Jukebox Sentimental: as novas estripulias do vovô Paul
Aos 76 anos, ex-beatle lança novo disco e mostra que ainda tem fôlego para encantar
atualizado
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Em sua biografia lançada recentemente, Phil Collins faz um comentário sardônico sobre Paul McCartney: a de que quando você conversa com o ex-beatle, ele faz questão de deixar claro quem é e sua importância. A postura pode ser considerada antipática, mas não a do eterno baterista do Genesis, e sim a de um dos artistas mais queridos de todos os tempos. Ele acaba de lançar novo disco, Egypt Station, o 17º desde o fim do fab four, contando os registros com os Wings.
A alfinetada pop deixa transparecer também uma faceta que talvez poucos tenham coragem de escancarar, a do Paul egocêntrico, ou seja, um sujeito que faz questão de estar em evidência ou no centro das atenções o tempo todo, sem medo de parecer patético ou cair no ridículo de ser como aqueles vovôs posando de jovem. No entanto, em pleno vigor, maturidade e criatividade, o velho Macca tem talento de sobra para não deixar isso acontecer.
Conceitual, o título é uma referência ao lado itinerante do artista, ou seja, o de suas andanças pelo mundo a reboque de turnês milionárias lotadas e bem sucedidas, onde, entre uma “estação” e outra, colhe impressões sonoras, estéticas e até comportamentais. Daí a razão de ser de faixas como Back in Brazil, numa clara homenagem ao nosso país, mesmo que pareça que ele tenha assistido à animação Rio para compor a faixa.
Nostalgias sutis
Egypt Station também é um álbum impregnado de nostalgias sutis, mas isso só para os ouvidos e olhares mais atentos. A capa do disco, por exemplo, no seu estilo de colagens visuais, lembra a contra capa e interior de Ram, o segundo e elogiado trabalho lançado pelo artista lá no distante ano de 1971. É só conferir e comparar.
Após vinheta sensorial de pouco mais de 40 segundos da faixa de abertura, com barulho de trem e tudo o mais, o ouvinte é aplacado pelo toque famigerado do piano pop de McCartney em I Don´t Know. Lembra alguma coisa do ótimo Chaos and Creation in the Backyard, de 2005. A folk hippie Happy With You fala sobre o peso do tempo e do prazer de estar agora ao lado da amada. Faz dobradinha no estilo de arranjo intimista com a bela Confidante.
Se a animada Come On To Me é um hit fadado ao sucesso nas rádios e plataformas de streaming, Who Cares, com sua introdução a la U2 e partes gospel, surge como um convite prazeroso a uma das melhores faixa do álbum, junto com a envolvente Dominoes, com seu refrão pegajoso. “E como os dominós/Quem está se encaixando/Ignorando tudo em seu caminho/E todos os telefones/Continue chamando constantemente”, canta.
Enquanto na pretensiosa People Want Peace – cuja introdução traz uma homenagem à Caroline No, dos Beach Boys – Paul insiste na bobagem de querer parecer pacifista na linha John Lennon da fase Give Peace a Chance. Já Fuh You, uma parceria com Ryan Tedder – vocalista do OneRepublic e produtor de mão cheia – surge como um recalque descarado dos sucessos mais pop do Coldplay, com direito àqueles ooh, ooh irritantes.
Curiosamente, as melhores faixas de Egypt Station são aquelas nas quais o vovô Paul, hoje com 76 anos, tenta soar jovem moderninho e vanguardista, com veia nata para o progressivo, como já mostrou no lado B de Abbey Road, dos Beatles, e em muitas canções experimentais de sua carreira solo. Vibrantes, Despite Repeated Warnings e Hunt You Down/Naked/C-Link são provas de que o artista ainda tem gás de sobra pra continuar encantando.
Serviço:
Egypt Station. Paul McCartney. Universal Music. ***