Além do Plano, dinheiro de escola reformou prédio alugado no Recanto
Investigação apura se obras realizadas em edifício alugado teriam beneficiado empresas ligadas a servidores da Regional de Ensino
atualizado
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A Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto (Crepp) não é a única investigada após denúncias de suposto direcionamento irregular de recursos criados exclusivamente para atender reparos de escolas públicas no Distrito Federal. Autoridades também apuram a destinação de verbas do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf) para valorizar um prédio alugado pela Secretaria de Educação no Recanto das Emas.
A verba deveria ter sido utilizada na manutenção de escolas e na compra de livros e materiais pedagógicos. No entanto, os recursos teriam ido, segundo a apuração, para o bolso dos suspeitos. O caso corre em sigilo e envolve servidores ligados à regional de ensino. Os primeiros casos foram revelados pelo Metrópoles e orbitam em nomeados pelo então secretário executivo da pasta, Fábio Souza, exonerado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB).
Além do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), investiga o caso a Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) e a própria Secretaria de Educação (veja abaixo). Em apenas um exemplo, a Escola Classe 203, do Recanto, foi completamente valorizada com recursos públicos, embora o prédio seja alugado. No prédio, funciona atualmente a Coordenação Regional de Ensino do Recanto das Emas, mas chegou a abrigar a extinta Faculdade da Terra de Brasília.
“A Núbia agradeceu a empresa WA, mas a nota foi emitida pela empresa Alvorada. Parece que foi apenas a nota, mas o serviço criado pela WA. A empresa A3Tec está localizada no endereço da WA Marmoraria e foi inaugurada, segundo a Receita, no dia 13/8/20 e, no dia 26/8, já teria executado. A empresa A3Tec executa e recebe, no mesmo, dia R$ 26 mil e, no 9/9, mais R$ 17 mil da mesma emenda”, registram.
De acordo com relatos, no prédio privado foram reformados os banheiros e a cozinha. “A mesma empresa [WA] instalou pias em algumas escolas e reformou também os banheiros e cozinha. Ainda tiveram benfeitorias na CRE, inclusive com reforma total da guarita. Até balcão em granito tem”, reforçaram.
Ele se refere a uma nota publicada nas redes sociais pela professora Núbia Almeida, do CEF 113, onde dizia que a escola estava “cada vez mais linda”.
“Ficamos muito felizes com tudo isso que nós nos está sendo proporcionado. Além da parte física e do apoio pedagógico, contamos também com duas parcerias maravilhosas, são essas duas empresas que deixam nossa escola cada vez mais linda. A Minoru e Samurai com sua equipe top tornado o nosso ambiente mais lindo, com suas pinturas fantásticas, e a WA Construtora representada por Felipe Pezão realizou diversas reformas tornando os ambientes mais agradáveis”.
Ligação com servidores
De acordo com a apuração, o nome da empresa seria a junção das iniciais dos nomes de dois servidores (Wilson Alvimar de Sousa e Anderson Dias). A documentação apresentada ao MP pelos denunciantes revela que Wilson e Anderson são sócios da WA Comércio e Serviços. As duas atendem a Regional de Ensino do Recanto das Emas.
Wilson e Anderson são servidores de carreira e assessores na Regional de Ensino do Recando. Wilson, inclusive, é responsável pela parte financeira da regional. Segundo os denunciantes, os empresários – e servidores públicos – combinavam entre eles os preços que seriam apresentados nos processos licitatórios.
“Conforme mostrado na foto: trocaram piso por revestimento cerâmico, colocaram nas paredes, reformaram a guarita com colocação de granitos. Fizeram vários investimentos em um prédio locado, sem nenhum retorno para a secretaria”, reforça a denúncia.
Procurada, a nova gestão da Secretaria de Educação do DF informou ter criado “um grupo de trabalho incumbido de visitar todos os locais onde há denúncias de irregularidades com recursos do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf), para averiguar o que houve”.
“Além disso, a SEEDF crê na licitude dos procedimentos e acha louvável a apuração tanto por parte do Ministério Público quando da Controladoria-Geral do Distrito Federal, que avocou os processos. Por considerar essenciais todas as iniciativas em favor da transparência, a SEEDF vai apoiar todas as investigações”.
Após a publicação da reportagem, o coordenador Regional de Ensino do Recanto das Emas, Leandro Freire Lima, encaminhou uma nota para a coluna Janela Indiscreta para esclarecer alguns pontos da investigação que tramita em órgãos oficiais.
