Saiba como a geração Z impacta a moda e influencia as marcas
O público atual carrega inspirações em consumidores mais velhos, mas tem novas prioridades e demanda responsabilidade social
atualizado
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Cada geração tem peculiaridades, costumes e padrões. Além disso, é normal que as mais recentes quebrem paradigmas e estereótipos das anteriores. Quando se trata de moda, a sociedade caminha em um ciclo formado por trocas: o que era novo fica obsoleto rapidamente, mas, ao mesmo tempo, o atual pode ser vintage.
No momento, marcas clássicas querem inovar, porém sem perder a própria identidade. Isso também acontece com os consumidores: a geração Z (formada por pessoas que nasceram depois de 1996) adquiriu o poder de compra e se tornou um foco em potencial para o mercado. De onde vem a inspiração e como se comporta esse público que é tão disruptivo e digitalmente conectado?
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Conhecida como “geração esquecida”, a X é a menos representada em publicidades e lembrada pelas marcas. Espremidos entre baby boomers (quem nasceu entre 1946 e 1964) e millennials (de 1980 a 1996), os nascidos entre 1965 e 1979, ao longo dos anos, quiseram se desvincular de tradições, mas, ao mesmo tempo, não acompanharam com tanta veemência os avanços tecnológicos.
No entanto, para a pesquisadora Georgia Castro, é possível dizer que a geração Z resgata ou se inspira em ideias da geração X, que também está em constante evolução. “Hoje, tanto a geração X quanto a geração Z têm em comum a facilidade de acesso às redes sociais e isso ajuda no seu acesso à informação”, pondera.
“Uma característica interessante a ser considerada é que ambas também se apresentam como clientes fidelizados às marcas cujos princípios se apresentam coerentes com seu perfil”, completa a Coordenadora do Laboratório de pesquisa e em Design, Indumentária e Moda da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista à coluna.
Além disso, a geração X é responsável pela maior parte das decisões das famílias. Afinal, hoje, essas pessoas têm de 40 a 54 anos. Ou seja, foram elas quem deram vida e diariamente influenciam os consumidores em potencial (geração Z). Por isso, o universo fashion permite um palpite de que essa relação pais e filhos impulsiona a volta de estilos usados nos anos 1980 e 1990 (períodos no qual a geração X cresceu).
Os consumidores de até 22 anos são impactados por Kylie Jenner, por exemplo. Parte da geração Z, ela dita tendências e se tornou a bilionária mais jovem do mundo.
A caçula da clã Kardashian é adepta a várias tendências eternizadas pela geração X. Nos visuais de beachwear, ela curte uma pegada vintage com modelos asa delta. Recentemente, a influencer usou, inclusive, um biquíni da Chanel lançado em 1994.
A cantora Billie Eilish é outra sensação do momento. Admirada por muitos jovens e adolescentes, a artista, de 17 anos, tem um estilo street. Aposta em peças largas e sobreposições, que dão um toque rapper das décadas de 1980 e 1990. Também se joga no mood neon.
Outra referência da geração Z é o BTS. O grupo de K-pop, formado por performers que têm entre 21 e 26 anos, conquistou milhões de fãs pelo mundo. Eles misturam a estética urbana com a vintage. Com inspiração nos anos 1990, investem em bomber jackets, calças de cintura alta e suéters.
Novo público
Consumidores da geração Z chegaram há pouco ao mercado, mas são formadores de opinião e um foco em potencial. As empresas estão cientes desse movimento. Sendo assim, as labels vêm tornando o novo público como parte da estratégia de negócios.
Segundo a pesquisadora Georgia Castro, as grandes marcas nacionais e internacionais têm perseguido os novos modelos de consumo para se adaptarem. “Torna-se uma questão de sobrevivência em um mercado tão competitivo. Mostrar-se apta aos novos tempos e às novidades imprime um frescor e uma flexibilidade que encanta os novos consumidores da geração Z”, destaca a professora da UnB.
A Pandora, por exemplo, recentemente convidou Millie Bobby Brown, de 15 anos, para ser sua embaixadora. A atriz interpreta Eleven, de Stranger Things, e trabalhou com etiquetas como Converse, Calvin Klein e Moncler.
