Empresas abertas há 1 ano faturaram milhões em obra irregular bancada pela Educação do DF
Apenas no ano passado, Justiça indicou que uma delas movimentou R$ 10 milhões em contratos, R$ 2 milhões exclusivos com Regional do Plano
atualizado
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Grande parte das empresas contratadas com recursos irregulares para a reforma do prédio histórico da Secretaria de Educação, localizado na 607 Norte, foram abertas há cerca de um ano. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu procedimento para investigar o uso de R$ 5 milhões, que eram previstos para o Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf), para bancar a obra de restauração do local.
A modalidade foi criada pelo Governo do Distrito Federal (GDF) a fim de garantir liberação de verba que seria exclusiva para manter a autonomia de escolas da rede pública local. Na prática, o uso do Pdaf é exclusiva para o custeio de pequenos reparos em unidades de ensino (pintura, consertos em telhados e pisos), além da compra de materiais permanentes. Para obras consideradas mais engenhosas, seria necessária a abertura de uma disputa pública de preços.
Uma das firmas que recebeu a carta convite da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto (Crepp) foi a JF Construção de Edifício e Reformas, a qual já realizava intervenções dentro das unidades públicas de ensino. De acordo com a base de dados da Receita Federal, a empresa é localizada no Sol Nascente e passou a funcionar desde o dia 24 de junho de 2020.
Apenas esse CNPJ movimentou, segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, mais de R$ 10 milhões apenas no ano passado. A empresa também mantém um contrato com a coordenação do Plano Piloto, por meio de uma associação, no valor de R$ 2.141.721,10, conforme indicou o juiz Rodrigo Otávio Donati Barbosa, da 3ª Vara Cível de Ceilândia.
“Os documentos de Ids 86569389, 86569390 demonstram que a referida pessoa jurídica, apenas no ano de 2020, obteve receitas no importe de R$ 2.086.217,95 (dois milhões, oitenta e seis mil e duzentos e dezessete reais e noventa e cinco centavos) e, no período de 01/01 a 16/03/2021, no total de R$ 1.863.590,05 (um milhão, oitocentos e sessenta e três mil quinhentos e noventa reais e cinco centavos)”, indicou o magistrado numa decisão.
O levantamento ocorreu a pedido do advogado Márcio Antônio de Oliveira, que representou um cliente que registrou prejuízos após comprar imóvel irregular do proprietário da JF Construção de Edifício e encontrou o CNPJ para tentar reaver o valor de R$ 240 mil após a estrutura ter sido derrubada pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
Chamei a atenção do juiz perante outros procedimentos tocados pela empresa para a secretaria. Essa empresa teve um faturamento extraordinário, mas sem dinheiro em caixa. Conseguimos uma execução de R$ 246 mil, mas só tivemos acesso a R$ 103 mil até agora. Nem mesmo o oficial de Justiça conseguiu encontrar o empresário João Ferreira no endereço oficial registrado. Desde então, a empresa vem se esquivando de várias formas
Advogado Márcio Oliveira
Veja o cadastro das empresas:
Histórias prósperas
Outra prestadora de serviços indicada no demonstrativo do primeiro quadrimestre deste ano do Pdaf na obra irregular da 607 Norte, a MJB Construtora, também tem um histórico recente. Embora tenha nos registros oficiais a data de abertura de 14 de julho de 2020, portanto, há pouco mais de um ano, conseguiu faturar apenas nos primeiros meses de 2021 o montante de R$ 1.092.041,00, conforme cálculos elaborados a partir do documento.
Há outros dois casos semelhantes: a empresa Thays Lopes Alves de Deus, especializada em comércio varejistas que envolve produtos esportivos até elétricos, e a Sagrada Família Variedades Eirelli. Ambas também foram constituídas no ano de 2020: a primeira em 16 de junho e a outra, em 6 de novembro. No caso da última citada, também é especializada em tudo, de brinquedos à impressão de material publicitário.
A Sagrada Família Variedades conseguiu faturar pouco mais R$ 601.927,00 apenas nos quatro primeiros meses do ano com o contrato de prestação de serviço com a Regional de Ensino do Plano Piloto. Já a Thays Lopes Alves de Deus, localizada no Jardim Roriz (Planaltina), embora enquadrada como Microempreendedor Individual (MEI), a movimentação no mesmo período foi de R$ 1.013.492,00 apenas com a referida coordenação regional.