“Foram feitos reparos para melhorar a salubridade do prédio, não para valorizar o imóvel. A própria Secretaria de Educação também fez reparos via contrato de manutenção (elétrica e telhado). A questão apontada não é uma ilegalidade, visto que o contrato de aluguel não prevê essa responsabilidade para o locatário”, afirmou.
Além disso, diferentemente do que consta nos documentos oficiais, Leandro Lima afirmou que “a situação informada sobre os servidores Wilson Alvimar de Sousa e Anderson Dias Batista é totalmente infundada, pois os mesmos não fazem parte de sociedade da empresa citada, conforme consulta em contrato social”.
Segundo ele, a denúncia de que a empresa contratada não foi a que de fato prestou o serviço estaria equivocada. “A citação refere-se à manutenção no CEF 113, que supostamente teria sido feita pela empresa WA. Porém, a nota fiscal citada não diz respeito ao serviço mencionado pela diretora em rede social, pois ela se referia, então, aos serviços custeados com recursos próprios da escola”.
“As empresas citadas não realizaram os serviços descritos pela reportagem na CRE do Recanto das Emas. O serviço de manutenção da guarita foi realizado pela empresa WRIF Construções e a manutenção dos banheiros pela empresa Alvorada Serviços de Construções. Ambos foram serviços básicos de manutenção.
Entenda
A investigação que apura suposta irregularidade no uso de recursos do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf) irá além da destinação de pelo menos R$ 5 milhões para a reforma de um prédio interditado pela Justiça do Trabalho de Brasília. A nova frente analisa também a destinação da verba para a possível compra de bolos, camisetas, máscaras e até balinhas personalizadas.
Todo esse material foi distribuído pela Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto (Crepp) com o objetivo de agradar diretores, vices, além de supervisores e professores selecionados pela repartição subordinada à Secretaria de Educação. O Metrópoles teve acesso a registros de servidores da pasta ostentando os produtos presenteados pela coordenação regional.
“Foi um bolo para cada diretor e cada vice-diretor, sendo que no Plano Piloto são mais de 100 escolas, né? Fora balinhas personalizadas, aqueles kitzinhos, com álcool em gel, bombom… Foram 230 camisetas para servidores da CRE Plano Piloto naquela campanha da vacinação. Então, assim, muito gasto desnecessário, muita politicagem”, afirmou uma das agraciadas com os brindes personalizados.
Atualmente, a Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) estão debruçados sobre os processos de compras e as notas fiscais dos gastos supostamente realizados pela coordenadora da Regional de Ensino do Plano Piloto, Edilene Maria Muniz de Abreu, responsável pelas despesas.
A servidora ocupa a chefia por indicação do ex-secretário-executivo da Secretaria de Educação, Fábio Souza. Tanto o gestor quanto o ex-titular da pasta, Leandro Cruz, foram exonerados pelo governador Ibaneis Rocha (MDB). O motivo dos desligamentos não foi divulgado pelo Palácio do Buriti.
Empresas turbinadas
Pelas regras atuais, o uso do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira é exclusivo para o custeio de pequenos reparos em unidades públicas de ensino (pintura, consertos em telhados e pisos), além da compra de materiais permanentes. Para obras consideradas mais engenhosas, seria necessária a abertura de uma disputa pública de preços, com ampla divulgação.
Nos quatro primeiros meses do ano (de 1º de janeiro a 30 de abril), o consolidado da modalidade apresentou despesas realizadas e quitadas no valor total de R$ 12.646.383,05, incluindo desembolsos com materiais pedagógicos. Para as melhorias do edifício que passou a servir de sede da Coordenação do Plano Piloto, os gastos foram de pelo menos R$ 5 milhões.
Além disso, levantamento revelado pelo Metrópoles indicou que pelo menos quatro empresas que receberam os recursos do programa foram criadas há cerca de um ano e, mesmo assim, já movimentaram valores consideráveis, principalmente no início deste ano.
Uma das firmas que recebeu a carta convite da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto (Crepp) foi a JF Construção de Edifício e Reformas, a qual já realizava intervenções dentro das unidades públicas de ensino. De acordo com a base de dados da Receita Federal, a empresa é localizada no Sol Nascente e passou a funcionar desde o dia 24 de junho de 2020.
