Profissionais precisarão se adaptar à IA, diz especialista
Arquiteta fala como a inteligência artificial impacta a rotina de criação e trabalho dos profissionais da área
atualizado
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A inteligência artificial tem transformado a maneira como profissionais de diferentes setores pensam em seus trabalhos. Cada vez mais especialistas utilizam soluções baseadas em IA, seja para criar conceitos ou otimizar tarefas operacionais, liberando o tempo nos escritórios para tarefas que exigem mais habilidades humanas, como criatividade, atenção ao cliente e resolução de problemas mais complexos.
Para falar sobre o assunto, o Metrópoles entrevistou a arquiteta brasiliense Maria Mahmoud. Especialista em desenvolvimento de espaços de trabalho, ela já atuou junto a empresas como WeWork e ajudou a desenvolver os Centros de Transmissão para grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. A especialista conta com um perfil no Instagram em que compartilha os projetos desenvolvidos por meio de MidJourney.
Na sua visão, quais as vantagens de usar a IA na arquitetura?
Além de agilizar processos, tornando-os mais eficientes em termos de custo, a Inteligência Artificial associada ao projeto arquitetônico abre portas para uma nova era de experimentação, influenciando profundamente fluxos criativos.
O presidente do RIBA (Royal Institute of British Architects), Muyiwa Oki, enfatizou o impacto significativo da IA em arquitetura descrevendo-a como sendo “a ferramenta mais disruptiva de nosso tempo”.
A IA revoluciona a forma como ideias são visualizadas e comunicadas, às vezes entrelaçando o onírico com o real e expandindo os limites da imaginação, otimizando iteração e colaboração ao longo do processo. Acredito que a ferramenta seja indispensável para o alcance de novos patamares de inovação.
Como a IA está associada ao seu trabalho? Como essa ferramenta entrou em seu fluxo de trabalho?
Nas fases iniciais de um projeto de design de interiores, onde tradicionalmente se selecionam imagens de referência, moodboards e materiais, agora é possível incorporar renderizações completas em 3D.
Essa evolução facilitada pelo uso do Midjourney (ferramenta que produz, por meio de IA, imagens conceituais para design de interiores) permite a criação de imagens renderizadas ultra realistas que capturam o ambiente desejado, superando limitações relacionadas a tempo e custo, nesta etapa, reduzindo radicalmente a fricção na etapa conceitual. .
Após a consulta inicial ou o briefing, algumas visualizações do espaço são geradas, permitindo com que o cliente visualize diferentes alternativas e direcione suas preferências. O método facilita a visualização do conceito, aprimora a comunicação e beneficia a tomada de decisões.
Após esta etapa inicial de conceituação com o suporte da IA, o desenvolvimento do projeto prossegue segundo métodos tradicionais. Este processo inclui etapas detalhadas de planejamento, execução e finalização, onde a precisão técnica e a materialidade dos elementos são meticulosamente desenvolvidas e implementadas, resultando em um projeto final que reflete as imagens conceituais iniciais.
Na sua opinião, como a profissão de arquitetura será impactada pelo maior uso de IA dentro dos escritórios? Sempre levanta-se a questão desse tipo de tecnologia impactar de forma negativa a profissão. Como você enxerga essa questão?
Não acredito que os arquitetos perderão suas posições para a IA, mas precisarão, definitivamente, se adaptar às novas ferramentas.
A IA transforma o trabalho em arquitetura principalmente através da automação de tarefas repetitivas, liberando os arquitetos para se concentrarem em aspectos mais criativos e complexos do design. Saliento a importância da intencionalidade qualificada – a experiência de quem usa a ferramenta define os resultados alcançados.
O Midjourney é conhecido por conseguir gerar imagens bastante interessantes e criativas a partir de prompts direcionados pelo usuário. Porém, sabemos que imagem não é projeto. Você acredita que a tecnologia está avançando em uma direção para que as plataformas de inteligência artificial consigam, em um futuro próximo, desenvolver projetos detalhados a partir de imagens criadas por elas mesmas?
Existe uma distinção entre o uso da IA generativa para concepção criativa ou estudos de viabilidade e para a criação de projetos de execução. No estágio atual, ainda não temos ferramentas de IA aptas a desenvolverem um conjunto de documentos detalhados – necessários para a execução construtiva .
O MidJourney é eficiente na criação de imagens conceituais, incluindo imagens de arquitetura e interiores. Utilizando um modelo de difusão, que gera imagens de alta qualidade começando com ruído aleatório e gradualmente removendo esse ruído para revelar uma imagem nítida e detalhada – a empresa foca em qualidade artística e criatividade, sem necessariamente buscar exatidão técnica como seu objetivo principal.
Apesar do ceticismo sobre a viabilidade desses avanços no curto prazo – especialmente devido à alta complexidade de projetos de execução de arquitetura e design de interiores -, o rápido desenvolvimento tecnológico é inegável. Acompanhar tais avanços é bem desafiador! Em um artigo recente, a Dezeen, que destaca que startups de IA no setor de design/construção captaram US$ 12,3 bilhões nos últimos três anos, com empresas como a Autodesk liderando esse desenvolvimento.
Os profissionais do setor não vão perder um pouco a originalidade e deixar o pensamento crítico com o uso intenso de design generativo criado pela IA?
