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O escritor Chico Felitti, autor do livro A Casa, biografia do médium João de Deus, denunciou a revista Glamour por ter convidado autores a escreverem textos sem pagar pelo trabalho. A publicação chamou os escritores para criarem artigos sobre o tema “raízes”, uma suposta “causa nobre”, sem avisá-los de que tudo não passava de um informe publicitário em parceria com a marca de shampoo e condicionador Head & Shoulders.
Chico foi convidado pela jornalista Marília Kodic, que se apresentou como coordenadora do projeto da Editora Globo Condé Nast, uma das maiores do mundo. A edição especial falaria sobre “origens, heranças, brasilidade, culturas africana e indígena, diversidade, multiculturalismo, pluralidade, sustentabilidade, representatividade…”. O trabalho seria voluntário, sem pagamento, devido às causas humanistas.
A proposta foi de uma parceria e Chico aceitou participar por acreditar que o ideal da publicação estava alinhada aos seus valores pessoais. No entanto, não foi exposto que a edição, que entrou no ar no site da Glamour no dia 11 de abril de 2019, era na verdade um informe publicitário da Head & Shoulders, marca de shampoo e condicionador do grupo P&G, empresa que teve US$ 3,7 bilhões de lucro em 2019.
A edição digital da revista foi assinada pelo Estúdio de Criação Edições Globo Condé Nast, braço do grupo que produz o conteúdo pago, e informava ser um especial publicitário. “Ou seja, a Condé Nast recebeu dinheiro de uma empresa para fazer propaganda, e cooptou mão de obra gratuita encapando esse comercial como uma edição nobre”, conta Chico em seu relato.
O texto de Chico não chegou a entrar na edição digital e o escritor, que não foi pago, também não recebeu uma justificativa da publicação sobre o motivo pelo qual não teve seu trabalho publicado. Ironicamente, o conto enviado para a publicação falava sobre um ator de novelas que resolve assumir a careca ao ser patrocinado por uma empresa de shampoo.
Desabafo nas redes sociais
Ele conta que demorou mais de um ano para se manifestar sobre o assunto nas redes sociais por vergonha de ter sido enganado e por medo de sofrer retaliação no mercado de trabalho. “E também até encontrar outras autoras que tiveram seus textos publicados e confirmar que elas também não sabiam que era propaganda, e que tampouco tinham sido pagas”, afirma.
“O que senti quando vi a publicação sem meu nome foi alívio. Foi um alívio ter trabalhado de graça, sem no entanto ter sido exposto como alguém que trabalha de graça. Eu havia caído em uma arapuca da cultura colaborativa, uma armadilha da qual achei que já fosse safo o suficiente para escapar”, escreve Chico em texto postado nas suas redes sociais e que recebeu diversos comentários de pessoas que passaram pelo mesmo que ele.
Chico acredita que, ao contar sua história, abre o debate sobre a cultura de colaboração que existe no mercado de criação de conteúdo e que desvaloriza os profissionais da área de Comunicação. “Vejo como uma discussão que precisa ser levantada. Uma discussão que vai bem além do meu caso em particular, tem muita gente que está contando histórias parecidas, ou até piores”.
A assessoria de imprensa da revista Glamour foi procurada, mas não se manifestou até o momento da publicação.