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Tendência Brazilcore exalta símbolos nacionais, como a camisa da CBF

Próximo ao segundo turno das eleições e à Copa do Mundo, looks com as cores verde e amarelo pipocam nas redes sociais com a trend Brazilcore

atualizado

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@ludmilla/Instagram/Reprodução
A cantora Ludmilla no palco do Rock in Rio, em setembro de 2022, com o microfone na mão e performando o lado de dançarinos. Todos usam camisas da seleção brasileira de futebol, sendo algumas amarelas e outras azuis.
1 de 1 A cantora Ludmilla no palco do Rock in Rio, em setembro de 2022, com o microfone na mão e performando o lado de dançarinos. Todos usam camisas da seleção brasileira de futebol, sendo algumas amarelas e outras azuis. - Foto: @ludmilla/Instagram/Reprodução

Em abril deste ano, dois artistas de diferentes estilos musicais tentaram ressignificar o verde e o amarelo. Anitta subiu no palco do Coachella, um dos maiores festivais dos Estados Unidos, com um look nas cores da bandeira brasileira. O rapper Djonga usou uma camiseta da seleção brasileira em um show e afirmou: “É tudo nosso, nada deles!”. 

Os dois episódios podem ser considerados exemplos de uma tendência de moda que tem se espalhado pelas redes sociais, o “Brazilcore”. O objetivo é resgatar os símbolos nacionais e desassociá-los de grupos políticos específicos brasileiros.

Vem entender mais!

Giphy/@mundinhocix/Reprodução

Se você digitar #brazilcore no TikTok, verá que conteúdos com a hashtag já somam mais de 25 milhões de visualizações no aplicativo. Os vídeos, em sua maioria, dão dicas de looks com itens verde, amarelo e azul, cores da bandeira nacional, e também com peças-chave do que seria algo “tipicamente brasileiro”, como a camiseta da Seleção Brasileira de Futebol.

A dois dias do segundo turno das eleições de 2022, é possível verificar que a estética que o Brazilcore exalta ficou marcada como própria de um dos lados do espectro político: a direita do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. Os eleitores que se identificam com o centro ou com a esquerda acabaram se afastando do verde e amarelo para não serem taxados como apoiadores do “outro lado”.

Porém, quem defende a nova tendência estética quer justamente “despolitizar” as cores e os símbolos que devem ser associados ao Brasil enquanto nação. O que foi usado para dividir os brasileiros agora é um chamado à união

A cantora Anitta no palco do festival Coachella, nos Estados Unidos, em 15 de abril de 2022. Ela usa um top e um short, ambos curtos e de couro, nas cores verde, amarelo e azul, além de um óculos escuro com armação amarela.
Sobre o look escolhido para o Coachella, Anitta declarou: “A bandeira do Brasil e as cores da bandeira pertencem aos brasileiros. Ninguém pode se apropriar do significado das cores da bandeira do nosso país”

 

Campanha de divulgação da nova camisa da Seleção de Futebol Brasileira
O rapper Djonga foi escalado para estrelar a campanha da Nike, que apresenta a nova camiseta da Seleção Brasileira de Futebol, ao lado de jogadores como Ronaldo e Philippe Coutinho

 

A influencer Malu Borges, uma mulher branca, jovem e loira, posando para foto em uma parede cinza. Ela usa uma calça folgada branca, um salto alto bege, uma jaqueta amarela com o símbolo da CBF e um bolsa, também amarela, da marca Miu Miu.
Itens esportivos da Nike, marca que patrocina a Seleção Brasileira de Futebol, são “essenciais” para quem quer montar produções na trend Brazilcore

 

Homem jovem e negro, de cabelo curto e bigode, segurando uma réplica da taça da Copa do Mundo de Futebol. Ele usa um shorts azul de lantejoulas e uma camiseta de seleção brasileira.
A Copa do Mundo de Futebol é uma oportunidade para empresas lançarem coleções temáticas, como é o caso da Realce, marca baiana de roupas carnavalescas

Tendência importada?

O mais curioso quando procuramos a origem do Brazilcore é perceber que o “start” foi dado pelos “gringos”. “É preciso entender que a tendência surgiu lá fora, desconectada do sentido partidário que as cores verde e amarelo tomaram por aqui. [No exterior] O Brazilcore pode até conseguir alguma desconexão com o que está acontecendo, mas aqui no país usar essas cores ainda é anunciar apoio a um grupo específico”, explica a professora Patricia Fonseca, do curso de Moda da Fundação Armando Alvares Penteado.