Apenas esse CNPJ movimentou, segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, mais de R$ 10 milhões apenas no ano passado. A empresa também mantém um contrato com a coordenação do Plano Piloto, por meio de uma associação, no valor de R$ 2.141.721,10, conforme indicou o juiz Rodrigo Otávio Donati Barbosa, da 3ª Vara Cível de Ceilândia.
“Os documentos de Ids 86569389, 86569390 demonstram que a referida pessoa jurídica, apenas no ano de 2020, obteve receitas no importe de R$ 2.086.217,95 (dois milhões, oitenta e seis mil e duzentos e dezessete reais e noventa e cinco centavos) e, no período de 01/01 a 16/03/2021, no total de R$ 1.863.590,05 (um milhão, oitocentos e sessenta e três mil quinhentos e noventa reais e cinco centavos)”, indicou o magistrado numa decisão.
O levantamento ocorreu a pedido do advogado Márcio Antônio de Oliveira, que representou um cliente que registrou prejuízos após comprar imóvel irregular do proprietário da JF Construção de Edifício e encontrou o CNPJ para tentar reaver o valor de R$ 240 mil após a estrutura ter sido derrubada pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
Chamei a atenção do juiz perante outros procedimentos tocados pela empresa para a secretaria. Essa empresa teve um faturamento extraordinário, mas sem dinheiro em caixa. Conseguimos uma execução de R$ 246 mil, mas só tivemos acesso a R$ 103 mil até agora. Nem mesmo o oficial de Justiça conseguiu encontrar o empresário João Ferreira no endereço oficial registrado. Desde então, a empresa vem se esquivando de várias formas
Advogado Márcio Oliveira
Veja o cadastro das empresas:
Histórias prósperas
Outra prestadora de serviços indicada no demonstrativo do primeiro quadrimestre deste ano do Pdaf na obra irregular da 607 Norte, a MJB Construtora, também tem um histórico recente. Embora tenha nos registros oficiais a data de abertura de 14 de julho de 2020, portanto, há pouco mais de um ano, conseguiu faturar apenas nos primeiros meses de 2021 o montante de R$ 1.092.041,00, conforme cálculos elaborados a partir do documento.
Há outros dois casos semelhantes: a empresa Thays Lopes Alves de Deus, especializada em comércio varejistas que envolve produtos esportivos até elétricos, e a Sagrada Família Variedades Eirelli. Ambas também foram constituídas no ano de 2020: a primeira em 16 de junho e a outra, em 6 de novembro. No caso da última citada, também é especializada em tudo, de brinquedos à impressão de material publicitário.
A Sagrada Família Variedades conseguiu faturar pouco mais R$ 601.927,00 apenas nos quatro primeiros meses do ano com o contrato de prestação de serviço com a Regional de Ensino do Plano Piloto. Já a Thays Lopes Alves de Deus, localizada no Jardim Roriz (Planaltina), embora enquadrada como Microempreendedor Individual (MEI), a movimentação no mesmo período foi de R$ 1.013.492,00 apenas com a referida coordenação regional.
Um pouco mais nova na praça, a PG Utilidades, situada em Sobradinho, também iniciou sua história com negócios lucrativos com a mesma unidade da Secretaria de Educação. Fundada no dia 5 de março deste ano, o negócio já rendeu R$ 327.768,00 sem ter completado ainda um semestre de vida. A empresa também é uma espécie de construtora de “tem de tudo”, de serralheria à venda de produtos de higiene, conforme consta no Fisco.
O que dizem os envolvidos?
A reportagem procurou os proprietários de todas as empresas citadas pelos números cadastrados na Receita Federal, mas apenas localizou João Ferreira, dono da JF Construção de Edifício. Por telefone, o empresário garantiu ter a sede do negócio no Sol Nascente, próximo de Ceilândia, e rebateu a versão de que teria faturado R$ 10 milhões apenas no ano passado.
“Isso é um verdadeiro absurdo. Não tenho aqui o balanço do contador, mas posso te garantir que é um valor muito menor, que não passa de R$ 3 milhões no período todo. Tenho esse contrato com a Regional de Ensino de Brasília porque já fazia trabalhos em outras escolas aqui em Ceilândia, por exemplo. Recebi uma carta-convite da coordenadoria de ensino e fiz trabalhos de serralheria, como alambrados na 607 Norte. Recebi uma parte, mas ainda falta outro pedaço. Não conheço político nenhum e estou ali porque trabalho direito”, defendeu-se.
As outras três prestadoras de serviço também foram acionadas, mas os números não atenderam ou não mais existem. O espaço segue aberto para manifestações futuras no caso de posicionamento oficiais de cada parte citada.
