Tendência Brazilcore exalta símbolos nacionais, como a camisa da CBF
Próximo ao segundo turno das eleições e à Copa do Mundo, looks com as cores verde e amarelo pipocam nas redes sociais com a trend Brazilcore
atualizado
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Em abril deste ano, dois artistas de diferentes estilos musicais tentaram ressignificar o verde e o amarelo. Anitta subiu no palco do Coachella, um dos maiores festivais dos Estados Unidos, com um look nas cores da bandeira brasileira. O rapper Djonga usou uma camiseta da seleção brasileira em um show e afirmou: “É tudo nosso, nada deles!”.
Os dois episódios podem ser considerados exemplos de uma tendência de moda que tem se espalhado pelas redes sociais, o “Brazilcore”. O objetivo é resgatar os símbolos nacionais e desassociá-los de grupos políticos específicos brasileiros.
Vem entender mais!
Se você digitar #brazilcore no TikTok, verá que conteúdos com a hashtag já somam mais de 25 milhões de visualizações no aplicativo. Os vídeos, em sua maioria, dão dicas de looks com itens verde, amarelo e azul, cores da bandeira nacional, e também com peças-chave do que seria algo “tipicamente brasileiro”, como a camiseta da Seleção Brasileira de Futebol.
A dois dias do segundo turno das eleições de 2022, é possível verificar que a estética que o Brazilcore exalta ficou marcada como própria de um dos lados do espectro político: a direita do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. Os eleitores que se identificam com o centro ou com a esquerda acabaram se afastando do verde e amarelo para não serem taxados como apoiadores do “outro lado”.
Porém, quem defende a nova tendência estética quer justamente “despolitizar” as cores e os símbolos que devem ser associados ao Brasil enquanto nação. O que foi usado para dividir os brasileiros agora é um chamado à união.
Tendência importada?
O mais curioso quando procuramos a origem do Brazilcore é perceber que o “start” foi dado pelos “gringos”. “É preciso entender que a tendência surgiu lá fora, desconectada do sentido partidário que as cores verde e amarelo tomaram por aqui. [No exterior] O Brazilcore pode até conseguir alguma desconexão com o que está acontecendo, mas aqui no país usar essas cores ainda é anunciar apoio a um grupo específico”, explica a professora Patricia Fonseca, do curso de Moda da Fundação Armando Alvares Penteado.
Quem faz coro à hipótese de neutralidade apenas por não-brasileiros é Brunno Almeida Maia, pesquisador em Filosofia e Teoria de Moda pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Penso que dificilmente conseguiremos desvincular a camisa da Seleção Brasileira de Futebol e a bandeira nacional da ideologia da extrema direita”, defende o estudioso.
Apropriação histórica
O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, destaca que a apropriação de símbolos nacionais, como o uniforme dos jogadores da seleção brasileira, é antiga. “Nós tivemos na Copa do Mundo de 1970, no auge do regime militar, [a difusão dos] lemas: ‘Brasil: Ame-o ou deixe-o!’ e ‘Eu te amo, meu Brasil’, enquanto nos bastidores a tortura corria solta e tudo mais… O governo se utilizava dessas imagens, de um seleção de futebol vencedora, para ‘ganhar’”, explica à coluna.
Mas a apropriação recente remonta ao ano de 2013, segundo André César. As manifestações contra o aumento da passagem em São Paulo, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o crescimento de uma direita extremada são destacados com o caldo social, político e cultural que culminou na eleição de Jair Bolsonaro e no uso, por parte do seu grupo, de símbolos como a bandeira nacional, a camisa da seleção e as cores verde e amarelo.
Essa “posse” dos símbolos nacionais acaba gerando certa repulsa de setores mais à esquerda. Apesar da tendência Brazilcore surgir como um possível resgate dessa estética, as fontes entrevistadas não acreditam que, a curto prazo, possa acontecer essa dissociação. “É muito difícil dissociar a política dessas simbologias. O ambiente está muito contaminado. A Copa é duas semanas depois do segundo turno [das eleições] e quem ganhar vai pegar um país muito dividido”, analisa o cientista político.
O raciocínio da professora Patrícia Fonseca segue na mesma linha. “Nessa reta final das eleições, é impossível desassociar o verde e o amarelo do partidarismo político. Tanto que alguns lojistas que já resolveram decorar ruas para a Copa tiveram que colocar cartazes esclarecendo que as cores eram por causa do campeonato, e não apoio a um grupo político específico. Vamos ter que esperar o resultado das eleições para ver se vamos conseguir vestir verde e amarelo novamente sem partidarismos”, afirma.
Brunno Almeida Maia destaca ainda que não nos vestimos de modo “neutro” e que travamos posicionamentos e ideias com nossas escolhas estéticas. Segundo o pesquisador em Filosofia e Teoria de Moda, “a tendência Brazilcore nasce no momento em que estamos vivenciando a ascensão da extrema direita, que se apropria desses símbolos. E traz essa carga de uma mensagem política imediata. Basta pensarmos que, ao vermos uma bandeira do Brasil, imediatamente já ligamos com esse posicionamento ao grupo político em questão”.
Brazilcore nas favelas
Outra reflexão que a nova trend pode suscitar é que a exaltação dos símbolos nacionais já eram próprios de comunidades periféricas das capitais brasileiras. Quem destacou bem o ponto foi Mayra Souza, designer do portal Steal The Look, no texto “Brazilcore: a tendência de moda que sempre esteve nas ruas da minha casa”.
Criada em Capão Redondo, na Zona Sul da cidade de São Paulo, Mayra escreveu: “apesar do termo ter sido criado só agora, toda a estética do futebol, sempre [foi valorizada] e sempre [esteve] no mais alto nível de ostentação nas favelas e periferias brasileiras”. A problemática, segundo a paulista, é que a “tendência” só ganhou fôlego após pessoas brancas e padrões se apropriarem desses símbolos.
“Acho que devemos todos nos questionar, o que realmente mudou nesses meses que fez o futebol ir de brega a cool?”, protestou Mayra, que seguiu: “porque quando era eu e meus conterrâneos usando, era mal visto?”. Vale destacar que a revista Elle Brasil já fez um editorial de moda especial sobre a estética exaltada nas favelas que reverberam ainda mais graças a artistas do funk e do rap, por exemplo.
Com a Copa do Mundo do Catar se aproximando, vale destacar que o interesse das marcas esportivas é vender produtos como a camiseta da seleção brasileira. “O mercado não está preocupado com as posições ideológicas e nem de que lado os produtos serão usados ou para que fins”, argumenta Brunno Almeida Maia. “Por enquanto, verde e amarelo sem partidarismo só no Brazilcore das influencers estrangeiras mesmo”, finaliza Patricia Fonseca.
Colaborou Carina Benedetti