Vogue Portugal é criticada por capa de “mau gosto” sobre saúde mental
A revista removeu a capa e se desculpou depois da repercussão polêmica da foto, que ilustra uma mulher em um hospital psiquiátrico
atualizado
Compartilhar notícia
Uma das capas de julho/agosto da Vogue Portugal foi criticada pelo “mau gosto” em relação à saúde mental. A foto mostra a modelo Simona Kirchnerova sentada em uma banheira em cenário que parece representar um hospital psiquiátrico. Ao lado dela, há duas enfermeiras, uma delas derramando água em sua cabeça. Profissionais do ramo de moda e especialistas da área consideraram a imagem insensível e desatualizada a respeito das doenças mentais. Depois da repercussão polêmica, a publicação se desculpou e manteve só as outras três capas, que chegam às bancas nesta sexta-feira (10/7). Vem comigo saber mais detalhes!
Críticas à “edição da loucura”
Além da capa, a chamada The Madness Issue, ou “A Edição da Loucura”, foi criticada pelo uso da palavra “madness”. Segundo a revista, trata-se de uma publicação sobre “amor, vida, nós, você, agora, saúde, saúde mental e tempo”. A imagem também diz “É verão lá fora”. No Instagram, o post com o anúncio do que seria a capa número 1 foi publicado no dia 3 de julho e reuniu diversas críticas nos comentários.
Uma delas foi da modelo portuguesa Sara Sampaio, com mais de 5,5 mil curtidas. “Este tipo de foto não deveria estar a representar a conversa sobre saúde mental! Acho de muito mau gosto”, opinou. Depois, Sara fez um vídeo sobre o assunto pelo próprio IGTV. “Isso é ofensivo e perturbador”, escreveu a editora de moda Hannah Tindle, colaboradora da Another Magazine.
Emma Hope Allwood, head de moda da Dazed digital, considerou incompreensível a chamada “edição da loucura”, especialmente para quem já teve um parente internado em uma instituição de saúde mental. “Esse tipo de imagem estranha e arcaica da doença mental é profundamente estigmatizante. Esperando algum tipo de contexto que poderia tornar isso menos perturbador”, comentou.
Para a stylist Kat Ambroziak, o trabalho errou em vários níveis diferentes. “Esta capa é estigmatizante para a saúde mental e parece estar se referindo à ‘histeria feminina’, o que é tão misógino, e não estamos vivendo no século 16. Derrubem isso”, opinou. Vários dos comentários receberam milhares de likes.
Citada pelo The Guardian, a psicóloga clínica Katerina Alexandraki acredita que seja invalidador promover uma estética para a saúde mental. “Nunca é moda. […] Sem falar na história das mulheres e doenças mentais. Existem centenas de histórias de abuso em que as mulheres estão mais vulneráveis”, criticou.
Posicionamento da revista
A primeira reação da Vogue Portugal foi defender a edição e a reportagem da capa controversa. Segundo a publicação, cada uma das quatro capas reflete dimensões diferentes do comportamento humano, levando em conta o timing do confinamento provocado pela pandemia. Em um texto publicado nas redes sociais, a revista afirmou, ainda, que a intenção da narrativa visual foi “iluminar as questões importantes de hoje”.
Na mensagem, a Vogue portuguesa acrescentou que a cena hospitalar, fotografada por Branislav Simoncik, mostra a própria mãe e a avó da modelo cuidando dela. A intenção foi abrir luz às instituições e pessoas que trabalham com saúde mental atualmente. Além disso, a publicação acrescentou que a saúde mental é apenas um dos tópicos da edição, que não é ligada à “loucura”.
“A matéria de capa explora o contexto histórico da saúde mental e foi projetada para refletir a vida real e histórias autênticas, inspiradas em pesquisas profundas de centenas de fotografias de reportagens de alguns dos documentaristas mais relevantes e famosos que capturaram hospitais de saúde mental”, justificou, alegando ter ouvido profissionais da área, como psiquiatras, psicólogos e sociólogos.
Posteriormente, a revista voltou atrás e comunicou a decisão de remover a capa do hospital psiquiátrico e todo o editorial que estaria ligado ao tema de saúde mental. “A Vogue Portugal lamenta profundamente qualquer ofensa ou incômodo que este editorial possa ter causado. Após reflexão, compreendemos que o assunto da saúde mental requer uma abordagem mais ponderada. As nossas sinceras desculpas pelo sucedido”, lamentou.
Opinião da modelo
Simona Kirchnerova, a modelo que estrelou a capa polêmica, havia comemorado a conquista como o “destaque” de sua carreira. Especialmente por trazer três gerações de sua própria família na foto, a mãe e a avó. No entanto, acabou recebendo várias críticas e se retratou pelo Instagram. Desculpou-se com aqueles que se ofenderam, mas defendeu a mensagem da capa. Comentou também que estava sofrendo com as ofensas por causa da fotografia.
“Percebam que o modelo não é responsável por nenhuma sessão de fotos. Depois de todas essas críticas, ainda sinto que a arte deve ser chocante e verdadeira. Não queria ofender ninguém, desculpem-me aqueles que se ofenderam, mas entendam que a intenção desta capa era abrir o tópico da saúde mental e trazer à discussão as instituições, a ciência e as pessoas envolvidas com saúde mental hoje”, publicou.
Ela continuou: “Esta capa não deve nos dividir! Todos falaremos abertamente sobre saúde mental, porque as doenças mentais são muito comuns, estão acontecendo com quase todo mundo e também comigo. Eu sofria de forte depressão e fiz muita terapia para melhorar. Como uma pessoa que também tinha problemas mentais, eu defendo a capa”.
O que disse o fotógrafo
O fotógrafo eslovaco Branislav Simoncik, que capturou a imagem e o editorial, pediu desculpa caso tenha ofendido alguém, mas acredita que tudo foi um “mal-entendido básico”. Em um longo texto publicado no Instagram, ele explicou que a intenção da foto não era “fetichizar ou glorificar” os procedimentos de hospitais psiquiátricos no passado, que inspiraram a imagem. Na verdade, o objetivo foi justamente criticá-los, de acordo com ele.
“Ao criar este editorial, decidi, como muitas vezes antes, inspirar-me em eventos históricos e documentários autênticos em instituições de assistência psiquiátrica. É errado esclarecer as falhas do passado?”, questionou. “Definitivamente, a intenção não era celebrar, mas recuperar criticamente o passado.”
Ele finalizou dizendo que a discussão em torno da foto valeu a pena se contribuiu para aumentar o interesse das pessoas sobre a saúde mental, ou, pelo menos, se a foto foi capaz de ajudar alguma pessoa.
Colaborou Hebert Madeira