Tom Ford é acusado de traição nos bastidores da moda americana
Após trocar a Semana de Moda de Nova York por Los Angeles, o presidente do CFDA é visto com maus olhos por marcas que participam do evento
atualizado
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Hoje visto como um projeto altamente comercial, com marcas de extrema importância deixando sua programação a cada ano, o New York Fashion Week viu em Tom Ford a chance de se reerguer. Eleito presidente do CFDA, organização que dirige a semana de moda, o estilista ensaiou mudanças significativas ao reduzir o número de etiquetas selecionadas e seduzir editores de renome com viagens e acomodações subsidiadas. No entanto, ao decidir apresentar sua coleção de outono/inverno 2020 em Los Angeles, Ford ganhou acusações de trair as labels participantes da iniciativa nova-iorquina.
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Com o enfraquecimento da Semana de Moda de Nova York, várias marcas decidiram abandonar o evento. Desde a temporada de outono/inverno 2019, a Calvin Klein não aparece na programação, enquanto Joseph Altuzarra, Thom Browne e Telfar Clemens migraram para Paris em busca das vantagens comerciais de se apresentarem no maior palco da moda.
Pouco antes de fechar sua programação de outono/inverno 2020, o projeto viu mais duas marcas históricas deixarem suas passarelas. A Ralph Lauren preferiu se abster do NYFW pela primeira vez na história para apresentar as novidades em abril, em evento isolado. A Tommy Hilfiger, por sua vez, optou pela Semana de Moda de Londres.
Contudo, nenhuma das baixas causou mais comoção do que a decisão de Tom Ford de se apresentar em Los Angeles na última sexta-feira (07/02/2020). Em paralelo à abertura da semana da moda nova-iorquina, o estilista mostrou suas apostas para esta temporada reunindo top models e estrelas do cinema na Costa Leste do Estados Unidos.
A ocasião, que contou com Jennifer Lopez, Alex Rodriguez, Renée Zellweger, Jeff Bezos, Kate Hudson, Miley Cyrus, Jon Hamm e Jason Momoa na primeira fila, garantiu que o show chegasse com força às mídias sociais, em uma movimentação bem maior do que a registrada no outro lado do país.
Tom Ford levou as modelos que participaram de seu desfile para Nova York logo após o evento, a fim de que elas pudessem voltar a tempo para a programação de sábado, mas a tática não ajudou. “Muito vapor saiu de Nova York nesta temporada. Toda a nossa indústria está em fluxo e a atitude de Tom apenas complicou a questão. O fato de ele ser presidente do CFDA e deixar a programação não é um bom presságio”, disse uma fonte ao Page Six.
Embora, para sua grife, a jogada tenha sido astuta, já que algumas das maiores celebridades do mundo estavam na cidade para o Oscar, muitos encararam a atitude de Tom como egoísta. O sentimento nos bastidores do New York Fashion Week é de que ele colocou os interesses de sua empresa acima de suas funções no CFDA.
De fato, a opção de Ford faz sentido para seus negócios. O sucesso de sua marca está diretamente ligado ao brilho e glamour de Hollywood, então, nada melhor do que mostrar seu novo trabalho diretamente para as estrelas do cinema.
Ao site Business of Fashion, o designer se defendeu, afirmando que não representa apenas uma cidade, mas os Estados Unidos como um todo.
“Outro dia, alguém me perguntou como eu poderia justificar a exibição em Los Angeles, já que agora sou o presidente do CFDA. Lembrei a eles que a sigla é Conselho de Designers de Moda da América e não o Conselho de Designers de Moda de Nova York”, explicou à publicação.
Muito além disso, Ford segue à risca uma indicação dada pela própria instituição em meados de 2016. Em um relatório do Boston Consulting Group, encomendado por Diane Von Furstenberg, então presidente do CFDA, a organização declarou que participar do New York Fashion Week não é necessariamente o melhor para todas as grifes. Cabe a cada uma fazer o que é melhor para seu modelo de negócio.
O que é verdade, também, é que a debandada do presidente do CFDA estimulou outro nome de extrema importância a deixar o evento. Fontes disseram ao jornal The Post que a atitude do diretor influenciou Jeremy Scott a mudar seu desfile para Paris, menos de duas semanas antes de sua apresentação no NYFW.
“Todos no CFDA estão frustrados, entre designers, editores, publicitários e agentes de elenco. Todo mundo está tipo, ‘a cadeira do CFDA não está aqui?’”, disse um dos principais publicitários de moda de Nova York ao Page Six.
Mais do que sinalizar uma falta de apoio, a ideia de Ford contribuiu para uma concorrência inesperada. “Eu entendo por que Tom iria aparecer em Los Angeles esta semana. Tinha o Oscar, a imprensa e as celebridades. Mas, do ponto de vista das relações públicas, eu gostaria que ele tivesse ficado”, opinou um produtor de desfiles, também ao site norte-americano.
Rumores chegaram a apontar uma possível mudança das operações do CFDA para LA, onde Ford mora, mas um porta-voz do conselho disse que esses planos não são concretos, pelo menos neste momento.
“O papel do CFDA é apoiar nossos designers, onde e como eles decidirem aparecer. O New York Fashion Week é apenas uma das muitas maneiras pelas quais o CFDA ajuda os talentos americanos”, afirmou Steven Kolb, presidente e CEO da organização.
O consultor de moda Fern Mallis, que atuou como diretor executivo do CFDA entre 1991 a 2001, não vê a decisão de Tom como algo tão negativo. “É decepcionante para algumas pessoas, porém, não vejo isso destruindo o NYFW. Ainda não é hora dos últimos ritos. Ele pode precisar repensar seu papel na associação, porque, atualmente, a posição não parece se encaixar com seu amor pelas estrelas de cinema.”
Nos últimos anos, a moda norte-americana foi atingida em cheio pelas mudanças sofridas após ascensão da internet. Enquanto os conglomerados de luxo europeus miraram em planos de longo prazo, as empresas desse lado do Atlântico se emaranharam em liquidações e estagnação criativa.
Como resultado, muitos dos queridinhos da Semana de Moda de Nova York, como Proenza Schouler e Rodarte, sofreram solavancos. O mesmo aconteceu com etiquetas como Coach e Michael Kors, que têm a pressão adicional de Wall Street em seu escopo.
A grande questão inserida aqui não é a qualidade da moda americana, mas a persistência em um modelo de negócios construído para lojas de departamentos. A decisão de Ford de organizar seu desfile em Los Angeles enfatiza que o NYFW pode não ser mais viável em seu atual formato.
O que os críticos esperam é que o mercado fashion dos EUA se reinvente com novas maneiras de mostrar e vender coleções. Apesar de algumas pessoas enxergarem a atitude de Tom Ford como uma “traição”, a tática também pode ser vista como uma lição.
Afinal, o estilista achou na junção da moda com o cinema uma poderosa oportunidade de divulgar seu novo trabalho. A ideia de ter um evento de moda em meio à temporada de premiações parece promissora.
Colaborou Danillo Costa