Um pouco mais nova na praça, a PG Utilidades, situada em Sobradinho, também iniciou sua história com negócios lucrativos com a mesma unidade da Secretaria de Educação. Fundada no dia 5 de março deste ano, o negócio já rendeu R$ 327.768,00 sem ter completado ainda um semestre de vida. A empresa também é uma espécie de construtora de “tem de tudo”, de serralheria à venda de produtos de higiene, conforme consta no Fisco.
O que dizem os envolvidos?
A reportagem procurou os proprietários de todas as empresas citadas pelos números cadastrados na Receita Federal, mas apenas localizou João Ferreira, dono da JF Construção de Edifício. Por telefone, o empresário garantiu ter a sede do negócio no Sol Nascente, próximo de Ceilândia, e rebateu a versão de que teria faturado R$ 10 milhões apenas no ano passado.
“Isso é um verdadeiro absurdo. Não tenho aqui o balanço do contador, mas posso te garantir que é um valor muito menor, que não passa de R$ 3 milhões no período todo. Tenho esse contrato com a Regional de Ensino de Brasília porque já fazia trabalhos em outras escolas aqui em Ceilândia, por exemplo. Recebi uma carta-convite da coordenadoria de ensino e fiz trabalhos de serralheria, como alambrados na 607 Norte. Recebi uma parte, mas ainda falta outro pedaço. Não conheço político nenhum e estou ali porque trabalho direito”, defendeu-se.
As outras três prestadoras de serviço também foram acionadas, mas os números não atenderam ou não mais existem. O espaço segue aberto para manifestações futuras no caso de posicionamento oficiais de cada parte citada.
Já a Secretaria de Educação, por nota, informou que “crê na licitude” dos procedimentos para reforma do prédio da 607 Norte e “acha louvável” a apuração tanto por parte do Ministério Público quanto da Controladoria Geral do Distrito Federal e da própria Corregedoria da pasta.
“Por considerar essenciais todas as iniciativas em favor da transparência, a Secretaria de Educação vai apoiar todas as investigações. A sociedade do Distrito Federal tem direito ao esclarecimento dos fatos”, pontuou.
Entenda o caso
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu procedimento para analisar possível irregularidade no uso de recursos para a reforma de um prédio da Secretaria de Educação localizado na 607 Norte, em Brasília. Pelo menos 6 promotores de diferentes frentes de atuação analisam a liberação de verba que seria exclusiva para autonomia de escolas da rede pública local.
O caso foi revelado pelo Metrópoles, na manhã desta quinta-feira (29/7), e envolve a destinação de ao menos R$ 5 milhões que eram previstos para o Pdaf. Mesmo interditado judicialmente, o local passou por melhorias consideráveis para servir como sede da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto (Crepp).
“As despesas com o Pdaf foram selecionadas como prioridade pelas Promotorias de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodeps) e Promotorias Regionais de Defesa dos Direitos Difusos ( Proregs) para os anos de 2021 e 2022. Há uma equipe de seis promotores de Justiça trabalhando na análise das prestações de contas, das rotinas, dos normativos e das despesas. Todas as unidades escolares e gestores já foram alertados pelo MPDFT para que observassem as limitações das despesas”, informou o órgão de controle.
A deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) também representou no MPDFT acerca da denúncia da reportagem e pediu providência aos promotores para que o fato seja apurado.
“Caso comprovada as notícias veiculadas na referida matéria, poderá configurar, inclusive, burla e fraude do regular procedimento de licitação, visto que a prestação desses serviços deveria seguir o rito da Lei nº 8.666/93 (a época vigente), incorrendo, consequentemente, em crimes tipificados no Código Penal”, escreveu a parlamentar.
Veja o documento:
Ofício 72_21_MPDFT_Representação sobre matéria sobre o PDAF by Metropoles on Scribd
Irregularidades
Embora se investigue o valor de R$ 5 milhões, o montante pode ser ainda maior, uma vez que o relatório de gastos do programa não identifica pontualmente o tipo específico de dispêndio e a finalidade.
O consolidado do primeiro quadrimestre deste ano (de 1º de janeiro a 30 de abril) apresenta despesas realizadas e quitadas no valor total de R$ 12.646.383,05, incluindo desembolsos com materiais pedagógicos. As compras necessárias para uso em salas de aula somam R$ 1 milhão desse montante.