Quem faz coro à hipótese de neutralidade apenas por não-brasileiros é Brunno Almeida Maia, pesquisador em Filosofia e Teoria de Moda pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Penso que dificilmente conseguiremos desvincular a camisa da Seleção Brasileira de Futebol e a bandeira nacional da ideologia da extrema direita”, defende o estudioso.

A cantora Dua Lipa, um mulher branca, jovem e de cabelo liso longo, posando para foto na Lapa, no Rio de Janeiro. Ela usa uma camiseta com as cores do Brasil, um shorts jeans e um tênis branco.
Na visita ao Brasil para apresentação no festival Rock in Rio, a cantora Dua Lipa apostou em um look Brazilcore que é a cara do TikTok

 

A modelo Alex Cosani, uma mulher branca e jovem com cabelo loiro e liso nas ruas de Paris. Ela uma regata amarela com a palavra Brasil escrita, uma calça azul e uma bolsa preta de couro da marca Balenciaga.
A modelo norte-americana Alex Consani acumula diversos seguidores nas redes sociais e foi uma que já aderiu à trend que exalta o Brasil

 

A modelo Hailey Bueber, uma mulher branca e jovem com cabelo loiro e liso posando para foto no espelho do banheiro. Ela usa óculos escuros, uma camiseta da seleção brasileira de futebol e uma calça verde musgo.
Outra que montou produções com a camisa da seleção foi Hailey Bieber. A modelo e esposa de Justin Bieber é filha de uma brasileira

 

Uma mulher branca e jovem, com cabelo castanho liso amarrado em uma trança, nas ruas de Lisboa, em Portugal. Ela usa óculos escuros, uma camiseta da seleção brasileira de futebol na cor azul, um bermuda preta, meias brancas e um tênis preto da marca Adidas.
Brasileiros que vivem no exterior, como Maina Suarez, tem desfilado com itens que remetem ao seu país natal

Apropriação histórica

O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, destaca que a apropriação de símbolos nacionais, como o uniforme dos jogadores da seleção brasileira, é antiga. “Nós tivemos na Copa do Mundo de 1970, no auge do regime militar, [a difusão dos] lemas: ‘Brasil: Ame-o ou deixe-o!’ e ‘Eu te amo, meu Brasil’, enquanto nos bastidores a tortura corria solta e tudo mais… O governo se utilizava dessas imagens, de um seleção de futebol vencedora, para ‘ganhar’”, explica à coluna.

Mas a apropriação recente remonta ao ano de 2013, segundo André César. As manifestações contra o aumento da passagem em São Paulo, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o crescimento de uma direita extremada são destacados com o caldo social, político e cultural que culminou na eleição de Jair Bolsonaro e no uso, por parte do seu grupo, de símbolos como a bandeira nacional, a camisa da seleção e as cores verde e amarelo. 

Manifestação pró-Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Uma multidão de pessoas de diferentes idades usam roupas verde e amarela e seguram a bandeira do Brasil
“Os valores tradicionais, a bandeira e camisa da seleção canarinho ganharam um ‘novo dono’: a ultradireita, como eu chamo”, escreve André César

 

Manifestação pró-Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Uma multidão de pessoas de diferentes idades usam roupas verde e amarela e seguram a bandeira do Brasil. É possíver ainda pessoas em um trio elétrico discursando e o Congresso Nacional no fundo.
O cientista político destacou que os símbolos nacionais foram apropriados também pelo regime militar na década de 1970

 

Mulher e homem, ambos brancos com cabelos castanhos, em manifestaçaõ pró-Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios, em Brasíli. Eles usam máscara com estampa da bandeira do Brasil e roupas nas cores verde e amarelo, além de uma camiseta com o rosto do presidente Jair Bolsonaro estampado
Os especialistas consultados pela coluna acreditam que o verde e o amarelo seguirão como as cores da direita por um tempo

Essa “posse” dos símbolos nacionais acaba gerando certa repulsa de setores mais à esquerda. Apesar da tendência Brazilcore surgir como um possível resgate dessa estética, as fontes entrevistadas não acreditam que, a curto prazo, possa acontecer essa dissociação. “É muito difícil dissociar a política dessas simbologias. O ambiente está muito contaminado. A Copa é duas semanas depois do segundo turno [das eleições] e quem ganhar vai pegar um país muito dividido”, analisa o cientista político.

O raciocínio da professora Patrícia Fonseca segue na mesma linha. “Nessa reta final das eleições, é impossível desassociar o verde e o amarelo do partidarismo político. Tanto que alguns lojistas que já resolveram decorar ruas para a Copa tiveram que colocar cartazes esclarecendo que as cores eram por causa do campeonato, e não apoio a um grupo político específico. Vamos ter que esperar o resultado das eleições para ver se vamos conseguir vestir verde e amarelo novamente sem partidarismos”, afirma. 

