Saiba por que o fenômeno “revenge buying” gera filas na reabertura de lojas
O chamado “consumo de vingança” levou uma butique da Hermès a faturar US$ 2,7 milhões no dia em que reabriu
atualizado
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O comércio de diferentes estados brasileiros reabriu para serviços não-essenciais há algumas semanas. Em países como China e França, clientes formaram filas na porta de lojas do setor de luxo, como Hermès e Louis Vuitton. No primeiro dia da volta de shoppings em São Paulo e Brasília, por exemplo, também houve filas. O retorno da movimentação do varejo físico reacendeu o conceito chamado revenge buying (ou revenge spending), quando há um consumo massivo e repentino depois de um momento de privação da experiência de comprar.
Vem comigo entender o fenômeno e por que ele acontece!
Como surgiu o conceito de revenge buying
O conceito começou a ser usado na China, nos anos 1980, quando os consumidores passaram a ter acesso a produtos estrangeiros, quanto esses eram uma procura reprimida. Isso ocorreu depois que o mercado do país foi aberto para empresas do exterior, em 1976. Por lá, o comportamento ficou conhecido como “baofuxing xiaofei” e se popularizou pelo termo revenge buying, ou revenge spending, que vem do inglês e significa “consumo de vingança”, ou “compra por vingança”.
Agora, dado o contexto da pandemia, a ideia voltou à tona e especialistas ficaram alertas a um possível retorno do fenômeno com a reabertura do comércio, depois que alguns países determinaram a liberação. Na China, por exemplo, houve aumento do consumo, especialmente no mercado de luxo.
Teoricamente, isso ocorreria pelo desejo dos consumidores de compensarem as compras que não puderam fazer por causa do fechamento do varejo físico. Para analistas, inclusive, a expectativa pelo comportamento massivo seria a chance de dar início à recuperação da crise atual. Muito se questionou se o revenge buying seria a salvação do setor de luxo em alguns mercados mundiais.
Exemplos recentes
No sul da China, uma butique da marca francesa Hermès vendeu o equivalente a US$ 2,7 milhões (mais de R$ 14 milhões) no primeiro dia de reabertura, em abril. Ainda no continente asiático, em maio, clientes se juntaram em lojas da Chanel na China e na Coreia do Sul antes do aumento nos preços de artigos de couro, anunciado pela grife, provocado por conta do coronavírus.
O movimento foi visto em lojas da Chanel de países como Holanda e Suíça. A França teve aglomerações na porta de butiques da Zara e da Louis Vuitton. Em ambos os casos, a euforia foi tanta que os clientes esqueceram de manter uma distância mínima das pessoas ao redor, prática que reduz a possibilidade de contágio pelo Sars-CoV-2. Como estabelecimentos estão medindo a temperatura dos clientes na entrada, isso também contribui para a formação de filas.
No Brasil, houve exemplos do fenômeno em escala menor. Entre eles, um caso de grande repercussão na reabertura dos shoppings em Blumenau (SC), no dia 22 de abril.
“O shopping Neumarkt teve filas de consumidores que esperavam para entrar no estabelecimento. A situação acabou de tornando icônica, pois o shopping ainda preparou uma recepção com tapete vermelho e música ao vivo”, cita Lyana Bittencourt, diretora executiva do Grupo Bittencourt, consultoria especializada no desenvolvimento, gestão e expansão de redes de negócios.
Por que o revenge buying acontece
O revenge buying ocorre como resultado da privação do consumo que pode acometer algumas pessoas, explica Lyana Bittencourt. No entanto, é um fenômeno que não dura muito e não ocorre da mesma maneira em todos os lugares. “É importante estar atento, porque, em alguns casos, pode ser mais um sintoma de descontrole financeiro do que uma tendência de comportamento observada em diversos mercados de forma simultânea”, observa, em entrevista à coluna.
“A partir do momento da reabertura do comércio e da normalização da situação nas cidades, a tendência é que as coisas se acomodem e as pessoas voltem ao seu comportamento de compra regular, sem a euforia inicial que pode aparecer em alguns mercados”, aponta. No Brasil, ela acredita que essa “volta à normalidade” será mais lenta. Além disso, ela explica que não foi o revenge buying que motivou o crescimento do varejo on-line. “As pessoas tinham somente essa opção de compra e o fizeram de forma recorrente”, explica Bittencourt.
Na visão do consultor de varejo Marco Quintarelli, o consumo funcionou como uma válvula de escape para aqueles que não toleravam mais o isolamento. Porém, na avaliação dele, o motivo das aglomerações nas lojas físicas vai além disso. O especialista, que também estuda o comportamento do consumidor, diz que a indulgência, no Brasil, foi maior em relação aos serviços que ficaram restritos, como bares, restaurantes e salões de beleza.
“O que eu observo não é nem a compra. Visitei a reabertura de shoppings e percebi que as pessoas queriam sair de casa, ver produtos e coisas novas”, analisa. “Elas estão querendo se beneficiar, se presentear. No primeiro dia, os shoppings estavam muito movimentados, mas eram mais de pessoas vendo as coisas. A sensação de poder ir e vir”.
Dessa forma, a resposta às aglomerações nos estabelecimentos estaria mais ligada à experiência. “É o grande mote do varejo físico. As novas gerações são muito ligadas à compra on-line, mas ainda existe muita gente com uma relação de consumo pela experiência de compra, de escolher o produto”, diferencia.
Quem se beneficia com o “consumo de vingança”?
Comerciantes consideram o “consumo de vingança” como uma oportunidade de atingir um alto fluxo de vendas, de forma intensa, em um curto período de tempo. Para eles, é algo bom, mas exige preparo, com antecedência.
Quanto aos consumidores, a sensação de se dar uma “recompensa” depois de enfrentar uma situação difícil, como o isolamento social, pode satisfazer os desejos, mas também virar uma cilada. É recomendável observar a situação financeira e, no caso de compras em lojas físicas, tomar as precauções devidas.
Quero me dar uma recompensa. Quais cuidados devo tomar?
Para quem está disposto a se dar um “mimo” com a reabertura do comércio, é importante lembrar que o cenário econômico ainda é muito incerto. “Neste momento, o indicado é que as pessoas cuidem de seu fluxo de caixa pessoal, mantendo apenas despesas essenciais e postergando investimentos maiores”, recomenda Lyana Bittencourt. O cuidado deve ser ainda maior para quem corre o risco de ficar endividado no caso de recessão ou perda do emprego, por exemplo.
Marco Quintarelli explica que o impulso de compra é muito ligado à visualização do produto. Por isso, a consciência é uma das principais estratégias para não pisar em falso durante a pandemia. Uma sugestão é se fazer alguns questionamentos. “Estou há 100 dias em casa, preciso ir ao shopping? O que eu perdi durante a pandemia?”, indica.
Atualmente, a solução para o funcionamento do comércio, na visão do consultor, é uma via de mão dupla: os estabelecimentos devem seguir os cuidados necessários, mas os consumidores também precisam usar o bom senso. Grande parte da experiência de compra, inclusive, nem precisa ser no espaço físico.
“As lojas têm a faca e o queijo em mãos. Elas têm os canais omnichannel, várias redes sociais, link direto com o consumidor e podem se preservar em relação à biossegurança. Em muitas empresas, você compra na internet e retira na loja. Isso é uma característica positiva para um e para outro”, considera Quintarelli.
Colaborou Hebert Madeira