Saiba como a pandemia de Covid-19 afetou a indústria de peles animais
O sacrifício de milhões de visons, devido à propagação do novo coronavírus, impactará o mercado em proporções inesperadas
atualizado
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O uso de peles na moda é uma questão polêmica, mas continua movimentando uma indústria baseada nessa matéria-prima. Neste ano, como vários outros setores, a criação de animais para produção de pele de mamíferos foi afetada pela pandemia de Covid-19. Recentemente, a Dinamarca ordenou o sacrifício de seus mais de 17 milhões de visons criados para essa finalidade. A decisão foi tomada porque cientistas detectaram, em pelo menos 12 pessoas, uma mutação específica do novo coronavírus transmitida por esses animais. Descobriu-se que eles pegaram a doença de seres humanos e são capazes de reproduzi-la rapidamente entre si, além da possibilidade de contaminarem pessoas. A preocupação dos cientistas e autoridades é que essa mutação possa prejudicar o efeito das vacinas em potencial.
A BBC informa que mais de 10 milhões visons já foram abatidos na Dinamarca, maior criador dessa espécie para extração da pelugem. Ameaçada, a indústria de peles na Europa voltou a ser um holofote da atenção pública. Vem comigo saber como a produção de peles por lá foi afetada com a decisão!
Situação dos criadores na Europa
De uma hora para outra, a criação dos visons, cuja pele é aproveitada em jaquetas, casacos e golas de roupa, transformou-se em uma ameaça para a saúde pública. No início de novembro, a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen anunciou que todos esses animais do país deveriam ser sacrificados para evitar as mutações. Com isso, os produtores terão uma compensação do governo.
A notícia gerou protestos em cidades como Copenhague, Aalborg e Aarhus. Posteriormente, o governo admitiu que a decisão foi apressada e não foi tomada com amparo legal.
Além das 12 pessoas contaminadas com a variação do vírus “Cluster 5”, na Dinamarca, outras 200 tiveram cepas do Sars-Cov-2 relacionadas aos visons, sem falar nas mutações que os animais desenvolveram entre si. Segundo a BBC, o novo coronavírus já chegou a cerca de 1/4 das mais de mil fazendas criadoras de vison na Dinamarca.
Entre os rebanhos infectados, 288 foram sacrificados. Depois de mortos, eles são enterrados em valas cavadas no campo. A obrigação do abate vale até mesmo para aquelas com animais saudáveis, onde não houve incidência da Covid-19. Nesses, a expectativa é que as criações já tenham sido eliminadas em sua maioria.
Vale destacar que os casos de infecção do novo coronavírus em visons não ocorreram só na Dinamarca, onde quase toda a indústria de peles foi praticamente exterminada por causa dessa situação. A Holanda, quarto maior produtor de peles de vison no mundo, registrou uma infecção do Sars-CoV-2 no animal pela primeira vez em abril.
Nos Países Baixos, a produção de pele está com os dias contados: será proibida a partir de 1º de março de 2021, adiantando uma meta que estava prevista apenas para 2024. Desde meados de junho, países como Espanha, Estados Unidos, Itália e Suécia também tiveram incidência do coronavírus entre visons. Naquele mês, houve o sacrifício de mais de 500 mil visons na Holanda. Já na Espanha, em julho, quase 100 mil visons foram sacrificados depois que muitos deles pegaram o novo coronavírus.
A agência alemã Deutsche Welle aponta que visons, somados às raposas, cãos-guaxinins, coelhos e outras espécies, totalizam mais de 95 milhões de animais que são criados e abatidos para extração de pele, segundo a Vier Pfoten, organização que trabalha na proteção de animais.
Como resultado dos massacres, pelo menos na Dinamarca, 6 mil empregos estão ameaçados. Agora, profissionais do setor temem que os criadores não se recuperem, ou precisem de 15 a 20 anos para chegar à mesma qualidade da pele. Consequentemente, existem comunidades que dependem dessa indústria. “Este é o fim do nosso negócio com a agricultura de vison, não poderemos recomeçar”, contou o fazendeiro Martin From à BBC.
