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Consumismo e direito ao reparo – um debate necessário

O estimulo ao maior tempo de uso dos bens é um toque de solidez na era líquida do consumismo

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1 de 1 Uma mulher branca parada no shopping com sacolas de papel. Sacolas compras shopping black friday ofertas roupas novas roupa nova - Foto: Getty Images

A liquidez das relações humanas se reflete no mercado de consumo. É crescente o desejo de consumir mais e mais, trocar, descartar. Valorizam-se o novo e a novidade.

Na análise de Zygmunt Bauman, em Vida para Consumo, “entre as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os objetos que a causam. A sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando o ‘velho’ a ‘defasado’, impróprio para continuar sendo utilizado e destinado a lata de lixo”.

A indústria e suas sofisticadas técnicas de marketing, os influenciadores digitais, entre outras estratégias, criam e reforçam o sentimento de necessidade do último modelo de carro e de celular, da nova tecnologia do tênis de corrida, da tela com cores mais vibrantes.

O Direito do Consumidor – normas jurídicas que disciplinam as relações entre fornecedores e consumidores – não questiona o consumismo; preocupa-se mais com a funcionalidade e segurança dos produtos e serviços.

Atualmente, estima-se que são produzidos, só na Europa, 35 milhões de toneladas de lixo e sucata. Produtos são descartados pelas dificuldades de reparo. A indústria estimula a troca pelo novo. Criam-se dificuldades para que as pequenas oficinas ou o próprio consumidor possam reparar o bem.

O direito ao reparo é dificultado para estimular a compra de produtos novos. Peças de reposição não são encontradas, criam-se incompatibilidades com novas tecnologias (softwares), muitos dispositivos só são desmontados com ferramentas muito específicas.

Como reação pontual ao consumismo e preocupação com o meio ambiente, tem crescido o movimento de direito ao reparo que prestigia justamente a possibilidade e meios para reparar os produtos – em vez de compra de um novo.

Em fevereiro de 2024, o Parlamento e o Conselho Europeu aprovaram proposta que assegura o direito do consumidor a reparar seus produtos. Cuida-se da Diretiva 2024/1799, que entra em vigor em julho de 2026.

Entre os considerandos da norma, o de numero 3 pontua que para “reduzir a eliminação prematura de bens viáveis adquiridos pelos consumidores e incentivá-los à utilização dos seus bens durante mais tempo, é necessário reforçar as disposições relativas à reparação de bens, permitindo que os consumidores solicitem uma reparação a preços acessíveis junto do prestador de serviços de reparação da sua escolha.”

O mesmo item acrescenta que “a presente diretiva promove o consumo sustentável com vista a obter benefícios para o ambiente, através da promoção de um ciclo de vida dos bens que inclua a reutilização, a reparação e o recondicionamento, com benefícios também para os consumidores, evitando custos associados a novas aquisições a curto prazo.”

No Brasil também se observam algumas iniciativas do Congresso Nacional de disciplinar o direito ao reparo. Como exemplo, registre-se o PL nº 805/2024, que proíbe a “obsolescência programada e regula o direito ao reparo.”

O PL, com clara inspiração na Diretiva europeia, prevê que os fornecedores devem assegurar ao consumidor acesso, direto ou indireto, a ferramenta, peças sobressalentes, informações e manuais explicativos necessários ao reparo de produtos.

Além disso, estimula o registro de oficinas de reparos independentes, compra de produtos para recondicionamento e venda de produtos recondicionados. O estimulo ao maior tempo de uso dos bens é um toque de solidez na era líquida do consumismo.

*Leonardo Roscoe Bessa é desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), mestre e doutor em Direito e professor do UniCEUB

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