SPFW N58 encerra com celebração do DNA brasileiro (e suas variações)
O São Paulo Fashion Week trouxe a moda nacional na mão de grandes representantes; confira os destaques dos últimos dias
atualizado
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O São Paulo Fashion Week N58 (SPFW) encerrou sua programação oficial nesse domingo (20/10), em uma semana com desfiles que trouxeram inovação e buscaram inspiração no coração da cultura brasileira. As histórias contadas nas passarelas são reflexo das vivências dos designers de marcas como Angela Brito, Dendezeiro e À La Garçonne.
Vem conferir os destaques dos últimos dias de desfile!
Angela Brito
Natural de Cabo Verde, Angela Brito apresentou, no sábado (19/10), a coleção Criola, evidenciando, por meio dos cortes e volumes, toda a bagagem que a mulher fruto da crioulização carrega com si.
A “crioulização”, como explica a marca, vai além da miscigenação, e fala, sobretudo, sobre a adaptação de grupos em resposta à colonização, como forma de firmar sua identidade em um novo espaço cultural. Nesse contexto, Angela Brito uniu técnicas e tecidos vindos dos diferentes continentes, como o nordestino redendê e o caboverdiano pánu di terá, assim como a trilha sonora, que transitava entre tradicionais ritmos africanos e o samba brasileiro.
Brito entregou, no SPFW, uma arte real, sem espaço para sentimentalismo, que fala sobre si mesma, mas que pode ser compreendida e identificada por milhões de outras brasileiras que carregam no sangue essa origem pré-colonial. As texturas são cruas e poderiam ser classificadas como “simples”, mas a complexidade está além da primeira impressão, graças a referências culturais que não são colocadas lá gratuitamente, mas, sim, por serem exatamente aquilo que a designer é.
Lucas Leão
O desfile de Lucas Leão no SPFW N58 foi pautado pelos contrastes. Tendo crescido no núcleo de uma família com a alfaiataria como profissão, o carioca não fugiu dessa herança, mas a levou a novos patamares, unindo-a ao Carnaval e à cultura urbana no Rio de Janeiro.
Sob uma trilha sonora de funk que ditou o veloz andar dos modelos, Leão apresentou o encontro entre o elegante e “a rua”, entre a formalidade do casamento e a diversão da folia do Rei Momo. As experiências da alfaiataria familiar e da vida nas ruas fluminenses foram refletidas na assimetria metafórica e literal, na qual as técnicas manuais abriram espaço para falhas intencionais na construção – ou desconstrução – da coleção.
Peças com aspecto abarrotado, rasgos e assimetrias quebraram a expectativa de quem esperava um Lucas Leão elegante mas alheio à sua própria realidade. Outro destaque foram os vestidos com quadris estruturados, estrelados por flores de tule –foram mais de três mil em toda a coleção apresentada.
Rafael Caetano
A homenagem de Rafael Caetano ao cartunista Mauricio de Sousa, presente no desfile, provocou nostalgia no público. Estampas inspiradas em personagens da Turma da Mônica foram usadas com repetição, bem como laços duplos, remetendo às orelhas de Sansão, coelho de pelúcia da protagonista.
O designer abordou, também, a época de repórter investigativo que Mauricio de Sousa viveu, a partir de looks pretos que remetiam ao estereótipo noir que é dada à profissão. As referências ao cartunista foram singelas a ponto de se tornarem difíceis de serem reconhecidas, resultando em uma coleção pouco criativa quando comparada a outros trabalhos de Caetano.
Santa Resistência
A Santa Resistência apresentou a coleção Manifesto Ancestral nesse sábado (19/10), durante a 58º edição do São Paulo Fashion Week. Inspirada nas tribos Maasai, que vivem no Quênia e na Tanzânia, as criações refletem uma jornada de autodescoberta e pertencimento, com a união de tradição, sustentabilidade e inovação.
Sob a direção criativa de Mônica Sampaio, a linha destaca a fusão entre a estética contemporânea e a majestade cultural dos Maasai. Peças sofisticadas, como vestidos, saias e jaquetas, foram elaboradas com tecidos sustentáveis, como algodão 100%, seda de algodão, linho e couro de tilápia, que, pela primeira vez, possui rastreabilidade via QR Code.
O mais interessante sobre a construção dessa coleção é que a marca trabalha diretamente com coletivos de costureiras, que envolvem oito famílias e até 90 pessoas de forma indireta. Contudo, a passarela se transformou em um verdadeiro espaço de celebração, o que evidenciou o papel da moda como um instrumento de inclusão e identidade.
Cada peça carrega em si uma história e uma herança cultural africana, ao mesmo tempo que vai ao encontro de um futuro sustentável e consciente. A coleção é uma reflexão à resistência e ao poder da moda em contar histórias que transcendem o tempo e conectam gerações.
The Paradise
Para esta temporada da semana de moda nacional, a marca carioca The Paradise faz uma imersão no encantador universo da Disney, com uma coleção que celebra os 90 anos da primeira aparição do icônico Pato Donald.
O resultado? Roupas criativas e autorais, que não se restringem apenas ao Pato Donald, mas também homenageia outros clássicos do universo Disney, como Cinderela, Princesa Aurora, Peter Pan, Mickey, Minnie, Pateta, Tio Patinhas e Zé Carioca. As peças trazem à tona a diversidade e a riqueza desses personagens que marcaram gerações.
A The Paradise ainda apresentou, pela primeira vez, uma linha de bonés. Entre os quatro modelos lançados, destacam-se o design com as icônicas luvas do Mickey fazendo um coração e uma versão com o clássico logo da companhia.
A coleção em si representa um diálogo harmonioso entre a fantasia e a moda contemporânea. A passarela se transformou em um conto de fadas moderno, no qual o escapismo é o protagonista.