Concorrência com outros países
A Dinamarca, responsável por 1/4 do comércio de visons no mundo, produziu 17,7 milhões de peles em 2018, de acordo com informações da UN Comtrade e da Fur Europe. Disparadamente, o país ocupa o primeiro lugar entre os produtores de pele do continente, que também reúne Polônia (5,1 milhões), Finlândia (4,51 milhões), Países Baixos (4,5 milhões), Lituânia (1,23 milhão) e Grécia (1,2 milhão). Nesse período, 24 países europeus operavam 4.350 fazendas de pele.
China, Estados Unidos, Canadá e Rússia também são produtores significativos, enquanto países como Áustria, Japão e Reino Unido proíbem o cultivo de peles. Bélgica, França e Noruega pretendem ir pelo mesmo caminho. Na Alemanha, não existe uma legislação que proíba a criação de animais para essa finalidade, mas as exigências são tão rigorosas que a última fazenda fechou em 2019.
A Ásia representa de 35% a 40% das vendas de peles no mundo, com China e Hong Kong ocupando as primeiras posições, respectivamente. Só em 2019, a China comprou 25 milhões de peles, incluindo produtos oriundos da Dinamarca e de outros países. O país importa uma grande quantidade de pele e também produz significativamente. Outro mercado relevante na Ásia é a Coreia do Sul.
A demanda na China continua alta, mas o futuro que aguarda a indústria das peles de animais ainda é incerto. O que se sabe é que, em números, houve uma queda nos últimos anos, apesar de instituições como a British Fur Trade Association e a casa de leilões Saga Furs apontarem que os consumidores estão voltando seus olhos para esse tipo de produto.
O valor das vendas globais, por exemplo, diminuiu de US$ 40 bilhões para US$ 33 bilhões entre 2015 e 2018. Já o preço de um exemplar de pele de vison, que custava 59 euros há 7 anos, valia apenas 19 euros em setembro deste ano.
“Com o impacto do coronavírus na produção europeia, a expectativa é que os compradores passem a investir no mercado de visons na China”, opinou Mark Oaten, presidente-executivo da International Fur Federation (IFF), à BBC. Segundo ele, o abate dos animais na Dinamarca fez os preços dispararem, já que o público está preocupado com a possível escassez do produto.
A Kopenhagen Fur, maior casa de leilões de peles do mundo, também sucumbiu à crise. A empresa anunciou que passará a fechar durante dois ou três anos. Mesmo antes da pandemia, no entanto, existia era um excesso na oferta, em relação à demanda. Em 2013, por exemplo, a Kopenhagen Fur tinha uma produção de US$ 4,3 bilhões disponível, mas vendeu apenas US$ 2 bilhões.
Embates com sociedades em prol dos animais
Instituições que atuam em prol do bem-estar animal encontraram, nesta crise, mais um motivo para reforçar o apelo para o fim dessas práticas. Com as campanhas do movimento fur free movimentadas por entidades que protegem os animais com finalidades éticas, diversos países já moveram esforços para proibir a produção de peles animais. Na indústria da moda de luxo, essa onda chegou a grifes como Prada, Burberry, Chanel, Gucci e Versace, que adotaram alternativas sintéticas para o uso de peles.
O que ocorreu na Dinamarca não se trata de uma proibição do cultivo de peles, mas provocou um grande impacto nesse setor. A instituição internacional Humane Society, voltada para a causa animal, acredita que essa seja uma oportunidade de ver que esta indústria precisa acabar.
“Embora a morte de milhões de visons – abatidos por causa da Covid-19 ou mortos para obter peles – seja uma tragédia para o bem-estar dos animais, os produtores de peles terão agora uma oportunidade clara de se afastar desta indústria cruel e moribunda. Convidamos o governo dinamarquês a ajudar os produtores de peles na transição para outras atividades”, disse Joanna Swabe, diretora sênior de relações públicas da Humane Society, ao WWD.
Colaborou Hebert Madeira