Saiba quais clientes e produtos mantêm a moda durante a pandemia
Durante o isolamento social, gerações Y e Z preservam o hábito do consumo por meio de promoções, produtos de marcas menores e loungewear
atualizado
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Em estudo publicado recentemente, pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, apontam que o isolamento social pode ser necessário até 2022. Nesse contexto, sem qualquer certeza sobre quando poderá reabrir seus pontos físicos, a indústria têxtil tem mirado nos produtos mais procurados pelos consumidores que ainda investem no setor.
O surto da Covid-19 e o distanciamento físico imposto para conter o avanço da doença mudaram rapidamente as relações de consumo. Enquanto nos Estados Unidos o tráfego no varejo despencou 98%, segundo dados das companhias Cowen & Co. e Bloomberg Intelligence, no Brasil, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção calcula uma queda de 80% nas receitas movimentadas pelo segmento.
Nem mesmo os e-commerces têm aliviado os problemas do ramo. Um levantamento da Earnest Research concluiu que as vendas on-line de roupas e acessórios caíram 23% nas duas últimas semanas de março.
Para tentar diminuir os impactos do isolamento social, empresas inundam e-mails com anúncios de itens vestuário. Há quem esteja aproveitando as promoções, mas, passada a compulsão por alimentos não perecíveis e produtos de limpeza, os consumidores agora estão dispostos a investir no universo domiciliar.
Lar doce lar
Comparando as pesquisas feitas na Amazon entre a última semana de janeiro e a última semana de março, a empresa de consultoria Profitero descobriu que as buscas por “mesa de cabeceira” aumentaram 300% no e-commerce.
A procura por “máquinas de pão” atualmente é 13 vezes maior, ao passo que produtos relacionados a “treino em casa”, “jardinagem” e “pintura de parede” já ultrapassam um crescimento de 50% no fluxo de pesquisas.
Todavia, não se sabe até quando as demandas do e-commerce poderão ser atendidas. À medida que a Covid-19 avança, os estoques da empresa estão começando a fechar. Na semana passada, 10 dos armazéns da Amazon tiveram funcionários que testaram positivo para coronavírus.
Os sites Wirecutter e The Strategist, duas plataformas de recomendações e testes de produtos disponíveis na internet, registraram um aumento considerável de leitores desde que o isolamento começou. “Estamos vendo um crescimento exponencial no tráfego, mais do que nunca”, afirmou Jason Chen, vice-editor do Wirecutter, ao Yahoo Finance.
De acordo com ele, itens como termômetros digitais, esterilizadores, aspiradores, massageadores pessoais, purificadores de ar, artigos para exercícios físicos, travesseiros e utensílios de cozinha são os mais populares, assim como objetos que melhoram as experiências do home office.
Uma alta considerável nas vendas de mesas, monitores de computador, cadeiras ergonômicas e webcans mostra que as pessoas estão realmente investindo em seus ambientes de trabalho em casa, já que não há uma previsão de quando poderão voltar aos escritórios.
Embora os dois portais não foquem nos segmentos de moda e beleza, máscaras capilares, produtos de skincare e itens de loungewear, como leggings, pijamas, chinelos e roupões, têm sido consultados com frequência no cenário atual.
A vez dos pijamas
Na moda, o segmento loungewear tem sido o mais beneficiado durante a pandemia, de acordo com a empresa de marketing Edited. Nos EUA, as vendas de pijamas, chinelos e tricôs subiram 13% em relação a março do ano passado. Na Adore Me, marca de lingeries que compete com a Victoria’s Secret, o sutiã mais vendido perdeu seu posto de best-seller para um pijama.
Até pouco tempo, os executivos da empresa não faziam ideia de como lidar com as novas sensibilidades dos consumidores, mas uma pesquisa feita com os clientes da label sanou o problema.
A companhia perguntou qual postura deveria ter e o que as pessoas estavam precisando durante este período. O e-mail recebeu 2,5 mais respostas que o comum, agradando 90% dos receptores, em comparação aos 60% normalmente registrados pela Adore Me. “Tivemos uma resposta enorme, porque tratamos os clientes como seres humanos”, afirma Ranjan Roy, chefe de conteúdo da marca, ao Vogue Business.
Com o verão prestes a chegar no Hemisfério Norte, as vendas da etiqueta deveriam estar voltadas à moda praia. Porém, como ninguém planeja sair de férias por conta do isolamento, o comércio de biquínis e maiôs tem sido bem abaixo do esperado. O movimento 20% maior nas compras de loungewear estão salvando o primeiro semestre da label.
Mercado de luxo
Até certo ponto, o segmento de luxo não pode reclamar. De acordo com a Qubit, plataforma que rastreia 500 milhões de compradores para empresas como LVMH e Net-a-Porter, as vendas on-line do setor cresceram 2% em março de 2020.