Já a Secretaria de Educação, por nota, informou que “crê na licitude” dos procedimentos para reforma do prédio da 607 Norte e “acha louvável” a apuração tanto por parte do Ministério Público quanto da Controladoria Geral do Distrito Federal e da própria Corregedoria da pasta.
“Por considerar essenciais todas as iniciativas em favor da transparência, a Secretaria de Educação vai apoiar todas as investigações. A sociedade do Distrito Federal tem direito ao esclarecimento dos fatos”, pontuou.
Autorização
Assinada pela coordenadora da Regional de Ensino do Plano Piloto, Edilene Maria Muniz de Abreu, a autorização das obras foi realizada sob uma “pseudo justificativa”: em março de 2019, a Justiça do Trabalho chegou a interditar o endereço, quando a decisão indicou riscos na estrutura e, portanto, ao bem-estar dos servidores públicos. Ela foi indicada ao cargo pelo então secretário-executivo da Educação, Fábio Souza.
“Me permitam neste espaço, que é pessoal, agradecer à minha equipe de trabalho, agradecer a todas da assessoria e chefia da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto. Mesmo em tempos difíceis, temos nos desdobrado e hoje particularmente me emocionei ao receber meus chefes, professor Fábio Souza e Leandro Cruz, para vermos juntos os últimos detalhes da nova sede da coordenação”, escreveu ela nas redes sociais ao legendar uma foto registrada no local.
“Além de ser um prédio que é registrado de “histórias” de vidas, de sonhos, será a primeira sede própria do Crepp. Gratidão à minha equipe pelo empenho, mesmo em tempos difíceis, e aos chefes. Gratidão por confiar e por quererem ver esse prédio novamente pulsando, por terem a ideia de executar uma ideia”, continuou a coordenadora. O texto publicado foi corrigido da versão original.
A cada quadrimestre anual, uma portaria é editada pela Secretaria de Educação para atualizar, pontualmente, os critérios a serem observados pelos gestores para a liberação de gastos pelo Pdaf. No caso da revitalização na Unidade II da pasta, as alterações foram publicadas no Diário Oficial (DODF) do dia 12 de fevereiro.
O ato foi assinado pelo então secretário de Educação, Leandro Cruz, mas apoiado pelo secretário-executivo da pasta à época, Fabio Pereira Sousa. Ambos foram exonerados por determinação do governador Ibaneis Rocha (MDB), sem justificativa aparente.
Embora pouco reconhecido pelos brasilienses, o edifício de concreto foi criado a partir da assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer e projetado originalmente para abrigar o então Instituto de Teologia da Universidade de Brasília (UnB). Contudo, com o Golpe Militar de 1964, a orientação ecumênica que faria parte das grades universitárias foi extinta do currículo e o prédio foi vendido para a Fundação Educacional do DF, hoje patrimônio da Secretaria de Educação.
Interdição
Em março de 2019, acoplado de uma decisão da Justiça do Trabalho, um laudo pericial apontou falta de “condições mínimas de segurança”, o que motivou o Governo do Distrito Federal (GDF) a proibir o acesso e transferir as subsecretarias e, portanto, os servidores para outras localidades.
Nos moldes do que ocorreu com o Teatro Nacional Claudio Santoro, a Justiça também indicou “precariedade das instalações elétricas” e a inexistência de sistema de prevenção de incêndios, sinalização de emergência, extintores, hidrantes e alarmes, o que resultaria no “risco à vida de todos”. Um dos exemplos citados foi a falta de escada na instalação e ainda janelas inadequadas para facilitar evacuações em casos de situação de pânico.
O prédio tem três pavimentos e é caracterizado por pilares paralelos de concreto, que chamam a atenção de visitantes logo na fachada principal. Pelo projeto de Niemeyer, o espaço previa a construção de um edifício de moradia para a comunidade teológica, com dormitórios, refeitório, bibliotecas e oratórios para noviços, seminaristas, estudantes e padres.
O que diz o Iphan
Por se tratar de uma obra de Oscar Niemeyer, o Metrópoles procurou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tecnicamente responsável por autorizar alterações e revitalizações de obras consideradas históricas para Brasília.
Por nota, o órgão afirmou que o edifício não é tombado individualmente. “Portanto, segundo a normativa interna do instituto, não há obrigatoriedade de que o projeto de intervenção seja submetido à autarquia”.