Stylists apontam cinismo de grifes que apoiaram o #BlackLivesMatter
Nomes como Jason Bolden, Law Roach e Kollin Carter questionam o real suporte das etiquetas: “Vocês não vestem nenhuma celebridade negra”
atualizado
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O assassinato de George Floyd pelas mãos do policial Derek Chauvin, em 25 de maio, escancarou o racismo ainda presente na sociedade moderna, desencadeando uma onda de protestos ao redor do mundo.
Logo de cara, etiquetas como Nike, Pyer Moss, Telfar, Fenty e Gucci endossaram as pautas do movimento Black Lives Matter, realizando doações e ações de conscientização, mas há quem tenha oferecido respaldo apenas após a pressão dos consumidores. Passadas duas semanas desde o incidente, praticamente todas as marcas de luxo já se encarregaram de postar notas de apoio. Todavia, stylists de renome, como Jason Bolden, Law Roach e Kollin Carter, têm chamado a atenção para o cinismo de algumas delas. Vem comigo saber mais!
Jason Bolden
Ao ver a grife francesa Celine publicar que é “contra todas as formas de discriminação, opressão e racismo” em sua página do Instagram, o stylist norte-americano Jason Bolden, estrela do reality show Styling Hollywood, da Netflix, não poupou a etiqueta.
“Esperem. Vocês não vestem nenhuma celebridade negra, a menos que elas tenham um profissional branco para intermediar isso”, comentou Bolden, que produz os visuais de Alicia Keys, Cythia Erivo, Serena Williams, Taraji P. Henson, Vanessa Hudgens e Queen Latifah.
Outros seguidores da marca aproveitaram a deixa para lembrar que, desde a chegada do estilista Hedi Slimane à direção criativa da empresa, em fevereiro de 2018, menos de 15% dos looks desfilados pela label foram apresentados por modelos pretos. No perfil da Celine, é possível se deparar com um rosto negro apenas se descer a barra de rolagem até junho de 2019.
“O problema não é apenas com esta marca, mas com todas elas. Sejam honestos sobre como tratam pessoas negras. Nós estamos de olho e não iremos mais ajudar vocês até que nos apoiem. A Saint Laurent é outra”, apontou Bolden.
Kollin Carter
O stylist Kollin Carter, que acompanha nomes como Cardi B, Naomi Campbell e Normani, também condenou o comportamento das grifes em relação ao #BlackLivesMatter. “Cadê a energia que vocês tinham quando os cangurus estavam morrendo na Austrália? Algumas casas de moda são absolutamente falsas. É nojento que vocês venham no meu e-mail implorar por oportunidades, mas não tenham nada a dizer sobre esse tema”, escreveu no Instagram.
Para ele, a onda de protestos será um divisor de águas em seu trabalho. “Não nos usem quando é conveniente para vocês, se depois vão virar as costas e não nos apoiar. Minha missão é nunca mais associar eu ou meus clientes a vocês. Vocês exploram nossa cultura para seu engajamento e lucro”, acusou o profissional, após ver que muitas marcas não haviam manifestado qualquer endosso aos protestos nos Estados Unidos.
Law Roach
Responsável por conduzir Zendaya, Ariana Grande, Celine Dion e Kerry Washington ao topo das listas de mais bem-vestidos, Law Roach afirmou ao Page Six Style que o mundo da moda ainda tem muito a melhorar. “Eu acredito que o racismo da indústria é implícito. Ninguém aponta o que somos, mas sentimos isso assim que entramos na sala. Ninguém nunca me chamou de ‘crioulo’ ou bateu a porta na minha cara, mas conversas e energias mudam drasticamente quando sou inserido no recinto”, comentou à publicação.
Segundo o jurado da competição Legendary, da HBO, pessoas brancas têm necessidade de se mostrarem superiores às pretas. “Também houve situações em que fui apresentado como assistente, além daqueles momentos em que as pessoas tentam nos colocar em nosso lugar. É notável que não estamos no mesmo campo de que os colegas brancos”, afirmou.
Antoine Gregory
De acordo com o consultor de moda de Nova York Antoine Gregory, que desenvolve ações para a Telfar e Pyer Moss, os posts que as marcas fizeram foram claramente uma resposta ao lobby dos seguidores negros. “O que eu notei nesse setor é que até que os consumidores negros façam barulho o suficiente para serem ouvidos, as marcas permanecerão absolutamente silenciosas”, disse ao Dazed.
O empresário comparou o Black Lives Matter ao incêndio da Catedral de Notre-Dame, em abril de 2019, para ilustrar como a indústria têxtil não procura endossar a comunidade negra. À época, François-Henri Pinault, CEO do grupo Kering, prometeu 100 milhões de euros à reconstrução do santuário, enquanto Bernard Arnault, dono do LVMH, investiu 200 milhões de euros quase que imediatamente.
“As casas de moda demoraram a doar para o Black Lives Matter porque uma revolta social não é suficientemente glamourosa. Mancha a imagem de que as casas de moda e luxo prosperam. É muito mais sexy dizer que ajudou a salvar um prédio histórico”, analisou o crítico de moda Pierre A. M’Pelé ao portal.
Ainda que muitas etiquetas tenham mostrado simpatia com a causa, os profissionais defendem que isso não é o suficiente. “Não basta ser solidário. As ações precisam de algum tipo de resultado”, indicou Antoine.
Edward Enninful
Editor-chefe da Vogue britânica, Edward Enninful relatou em uma carta aberta a dificuldade em incluir pessoas negras na indústria. “Eu chego a implorar para que marcas da moda, publicações e varejistas contratem pessoas diversas, porque acredito que essa é a única maneira de fazermos uma real mudança. Precisamos de pessoas negras integradas aos bastidores, e não apenas em frente a câmeras. Essas pessoas precisam de oportunidade”, defendeu o jornalista.
De fato, o avanço em relação à inclusão ainda é lento no universo têxtil. Apenas em dezembro de 2018, por exemplo, a Chanel colocou seu primeiro modelo negro na passarela, enquanto a cantora Rihanna se tornou a primeira negra a ocupar um cargo de direção criativa no grupo LVMH, no ano passado.
Ainda que Virgil Abloh esteja em um lugar de sucesso com a Off-White, o estilista já encarou críticas por falta de diversidade em sua equipe, ao passo que episódios racistas ainda são documentados na indústria com frequência. Realmente, postar uma hashtag não é o bastante.
Colaborou Danillo Costa