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A responsabilidade das plataformas por conteúdo ofensivo de terceiros

A sensação de impunidade proporcionada pelo aparente anonimato do meio digital incentivou a propagação de desinformação e discurso de ódio

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Logos do Instagram, Threads, WhatsApp, Messenger e Facebook contra fundo azul
1 de 1 Logos do Instagram, Threads, WhatsApp, Messenger e Facebook contra fundo azul - Foto: Unsplash

A tecnologia está transformando profundamente a maneira como pensamos e agimos, de acordo com os processos informacionais a que somos expostos. O sociólogo espanhol Manuel Castells aponta que a geração, o processamento e a transmissão de informação são os principais motores dessa transformação, configurando um novo paradigma sociotécnico. No entanto, embora as ferramentas tecnológicas sejam fundamentais para o progresso humano, a informatização tem enfraquecido o consenso sobre princípios, valores e tradições.

No Brasil, segundo o Digital Brazil 2024, “relatório que oferece uma análise detalhada do cenário digital no Brasil para o ano de 2024”, o número total de usuários de internet é de 187,9 milhões, o que representa 86,6% da população brasileira. Publicado em 27 de março de 2024, sobre a “porcentagem de usuários de internet de 16 a 64 anos que visitaram ou usaram cada tipo de propriedade digital no último mês”, o documento noticia que 98,9% deles visitou ou utilizou redes sociais.

O cenário demonstra a importância que as redes sociais possuem na “sociedade em rede” (Castells, 1999). Apesar dos enormes benefícios, como o estímulo ao debate, o amplo acesso à informação e a oportunidade de voz para atores antes marginalizados nos meios de comunicação de massa, esse fenômeno também resultou no desgaste das instituições e na própria noção de verdade.

A sensação de impunidade proporcionada pelo aparente anonimato do meio digital incentivou a propagação da desinformação e do discurso de ódio, que passaram a dominar a internet nos últimos anos, impactando tanto os processos políticos quanto a prática discursiva em geral (Brega, 2023).

É nesse contexto que se traz o debate sobre responsabilidade das redes sociais sobre conteúdos ofensivos de terceiros.

Citando a obra de Carlos Affonso Souza e Ronaldo Lemos (2016) – Marco Civil da Internet: construção e aplicação, Gabriel Ribeiro Brega (2023) aponta que há três principais correntes de pensamento sobre como os provedores de aplicação , incluindo os de redes sociais, devem ser responsabilizados pelos conteúdos publicados em suas plataformas.

A primeira estabelece que não há responsabilidade, uma vez que os provedores seriam meros intermediários entre quem ofende e quem é ofendido. Inexistiria conduta do provedor apta a atrair responsabilidade.

A segunda defende a responsabilização objetiva dos provedores, considerando seu dever de monitoramento sobre qualquer conteúdo publicado. Essa perspectiva, por um lado, se fundamenta na ideia de que os provedores exercem uma atividade de risco, o que, conforme o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, justifica a aplicação de uma responsabilidade objetiva.

Por outro, esse regime deve ser aplicado porque existe uma relação de consumo entre o usuário e o provedor, e situações como a ofensa ao usuário representariam um defeito no serviço prestado. Afinal, os termos de uso das plataformas representam um contrato em que o usuário concorda com todas as regras propostas para que possa criar e utilizar um “perfil”, produzindo e “consumindo” conteúdos.

Uma posição intermediária, como Brega (2023) esclarece, é a vertente que atribui responsabilidade subjetiva aos provedores, com dois enfoques distintos: a omissão em responder a uma notificação sobre conteúdo que viole direitos ou o descumprimento de uma ordem judicial para remover determinada publicação.

Em 2014, no Brasil, foi aprovado o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014), o qual define que a responsabilidade dos provedores de redes sociais é subjetiva. Em síntese, é possível concluir os requisitos caracterizadores da responsabilidade em discussão:

1) a apresentação de um pedido de notificação judicial por parte de quem alega ter seus direitos violados;

2) a avaliação judicial sobre o possível caráter lesivo do conteúdo;

3) a emissão de uma decisão judicial ordenando a remoção do conteúdo, com especificações claras e prazo determinado para cumprimento;

4) o não cumprimento dessa ordem judicial. Quanto ao regime de responsabilização, o Marco Civil da Internet prevê duas exceções nos artigo19, § 2º, e 21, relacionadas a violações de direitos autorais e à violação da intimidade caracterizada por pornografia, aplicáveis quando os provedores são notificados e não removem o conteúdo.