Brunno Almeida Maia destaca ainda que não nos vestimos de modo “neutro” e que travamos posicionamentos e ideias com nossas escolhas estéticas. Segundo o pesquisador em Filosofia e Teoria de Moda, “a tendência Brazilcore nasce no momento em que estamos vivenciando a ascensão da extrema direita, que se apropria desses símbolos. E traz essa carga de uma mensagem política imediata. Basta pensarmos que, ao vermos uma bandeira do Brasil, imediatamente já ligamos com esse posicionamento ao grupo político em questão”.

Manifestantes marcham durante um protesto contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, Brasil, quarta-feira, 17 de janeiro de 2018. O protesto foi organizado pelo Movimento Tarifa Livre, o mesmo grupo que iniciou manifestações antigovernamentais em massa que encheram as ruas de Brasil em 2013.
Os protestos de 2013, em São Paulo, começaram contra o aumento do preço da passagem e terminaram reunindo que estavam insatisfeitos com a política de forma geral

 

Manifestação realizada na Praça da Sé em São Paulo, organizada pelo Movimento Passe Livre reivindicando a redução da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo.
Foi a partir desses protestos que a direita começou a se apropriar dos símbolos nacionais. Um bom exemplo é o Movimento Brasil Livre (MBL), movimento político brasileiro liberal conservador, que surgiu nessa época com as cores verde e amarela

 

Manifestação pró-Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Uma multidão de pessoas de diferentes idades usam roupas verde e amarela e seguram a bandeira do Brasil
Segundo Brunno Almeida Maia, “a extrema direita propõe ideologicamente a ideia do apagamento de todas as contradições sociais. Símbolos como a bandeiram servem como um espécie de símbolo que visa unificar”

Brazilcore nas favelas

Outra reflexão que a nova trend pode suscitar é que a exaltação dos símbolos nacionais já eram próprios de comunidades periféricas das capitais brasileiras. Quem destacou bem o ponto foi Mayra Souza, designer do portal Steal The Look, no texto “Brazilcore: a tendência de moda que sempre esteve nas ruas da minha casa”.

Criada em Capão Redondo, na Zona Sul da cidade de São Paulo, Mayra escreveu: “apesar do termo ter sido criado só agora, toda a estética do futebol, sempre [foi  valorizada] e sempre [esteve] no mais alto nível de ostentação nas favelas e periferias brasileiras”. A problemática, segundo a paulista, é que a “tendência” só ganhou fôlego após pessoas brancas e padrões se apropriarem desses símbolos. 

“Acho que devemos todos nos questionar, o que realmente mudou nesses meses que fez o futebol ir de brega a cool?”, protestou Mayra, que seguiu: “porque quando era eu e meus conterrâneos usando, era mal visto?”. Vale destacar que a revista Elle Brasil já fez um editorial de moda especial sobre a estética exaltada nas favelas que reverberam ainda mais graças a artistas do funk e do rap, por exemplo.

Mulher jovem e negra, de cabelo trançado longo, posando para foto em um vagão do BRT. Ela usa um vestido branco cheio de recortes com uma bandeira do Brasil bordada e recortes na região da cintura.
Outra crítica que surgiu com a trend Brazilcore é a exaltação de uma estética esportiva que já fazia sucesso nas periferias

 

Mulher jovem e negra, de cabelo crespo médio, posando na praia, próximo ao Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Ela usa um conjunto de biquíni nas cores verde e amarelo e um óculos espelhado estilo juliet.
“Não podemos nos esquecer onde tudo isso começou e quem realmente foi o precursor do Brazilcore“, reforçou Mayra Souza

 

Uma mulher jovem e negra, de cabelos trançados ruivos e longos, posando para foto ao lado de um homem jovem, branco, e de cabelo cacheado loiro. Eles estão em uma quadra de futsal e usam roupas nas cores verde, amarelo e azul, em referência às cores da bandeira do Brasil.
Apesar da proximidade com a Copa do Mundo, especialistas apontam que pessoas que não se identificam com a extrema direita podem se recusar a usar verde e amarelo

Com a Copa do Mundo do Catar se aproximando, vale destacar que o interesse das marcas esportivas é vender produtos como a camiseta da seleção brasileira. “O mercado não está preocupado com as posições ideológicas e nem de que lado os produtos serão usados ou para que fins”, argumenta Brunno Almeida Maia. “Por enquanto, verde e amarelo sem partidarismo só no Brazilcore das influencers estrangeiras mesmo”, finaliza Patricia Fonseca.

 

Colaborou Carina Benedetti

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