre o quanto isso pode nos ensinar sobre o universo e o próprio futuro da Terra. Muitos teriam desistido no primeiro experimento falho, em 1976.
3. Inspire-se no que já existe, e construa a partir disso.
Muitos acreditam que todas as soluções hiperengenhosas que saem da base da Nasa-JPL no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) são baseadas em invenções 100% proprietárias das grandes mentes que lá trabalham. Isso não está de todo errado: mentes superiores têm maior facilidade para identificar o potencial tecnológico em elementos simples do nosso cotidiano como um origami, por exemplo.
Sim, parte da solução de um novo telescópio espacial para identificar “potenciais Terras” em outras galáxias foi baseada nas dobraduras japonesas. Essa foi a solução que o time da Nasa encontrou para enviar um “para-sol” gigantesco para o espaço, tornando-o mais leve — e, principalmente, menor para tomar sua forma final apenas quando fora da órbita terrestre. Isso permite seu envio em foguetes já existentes, viabilizando o projeto e ainda reduzindo custos no processo.
Entenda: muitas vezes, a solução é mais simples e óbvia do que parece. E você não precisa ser PhD em astrofísica para resolver problemas complexos de forma simples (apesar de isso ajudar um bocado).
4. Tenha grandes objetivos, mas comece pequeno.
Vamos retomar a história da primeira sonda enviada a Marte, em 1976. Muitos anos antes, a Nasa já almejava descobrir se aquele planeta era potencialmente apto a receber vida humana no futuro. Esse grande objetivo enfrentou diversas barreiras ao longo do caminho, e apenas 45 anos depois pode-se dizer que ele está sendo atingido. Porém, essa grande conquista só foi possível por conta da persistência da Agência Espacial Norte-Americana e da caraterística dos projetos científicos de realizar um pequeno objetivo de cada vez.
Você pode, e deve, ter grandes sonhos, mas nem sempre terá os recursos necessários para conquistá-los. Muitas vezes, faltará capital humano ou tecnologia, outras vezes recursos financeiros, talvez até “capital político”.
A forma de atacar esses problemas é começar pequeno e trabalhar com o que se tem. Você talvez não consiga convencer o conselho da empresa a investir milhões em grandes plataformas que você sequer tem 100% de clareza dos resultados que pode obter; ou a investir em grandes times digitais com a intenção de realizar uma transformação completa na organização. Esse caminho é difícil, o risco é muito alto, e o investimento é muito grande.
Comece pequeno. Invista os recursos possíveis, busque encontrar respostas para pequenas (e específicas) hipóteses e se utilize dessas pequenas conquistas como forma de conseguir impulso para expandir sua visão em busca daquele grande objetivo. Grandes feitos tomam tempo, recursos, persistência e derrotas. Tenha uma certeza: você vai falhar. Porém, procure falhar aos poucos e aprender no processo. Antes de explorar outros sistemas solares, entenda quais as perspectivas de vida no planeta que está bem ao seu lado.
Guilherme Bello é head of Strategy da BriviaDez