Better inputs, better outcomes ou “melhores recursos/entradas, melhores resultados”. Uma vez que as IA utilizam algoritmos que fornecem “resultados à medida do utilizador” ficamos de alguma maneira limitados ao nosso próprio nível de conhecimento ao usar tais ferramentas.
Incentivo o estudo das capacidades e limitações da ferramenta para que possamos integrá-las eficazmente em nossos processos criativos, ressaltando que, por mais sofisticadas que sejam, as plataformas de IA servem como extensões das nossas capacidades.
A criação de prompts eficazes exige um domínio do vocabulário arquitetônico e de interiores, além de um aprofundamento nos fundamentos teóricos e na materialidade de estilos. Essa base nos permite direcionar a AI com mais precisão, e gerar resultados mais autorais e inconfundíveis.
A inteligência artificial ainda não consegue entender o contexto cultural de um projeto, o impacto emocional de um espaço ou mesmo os desejos específicos de um cliente. Você acredita que essa ferramenta pode evoluir para preencher essa lacuna?
Embora a inteligência artificial esteja evoluindo rapidamente, continuamos a desempenhar um papel crucial como tradutores desses desejos. Ainda que, com o desenvolvimento de algoritmos mais sofisticados e aprendizado de máquina, a IA comece a superar algumas limitações, acredito que é a colaboração entre as capacidades humanas e as ferramentas de IA que definirá o futuro da arquitetura, ampliando as capacidades humanas, em vez de substituí-las.
Continuamos a desempenhar um papel crucial como tradutores dos requerimentos de design – e a supervisão humana, curadoria e direção criativa permanecem essenciais para assegurar que os projetos ressoem adequadamente com seu público e contexto.
No entanto, não são todos que defendem o uso de IA. O arquiteto britânico Norman Foster, ganhador do Prêmio Pritkzer, responsável por obras como a Millenial Bridge, em Londres, e o Apple Park, nos Estados Unidos, disse que os “arquitetos não precisam de inteligência artificial”, já que a IA não pode chegar no mundo físico e os arquitetos precisam estar atentos à criatividade e a outros aspectos essenciais, como a luz. Qual a sua opinião?
A arquitetura é profundamente enraizada na experiência humana, e a habilidade de capturar e manipular esses elementos intangíveis é algo que, até agora, a IA não consegue replicar completamente. No entanto, a IA está sendo explorada de forma crescente em escritórios de arquitetura, como uma ferramenta para gerenciar complexidades e otimizar o uso de recursos, como a energia e a sustentabilidade dos edifícios.
Softwares como o Delve capacitam equipes de incorporação imobiliária a desenvolver estudos de viabilidade de forma mais eficaz, rápida e com menos riscos, integrando ao modelo, parâmetros como finanças, modelos de energia e restrições do local.
Isso demonstra que, enquanto a IA pode não substituir a visão criativa fundamental do arquiteto, ela pode servir como um complemento poderoso, auxiliando na análise de dados e aspectos técnicos do projeto.
Segundo o The Economist, 47% do trabalho realizado pelos seres humanos será substituído por robôs até 2037. Como encorajar estudantes e jovens profissionais sobre a importância daquilo de buscarem qualificação hoje se no futuro as máquinas poderão fazer este trabalho?
Embora não acredite que a inteligência artificial (IA) cause perdas significativas de empregos no campo da arquitetura a curto prazo, é inegável que existe uma transformação em curso, em termos de processos, ferramentas e abordagens de trabalho.
Por isso, acredito que seja crucial que arquitetos atualizem suas habilidades. Uma abordagem adaptativa, visando integração das ferramentas de IA nas práticas de arquitetura será importante para manter uma vantagem competitiva.
Na SXSW desse ano, por exemplo, foi abordada a crescente demanda por habilidades humanas essenciais na era da inteligência artificial. Habilidades como criatividade, empatia e resolução de problemas complexos serão altamente valorizadas e dificilmente replicáveis por máquinas, destacando a importância de desenvolver essas capacidades enquanto nos adaptamos às novas tecnologias.
O Chat GPT 4o acaba de ser lançado pela Open AI. Como você acha que a nova versão do pode influenciar no segmento de Arquitetura e Design de Interiores?
Assim como as outras ferramentas abordadas anteriormente, a nova versão do GPT tem o potencial de aumentar a eficiência e produtividade no segmento – suas capacidades avançadas de linguagem natural, multimodalidade e interações por voz, podem redesenhar a maneira como os designers trabalham e colaboram.
Atuando como um assistente virtual, o chatbot pode colaborar com tarefas como pesquisa de referências locais e culturais, materiais, equipamentos e mobiliários, legislação e análise de parâmetros e de grandes volumes de dados de forma mais rápida, ajudando arquitetos a tomar decisões informadas. A interação por vídeo pode auxiliar na retenção de dados em visitas técnicas.
É possível que esses “agentes de IA” aprendam a operar softwares e colaborem com outras inteligências artificiais para realizar tarefas complexas que hoje são feitas por humanos?
Talvez estejamos mais próximos do que imaginamos de uma era em que “agentes de IA” possam operar softwares e colaborar com outras inteligências artificiais para executar tarefas complexas, tradicionalmente realizadas por humanos. No entanto, a visão pessimista subestima a capacidade humana. Como arquitetos, nosso trabalho envolve gerenciar problemas complexos e multivariáveis, fazendo julgamentos ambíguos que requerem compensações significativas. Pelo menos por enquanto, esse entendimento e a definição desses fluxos ainda dependem significativamente da intervenção humana.