Durante os anos 2000, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definia que os provedores seriam solidariamente e subjetivamente responsáveis por conteúdos ofensivos, caso fossem notificados e não os removessem de forma imediata.

Após o Marco Civil da Internet, o STJ tem estabelecido que as plataformas digitais, como Facebook e Instagram, só são responsabilizadas por conteúdos ofensivos postados por usuários após uma notificação judicial para remoção.

Se a plataforma tiver conhecimento de um conteúdo ilícito e não agir prontamente para removê-lo, pode ser civilmente responsabilizada. Essa responsabilidade é subjetiva, exigindo que a plataforma responda rapidamente ao ser informada sobre a ilegalidade do conteúdo.

Na “edição 224 de Jurisprudência em Teses, sobre o tema Marco Civil da Internet III” , o STJ destaca duas teses:

i) a de que é civilmente responsável “o provedor de aplicação que, após ser notificado, não retira conteúdo ofensivo que envolva menor de idade, independentemente de ordem judicial, pois o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente prevalece sobre o Marco Civil da Internet”;

ii) na hipótese de remoção de conteúdo ofensivo a partir de “simples notificação da vítima ao provedor (sistema notice and take down), são imprescindíveis o caráter não consensual da imagem íntima; a natureza privada das cenas de nudez ou dos atos sexuais disseminados; e a violação à intimidade” (Jurisprudência…, 2023).

Contudo, o STJ compreende que, se os fatos ocorreram antes da vigência do Marco Civil, tem-se responsabilidade subjetiva, diante apenas da notificação do usuário.

Para eventos ocorridos antes da publicação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), a responsabilização dos provedores de aplicação por conteúdo ofensivo não exige notificação judicial; é suficiente comprovar que o provedor teve conhecimento da informação prejudicial e não a removeu dentro de um prazo razoável (Responzabilização […], 2020).

  • Marília Guedes é juíza de direito, mestre pelo UniCeub, professora, juíza auxiliar da 2ª vice-presidência do TJDFT
  • Julianna Moreira é servidora do Poder Judiciário, mestra em direito público pela Unisinos, professora de Metodologia da Pesquisa Científica, consultora e palestrante no tema
Foto preto e branca do rosto e dorso da servidora Julianna Moreira, do TJDFT - Metrópoles
Julianna Moreira

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em 13 jul. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 15 jul. 2024.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 15 jul. 2024.

BREGA, Gabriel Ribeiro. A regulação de conteúdo nas redes sociais: uma breve análise comparativa entre o NetzDG e a solução brasileira. Revista Direito GV. vol. 19, n. e2305, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdgv/a/qwwzmCyw5FmFQmTpRw3HCQh/#. Acesso em: 31 jul. 2024.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CEROY, Frederico Meinberg. Os conceitos de provedores no Marco Civil da Internet. Migalhas. 25 nov. 2014 (atualizado em 29 set. 2020). Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/211753/os-conceitos-de-provedores-no-marco-civil-da-internet. Acesso em 20 jan. 2024.

DIGITAL Brazil 2024: navegue pelos dados e insights. Globalad. 27 mar. 2024. Disponível em: https://globalad.com.br/blog/digital-brazil-2024-navegue-pelos-dados-e-insights/. Acesso em: 20 ago. 2024.

JURISPRUDÊNCIA em Teses traz novos entendimentos sobre marco civil da internet. Notícias STJ. 10 nov. 2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/10112023-Jurisprudencia-em-Teses-traz-novos-entendimentos-sobre-marco-civil-da-internet-.aspx. Acesso em: 10 jan. 2024.

RESPONSABILIZAÇÃO de provedor de aplicação por conteúdo ofensivo independe de notificação judicial. Notícias STJ. 4 dez. 2020. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/04122020-Responsabilizacao-de-provedor-de-aplicacao-por-conteudo-ofensivo-independe-de-notificacao-judicial.aspx. Acesso em: 15 ago. 2024.

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