Isaac Silva
A estilista Isa Isaac Silva festejou uma década de trajetória com a coleção Celebrações, apresentada nesse sábado (19/10). Com o lema inspirador “Acredite no seu axé”, as peças transmitem uma mensagem de otimismo e empoderamento.
A nova linha da marca se destaca pelo compromisso com a sustentabilidade, por meio do uso de tecidos ecológicos. As criações incluem jaquetas, camisas e macacões. As cores predominantes nos visuais desfilados foram bege, branco, dourado e preto, o que resultou em uma estética sofisticada, mas ainda cool (descolada, em tradução livre).
Cada peça apresentou uma narrativa visual que destacou a essência da estilista, exaltando não apenas a moda, mas também uma mensagem de esperança, otimismo e inovação que permeia a trajetória dela. O desfile foi uma celebração — como o nome da coleção já diz — de estilo, criatividade e compromisso com um futuro mais consciente e inclusivo.
Amapô Jeans
A Amapô Jeans retornou às passarelas brasileiras nesta temporada do SPFW com um desfile que reafirmou o status da marca como uma referência do jeanswear premium. Após celebrar 20 anos de história na última edição, a marca apresentou uma nova coleção composta por 25 looks.
O ponto alto do desfile foi o uso de tecidos diferentes, como o Hemp Denim Maresias, feito com fibras de cânhamo, e o Ilhéus da Vicunha, composto por 90% de matéria-prima reciclada. Outros tecidos inovadores, como o Intensity Light, Soul e Hidro Denim da Paraguaçu Têxtil, se destacaram por não terem anilina no processo de tingimento — escolha que reduziu ainda mais o impacto ambiental da nova linha.
Aa marca apresentou peças clássicas em novos formatos, como a calça Super Wide Leg, que exibe uma silhueta oversized, e apostou ainda no retorno das calças boca de sino e jaquetas, elementos atemporais do jeanswear que carregam o DNA da Amapô.
David Lee
David Lee exibiu uma narrativa potente e poética para o São Paulo Fashion Week N58 com a coleção Leste, Oeste. Com mais de uma década de história, a marca utilizou o trabalho manual para resgatar a alma do artesanato nordestino.
A nova linha é um tributo à genialidade das mãos que constroem o imaginário da região, desde o sertão até o litoral. Rebordada ou aplicada, as rendas tradicionais, como o bilro e redendê, apareceram como protagonistas na passarela.
O crochê, elevado a uma nova dimensão criativa, é apresentado com materiais inesperados, como a corda náutica. Para David Lee, o destaque vai além da peça final; o foco está no processo e na arte de fazer. A alfaiataria clássica, em contraste com as peças em couro sintético, também se sobressai — ela incorpora a bravura e o simbolismo dos jangadeiros, figuras heroicas da cultura nordestina.
À La Garçonne
A coleção 02-24 marcou o retorno da À La Garçonne ao SPFW, com um desfile minimalista, explorando brilhos e formas geométricas, além do preto e branco. A abordagem deu a visão brasileira de uma das principais tendências vistas nas semanas de moda europeias e de Nova York.
O casting do À La Garçonne foi um dos mais diversos do SPFW N58, englobando corpos de diferentes medidas. “Meu maior público consumidor hoje são homens com corpos variados, que vão além do apresentado na passarela, foi importante homenagear esse cliente no desfile”, compartilhou o diretor criativo da marca, Fábio Souza Herchcovitch, em comunicado.
O designer apostou em transparência e sobreposições para a criação de uma coleção minimalista, sem novidades mirabolantes, mas extremamente autoral, graças ao padrão xadrez, aos enfeites prateados e às bolsas assinadas pela marca.
Dendezeiro
Misturando streetwear e alfaiataria, a marca baiana Dendezeiro buscou referências no sertão nordestino para o desenvolvimento da coleção Brasilianos, apresentada no SPFW, pelas mãos e mentes de Hisan Silva e Pedro Batalha. “Muitas pessoas têm a ideia de que o sertão teve um início, um meio e um fim. Em Brasilianos, a gente discute muito sobre isso, de que o sertão tem muitas outras possibilidades”, afirma Hisan à coluna.
A Dendezeiro foi um grande destaque no evento por abordar uma moda intrinsicamente brasileira, baseadas em suas vivências e com aprofundamento nas técnicas manuais locais, como conta Batalha: “O sertanejo construiu sua identidade por meio do manual, e nós sempre trouxemos técnicas que se tornaram características da marca. Nessa coleção, exploramos ainda mais, tem a serigrafia, a construção de peças de miçanga e madeira. O manual tem uma história autoexplicativa”.
Lino Villaventura
O domingo do SPFW N58 foi encerrado com o grandioso desfile de Lino Villaventura — grandioso nas expectativas, na trilha sonora e na opulência da nova coleção. A apresentação foi marcada pelas tradicionais formas esculturais das peças da etiqueta, dessa vez com o emprego de diferentes tecidos, mais leves do que estamos acostumados ao falar de Villaventura.
O ineditismo, contudo, se limitou a poucas peças. O designer apresentou um trabalho minucioso e feito com capricho, porém seguro e pouco ousado. Esteticamente agradável, a coleção mostrou o paraense em sua forma real, provando sua experiência e com apego ao que o nome Lino Villaventura já construiu na moda brasileira.
SPFW N58
Entre 14 e 21 de outubro, o São Paulo Fashion Week N58 movimentou a moda nacional, com desfiles no shopping Iguatemi São Paulo e no Pavilhão de Culturas Brasileiras no Parque Ibirapuera. O evento reuniu apresentações de etiquetas de grande relevância no país e mostrou estilos que podem definir tendências do presente e do futuro.