Diversidade na comunicação: o que falta para sermos mais inclusivos?
O comunicador Breno Soutto, do Grupo Elife, afirma que por muito tempo, a publicidade se pautou em um mundo idealizado por estereótipos
atualizado
Compartilhar notícia
Conceitos como diversidade e inclusão não são novidade nos dias atuais. A pauta é tão antiga que olhamos recorrentemente para o tema em nosso estudo “Diversidade na comunicação digital” há mais de cinco anos, com adesão e publicações por boa parte da imprensa. Neste tempo, vimos muitos avanços, mas ainda assim, existem caminhos significativos a serem percorridos.
Por muito tempo, a publicidade se pautou em um mundo idealizado, composto por pessoas que se encaixavam em um estereótipo que dialogava com valores do que era tido como bom pelo perfil de quem dominava os veículos de comunicação: pessoas brancas, jovens, magras, ricas e que, infelizmente, retratavam mal seus consumidores.
Este modelo começou a perder espaço quando, quer por meio de veículos independentes, quer por organizações da sociedade civil ou, principalmente, pela democratização trazida pelas redes sociais, pessoas que não se viam refletidas nestes perfis pouco representativos passaram a ter voz e a criar seus próprios conteúdos. Este processo fomentou a participação de grupos não hegemônicos na comunicação, inclusos os chamados grupos minoritários – falar somente em minorias no Brasil deixaria negros e mulheres fora da equação, por exemplo.
Ainda que com notável evolução na participação destas diversidades na comunicação, existem ainda inúmeras oportunidades de melhoria. Para grupos bem representados em quantidade, como as mulheres, as evoluções vão ser qualitativas; já para outros grupos, que são sub-representados, como idosos e pessoas com deficiência, ainda há mais caminho a percorrer e a inclusão precisa também ser numérica.
Embora apareçam nos anúncios em quantidade maior do que a sua presença na sociedade – as mulheres são 51,1% das pessoas segundo o IBGE, mas estão em 53,5% das peças —, o gênero feminino está nichado em segmentos de negócio específicos: bens de consumo, higiene, beleza, e indústria farmacêutica. Além disso, há pouca diversidade entre elas, os números são baixos quando falamos da presença da mulher negra, indígena, LGBT+ ou de PcDs, com predomínio de mulheres brancas, cisgênero jovens e estereotipadas.
Para que se crie uma imagem realista da mulher em sua ampla presença atual, é necessário representar a mulher em todas as suas possibilidades e em todos os locais sociais ocupados por ela e não tão idealizadamente.
Outro grupo que se destaca numericamente são os negros. Neste ano, eles apresentam crescimento e até recorde na presença, porém, ainda estão abaixo da proporção da sua população na sociedade brasileira. São 56,1% dos brasileiros segundo o IBGE, mas estão presentes somente em 52,7% das comunicações. O grupo também traz papéis de gênero bastante marcados: mulheres aparecem mais em comunicações do setor de higiene, beleza e farmacêutico, enquanto os homens aparecem mais em varejo e telecomunicações.
As pessoas de pele escura, no entanto, são as que mais se destacam positivamente e apresentam melhora não só em volume de peças, mas também qualitativamente, com inserções em situações mais representativas da realidade cotidiana, como o consumo de produtos e serviços, momentos de lazer e outros. Há dois anos, o que se via era o negro em contexto de superação de dificuldades financeiras.
Por outro lado, há minorias sub-representadas. É o caso da população LGBT+. Além de aparecerem em proporção bastante inferior à da sociedade (12% das pessoas segundo estudo conjunto da USP e UNESP contra 7,2% das peças publicitárias), existe a prevalência de um grupo: homens gays cis, sendo que a presença de mulheres e de pessoas trans é quase inexistente.
Felizmente, nem tudo são más notícias para a população sexualmente diversa. Por exemplo, ao contrário dos anos anteriores, a participação deste grupo não se concentra tão fortemente em junho — mês do orgulho — como no passado. Urge, no entanto, que possamos ir além da figura do homem gay e passemos a incluir as demais letras da sigla para que haja maior aceitação e naturalização da pluralidade.
Também estão sub representadas as pessoas gordas, os idosos, as PcDs e os indígenas, grupos com grande potencial, tanto de compra como de geração de narrativas, e ainda pouco vistos nas publicações.
A inclusão destas pessoas gera identificação com o consumidor e potencial de negócios, além de poder fazer com que peças publicitárias se destaquem das demais.
Por último, cabe a defesa de que a melhor representação de grupos minorizados acontece quando os quadros de colaboradores das empresas são diversos. Equipes com diferentes backgrounds culturais, de gêneros, de cores, de possibilidades físicas e de olhares sobre o mundo conseguem perceber melhor mensagens tendenciosas, combater estereótipos e preconceitos, e corrigi-los. A diversidade na comunicação é a externalização da realidade interna das companhias, e não apenas uma mensagem.
*O artigo é baseado no estudo de Diversidade na Comunicação 2023, apresentado pela Elife, Buzzmonitor e SA365.
Breno Soutto é profissional de comunicação pela USP com carreira focada em inteligência de mercado e comportamento do consumidor. Atua com projetos de inteligência para o Grupo Elife no Brasil, América Latina, Portugal e Espanha. Há 15 anos auxilia clientes a compreenderem suas marcas no universo digital.