Inteligência artificial no marketing: é necessário mudar a cultura
Clara Franco, professora da Fundação Getulio Vargas Online, explica que ao lado da IA, as empresas também precisam evoluir
atualizado
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Embora não seja necessariamente uma novidade, já que há registros dos primeiros desenvolvimentos ainda na década de 1950, a inteligência artificial tem agora ganhado todos os holofotes. A “inteligência das máquinas” a serviço do ser humano tem alcançado posições em todas as operações das empresas, na tentativa de agilizar e otimizar rotinas cruciais de diversos departamentos e auxiliar na melhor tomada de decisão.
Uma lição aprendida pelos líderes empresariais, durante a pandemia, quando praticamente todas as empresas tiveram que passar por algum grau de adaptação de processos e acelerar sua transformação para um ambiente totalmente digital. Algumas mais ágeis e determinadas, assumiram o desafio e “viraram a chave” rapidamente, enquanto outras “patinaram na burocracia” e na incapacidade de avaliar corretamente o cenário global. Muitas, nem mesmo após a crise do lockdown e a interrupção da cadeia de fornecimento, conseguiram se adaptar e, irremediavelmente, encerraram seus negócios.
Empresas de setores que sempre investiram em relacionamentos presenciais, como as de educação, formação profissional e vendas B2B, com o lockdown migraram todos os seus contatos para o ambiente on-line em tempo recorde. O aprendizado foi de que empresas capazes de se adaptar com maior agilidade e maior eficácia lideraram e até cresceram, enquanto as menos ágeis sofreram migração de clientes para as mais digitalizadas. Essa é a diferença entre evoluir ou sucumbir às novas demandas.
Agora, assistimos um cenário parecido quanto à adoção da inteligência artificial. E mais uma vez responder com agilidade será um diferencial competitivo. Na Salesforce, as equipes já usam a IA para qualificar leads e identificar melhores oportunidades para o time de vendas, com foco em maiores chances de fechar negócios. A IBM gera insights sobre o mercado a partir do uso da inteligência artificial, analisando dados para definir tendências amplas. Já a Hubspot, com ampla integração de IA na sua plataforma, tem automatizado e customizado suas campanhas de marketing por meio da inteligência artificial, analisando comportamentos, criando e personalizando conteúdos e ofertas.
Em um ambiente de negócios cada vez mais digital, a atração, captação e retenção de clientes depende cada vez mais da capacidade de proporcionar a vivência de experiências positivas e personalizadas.
Essa jornada do cliente exige estratégias direcionadas para a construção de “memórias afetivas” em ciclos cada vez menores, o que demanda interação em tempo real e, necessariamente, o uso de inteligência artificial para analisar dados, identificar perfis e construir interações assertivas.
No marketing, para além da organização interna, das equipes, das agendas e do CRM, a inteligência artificial vem sendo usada para a geração de leads e sua qualificação (lead scoring), construção e manutenção de base de contatos consistentes e atualizados e geração automática de conteúdo personalizado, com impacto direto para as campanhas de vendas. Em vendas B2B, a inteligência artificial já é utilizada para identificar e qualificar as melhores oportunidades, otimizando o esforço, reduzindo o ciclo de vendas e simulando cenários para a construção de estratégias mais eficazes.
Trata-se de proporcionar a melhor jornada de compra, para construir relações duradouras e maximizar o CLV (Customer Lifetime Value). Como mencionado no Wharton Online Insights, “A menos que você venda um produto ou serviço de uso único, deveria ser do interesse da sua empresa cultivar a fidelidade do cliente”.
A disputa, e até a sobrevivência, em um mercado cada vez mais competitivo e disruptivo exige dos CEOs uma visão estratégica da inovação como uma condição fundamental para a transformação permanente do negócio. Da mesma forma, a conhecida curva de adoção de inovações demonstra que é preciso ter flexibilidade, persistência e agilidade para incorporar as inovações, sob risco quase inexorável de ser superado pelos concorrentes mais ágeis e adaptados.
Com uma enorme variedade de tecnologias e recursos de inteligência artificial à disposição, em “cloud pay per use”, o desafio é saber usar e a maior barreira é a cultura empresarial.
Se a transformação de negócios é feita por pessoas, com pessoas e para pessoas, e se a importância da mudança de cultura e de mindset se tornaram os elementos críticos para o sucesso e até sobrevivência das empresas, são seus profissionais e executivos que precisam se adaptar.
Mesmo que os benefícios sejam comprovados, por testemunhos, casos de sucesso e relatórios de consultorias globais, as barreiras estão na cultura organizacional. Frank-Jürgen Richter e Gunjan Sinha, na Harvard Business Review, em um estudo de Agosto de 2020, afirmam que “custos, complexidade e competências são barreiras, mas é a cultura organizacional o que realmente importa na adoção de novas tecnologias”.
Apesar dessas barreiras, sinais positivos de adoção de IA avançam nas empresas de todos os portes, notadamente em startups. Na área de Marketing, tradicionalmente entusiasta em inovação, uma pesquisa da Salesforce demonstrou que pelo menos 51% dos profissionais de marketing já utilizam inteligência artificial em seus processos diários, na identificação de leads, geração de conteúdos personalizados e interações em chatbots. Um estudo da RD Station, que ouviu 1.600 profissionais do setor, mostrou que 57% já utilizam “IA Generativas”, como o ChatGPT e seus plugins.
Os benefícios da IA nas empresas tornam-se mais perceptíveis pela sua adoção na cadeia de tomada de decisão, ou “data-driven enterprise”, que significa o “uso intensivo de algoritmos em todas as etapas do processo decisório”, gerando insights e recomendações em tempo real, com retorno não apenas para o marketing, mas para toda a gestão da empresa.
A conclusão é que se o marketing de hoje está mais tecnológico e automatizado com IA, os profissionais de marketing podem e têm que ser mais estratégicos: e essa evolução está diretamente envolvida com a mudança de cultura da empresa.
Clara Franco é professora da Fundação Getulio Vargas Online. É também conselheira consultiva, consultora de estratégias de Marketing e Negócios B2B.