O dado, porém, não compensa as perdas do comércio físico. A LVMH espera uma queda de receita de até 20% em seu primeiro trimestre, enquanto a concorrente Kering prevê uma baixa de 14%.
Na camada intermediária, o cenário do luxo acessível é um pouco mais complicado. Os ganhos do setor caíram 92%. “Os clientes, que compram itens que custam entre US$ 400 e US$ 800, são mais afetados pela potencial recessão. Eles estão mais cautelosos em relação à sua receita”, diz Graham Cooke, executivo-chefe da Qubit, ao Business Of Fashion.
Lojas de departamento
As grandes multimarcas da indústria têxtil tiraram o foco das roupas para privilegiar produtos domésticos e de bem-estar. A página inicial da Nordstrom encaminha os compradores para a seção “Lar Aconchegante”, na qual os clientes se deparam com moletons, velas perfumadas e hidratantes.
A Neiman Marcus promove suas roupas de cama e pijamas, enquanto lojas como Macy’s, Bloomingdale e Bergdorf Goodman investem em campanhas de descontos. No Brasil, Riachuelo e Renner seguem o fluxo, apostando todas as suas fichas em suas linhas para casa e roupas confortáveis.
Hora de tricotar
O surto do novo coronavírus tem sido um estimulo para as pessoas aprenderem a tricotar. A We Are Knitters, uma vendedora on-line de suprimentos e cursos de tricô, observou que as vendas de seus kits para iniciantes são sucesso em vários países.
Apenas nos EUA, os lucros da empresa aumentaram 270%, enquanto Espanha, França e Reino Unido também se tornaram mercados rentáveis para o comércio de aviamentos e moldes.
Salvas pela juventude
Recentemente, o Conselho de Estilistas da América lançou uma ação com o intuito de arrecadar fundos para as pequenas e médias empresas filiadas à organização. Porém, a verba do programa deve beneficiar mesmo as marcas de porte intermediário.
Etiquetas menores e independentes, como Chinatown Market e Fall Risk, estão sobrevivendo bem ao período, graças à geração Z e ao comércio eletrônico. Dan Altmann, dono da label de Los Angeles, acredita que seu inventário ágil e a produção em lotes, diferente do modelo sazonal praticado pela maioria das grifes, também colabora com o bom momento da marca.
“Como empresa, o vírus nos forçou a focar nas redes sociais. As lojas não estão abertas, o atacado está em pausa, mas estamos colocando tudo o que temos nas pessoas em casa, oferecendo conteúdos e produtos diferenciados”, disse Altmann ao Business Of Fashion. A programação das últimas semanas trazem ações como tutoriais de tie-dye e uma aula de boxe ao vivo.
Na Fall Risk, outra pequena marca, os negócios também não foram afetados pela pandemia. “Nosso modelo de negócio nos torna menos vulneráveis. Posso focar nos produtos mais vendidos, permitindo agilidade no inventário”, revela o fundador da etiqueta, John Targon.
Quem está comprando?
De fato, os clientes mais jovens estão mantendo a economia. De acordo com dados do Afterpay, um serviço que provê parcelamentos para compras on-line, 70% de todas as negociações feitas pelos clientes da empresa desde o início do isolamento são das gerações Y e Z.
Os praticantes do home office também estão estimulando o comércio durante o expediente. Segundo uma pesquisa publicada pela plataforma de atendimento ao cliente Hero, as vendas on-line feitas das 9h às 18h aumentaram 52% em relação a março do ano passado.
Enquanto isso, os usuários das redes sociais, que hoje passam o dobro do tempo em seus feeds, são atingidos por uma maior quantidade de propagandas. O The Strategist, da New York Magazine, afirma que o número de pessoas que fecha uma compra por meio de um anúncio visto no site cresceu consideravelmente.
Vale a pena comprar agora?
Enquanto algumas pessoas não veem sentido em adquirir algo que não vão usar por enquanto, outras optam por praticar a terapia das compras para rebater a solidão e o tédio do autoisolamento.
Ainda assim, consumir nas atuais circunstâncias envolve dilemas éticos. Se, por um lado, comprar on-line fomenta a exposição de alguns trabalhadores ao coronavírus, por outro, investir em marcas e estilistas que você acredita também pode fazer sentido.
“O hábito de comprar mudou para mim. Antes, soava frívolo, algo digno de culpa. Mas agora, em meio a tantas pessoas que precisam de apoio, me sinto incentivado a gastar dinheiro, no intuito de ajudar as empresas locais”, defendeu Jason Mai, jovem de 24 anos que virou cliente assíduo da Bows and Arrows e da Oaklandish, em São Francisco.
Colaborou Danillo Costa