A questão é que, na prática, a legislação impede a destinação orçamentária do Pdaf que não seja exclusiva para o custeio de pequenos reparos em unidades de ensino (pintura, consertos em telhados e pisos), além da compra de materiais permanentes, tais como computadores e impressoras, desde que incorporados ao patrimônio da unidade. Para obras consideradas mais engenhosas, seria necessária a abertura de uma disputa pública de preços.
Autorização
Assinada pela coordenadora da Regional de Ensino do Plano Piloto, Edilene Maria Muniz de Abreu, a autorização das obras foi realizada sob uma “pseudo justificativa”: em março de 2019, a Justiça do Trabalho chegou a interditar o endereço, quando a decisão indicou riscos na estrutura e, portanto, ao bem-estar dos servidores públicos. Ela foi indicada ao cargo pelo então secretário-executivo da Educação, Fábio Souza.
“Me permitam neste espaço, que é pessoal, agradecer à minha equipe de trabalho, agradecer a todas da assessoria e chefia da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto. Mesmo em tempos difíceis, temos nos desdobrado e hoje particularmente me emocionei ao receber meus chefes, professor Fábio Souza e Leandro Cruz, para vermos juntos os últimos detalhes da nova sede da coordenação”, escreveu ela nas redes sociais ao legendar uma foto registrada no local.
“Além de ser um prédio que é registrado de “histórias” de vidas, de sonhos, será a primeira sede própria do Crepp. Gratidão à minha equipe pelo empenho, mesmo em tempos difíceis, e aos chefes. Gratidão por confiar e por quererem ver esse prédio novamente pulsando, por terem a ideia de executar uma ideia”, continuou a coordenadora. O texto publicado foi corrigido da versão original.
A cada quadrimestre anual, uma portaria é editada pela Secretaria de Educação para atualizar, pontualmente, os critérios a serem observados pelos gestores para a liberação de gastos pelo Pdaf. No caso da revitalização na Unidade II da pasta, as alterações foram publicadas no Diário Oficial (DODF) do dia 12 de fevereiro.
O ato foi assinado pelo então secretário de Educação, Leandro Cruz, mas apoiado pelo secretário-executivo da pasta à época, Fabio Pereira Sousa. Ambos foram exonerados por determinação do governador Ibaneis Rocha (MDB), sem justificativa aparente.
Embora pouco reconhecido pelos brasilienses, o edifício de concreto foi criado a partir da assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer e projetado originalmente para abrigar o então Instituto de Teologia da Universidade de Brasília (UnB). Contudo, com o Golpe Militar de 1964, a orientação ecumênica que faria parte das grades universitárias foi extinta do currículo e o prédio foi vendido para a Fundação Educacional do DF, hoje patrimônio da Secretaria de Educação.
Interdição
Em março de 2019, acoplado de uma decisão da Justiça do Trabalho, um laudo pericial apontou falta de “condições mínimas de segurança”, o que motivou o Governo do Distrito Federal (GDF) a proibir o acesso e transferir as subsecretarias e, portanto, os servidores para outras localidades.
Nos moldes do que ocorreu com o Teatro Nacional Claudio Santoro, a Justiça também indicou “precariedade das instalações elétricas” e a inexistência de sistema de prevenção de incêndios, sinalização de emergência, extintores, hidrantes e alarmes, o que resultaria no “risco à vida de todos”. Um dos exemplos citados foi a falta de escada na instalação e ainda janelas inadequadas para facilitar evacuações em casos de situação de pânico.
O prédio tem três pavimentos e é caracterizado por pilares paralelos de concreto, que chamam a atenção de visitantes logo na fachada principal. Pelo projeto de Niemeyer, o espaço previa a construção de um edifício de moradia para a comunidade teológica, com dormitórios, refeitório, bibliotecas e oratórios para noviços, seminaristas, estudantes e padres.
O que diz o Iphan
Por se tratar de uma obra de Oscar Niemeyer, o Metrópoles procurou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tecnicamente responsável por autorizar alterações e revitalizações de obras consideradas históricas para Brasília.
Por nota, o órgão afirmou que o edifício não é tombado individualmente. “Portanto, segundo a normativa interna do instituto, não há obrigatoriedade de que o projeto de intervenção seja submetido à autarquia”.