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Chico Buarque, em 1965, cantava A Rita, uma história sobre a rejeição amorosa de uma mulher que, ao partir, levou com ela tudo que possa representar vida.
“A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não, mas causou perdas e danos..
(… ) Que papel!
Uma imagem de são Francisco
E um bom disco de Noel”
Chico, em sua poesia musical, se vale de inúmeros recursos poéticos, como a aliteração — repetição de fonemas com efeito estilístico (“Levou seu retrato, seu trapo, seu prato”) — e as rimas ricas, quando as palavras rimadas pertencem a diferentes classes gramaticais (papel/ noel- tostão/ não). Muitos anos depois, Ana Carolina traz a Resposta da Rita, uma canção em que a personagem de Chico rebate as acusações sofridas.
Assista a entrevista de Leo Dias com Tierry e Gabi Martins
A música popular brasileira parece amar as Ritas. Recentemente, o compositor Tierry, autor de inúmeros hits cantados por Marilia Mendonça, Gustavo Lima, Ivete Sangalo, lançou a dele. A música, inspirada em um comentário lido, certa vez, na live da Marilia Mendonça, em que um espectador dizia perdoar até a facada que havia levado do seu amor, acaba de bater a marca de cem milhões de visualizações no YouTube.
Tierry, que chegou a cursar faculdade de comunicação social, faz uma música aparentemente simplória, em que narrador, como o “eu lírico” da canção de Chico, sofre com a ausência da amada. Na canção do sertanejo, ele diz que perdoa a facada, que retira a queixa! O sucesso retumbante talvez se deva ao fato do compositor mesclar termos regionalistas (“Volta, desgramada”) com frases de efeito e termos contundentes como “ Seu perfume tá impregnado nesse quarto escuro/ Que saudade desse cheiro de cigarro e desse álcool puro”.
A música popular brasileira tradicional raramente se atreveria a escrever termos assim, usando palavras como Cracudo, título de outra música dele, ou Hackearam-me, composição do cantor, que mescla temáticas atuais como a internet e as relações amorosas.
“Joguei as nossas fotos na lixeira
Pergunte se depois esvaziei
Não tive coragem”
Mas isso não diminuiu o impacto da criação dele. Vale lembrar que Tierry, usando regionalismos, temáticas fortes e uma aparente breguice, também se vale das rimas ricas em Rita (deixa/ queixa- desgramada/ facada) e em Cracudo (boi / foi – bebê/ ter). Talvez o sucesso de Tierry, aparentemente inexplicável, venha dessa confusão e audácia. Sem medo de chocar e ser brega, ele ainda consegue fazer uso sutil dos recursos poéticos.
Colaborou André Luis Jr