A joalheria mirou em uma das estrelas de Stranger Things com o objetivo de atingir o público adolescente. “Millie Bobby Brown é a embaixadora perfeita para a próxima geração de joias da Pandora, que permite que mulheres mais novas se expressem. Não é apenas uma atriz talentosa com presença como uma voz para sua geração, ela também traz uma abordagem jovem e individual para as joias, que complementa perfeitamente a visão e a criatividade da Pandora”, explicou Stephen Fairchild, diretor criativo da grife.
Desde 2018, a Tommy Hilfiger vem mostrando que está disposta a conversar com a geração Z e também com os milennials. Assumiu, então, uma pegada mais moderna, inclusiva e ousada.
O primeiro resultado da mudança foi uma colaboração com a atriz Zendaya, 22. Inspirada nos anos 1970, a coleção revolucionou o estilo das roupas, levando mais elegância para a marca norte-americana. A pedido da artista, as peças foram desenvolvidas em tamanhos mais variados, para atender a clientes com diferentes tipos de corpos.
A collab foi apresentada durante o Paris Fashion Week, na temporada de primavera/verão 2019. Além de celebrar a cultura negra, pela primeira vez a label colocou modelos plus size no desfile.
Responsabilidade social
Inserida em um mundo digital, a geração Z é inquieta e se informa sobre o que consome. De acordo com a pesquisadora Georgia Castro, eles representam um perfil de consumidor diferenciado do modelo convencional. Por isso, priorizam marcas que tenham responsabilidade social.
“Esse grupo de consumidores pesquisa a cadeia de produção de moda e as questões que envolvem o meio ambiente, a utilização do trabalho escravo, que tratam as questões de gênero de forma respeitosa, que são contra qualquer tipo de discriminação de etnia, dentre outras”, esclarece a especialista. “A geração Z é um grupo que pretende se vestir com roupas usadas, doadas ou alugadas”, acrescenta Georgia Castro.
Ao lado da procura por itens em brechós e da investida na customização, um hábito que deve ficar cada vez mais relevante na geração Z é o apelo por produtos e serviços eco e pet-friendly.
A própria Millie Bobby Brown decidiu lançar uma marca vegana de cosméticos. Nesta semana, a adolescente anunciou a criação da Florence by Mills, em sintonia com as perspectivas pessoais e o mercado atual. Todos os produtos da label de maquiagem e skincare são certificados pela organização PETA (People for Ethical Treatment of Animals).
Nascida em 1998, Paris Jackson é outra personificação das novas exigências da geração Z. Com um estilo boho, casual e despreocupado, a modelo é declaradamente feminista e ativista em prol dos animais e do meio ambiente.
No ano passado, a jovem surpreendeu com uma reivindicação em um desfile da Dior, uma das grifes mais usadas por ela em eventos. O cenário do Cruise 2019 foi um estábulo, em alinhamento com a inspiração no universo da cavalaria da coleção apresentada. No entanto, a presença de cavalos na passarela não agradou a filha de Michael Jackson.
Incomodada e sentada na primeira fila do evento, Paris deixou o local antes do término. Depois, usou as redes sociais para se explicar. “Não apoio animais sendo marcados e chicoteados. Não estou tentando me tornar uma inimiga do mundo da moda, mas sempre vou ser eu mesma”, postou.
Em geral, a indústria caminha para o banimento total do uso de pele animal em peças de vestuário e acessórios. Grifes renomadas, como Diane von Furstenberg, Chanel, Jean-Paul Gaultier e Prada, aderiram ao movimento fur free.
Além de não usar mais pele de bichos, neste ano, a Ralph Lauren relançou a camisa polo — o produto mais tradicional da marca — em uma versão sustentável. As peças são produzidas a partir de garrafas plásticas recicladas em um processo que não utiliza água.
“Quando Ralph fundou nossa companhia, há mais de 50 anos, ele o fez com a ideia de que tudo que criamos deve ser usado, amado e repassado por gerações. É com esse espírito de atemporalidade que abordados a sustentabilidade”, declarou, à época, Halide Alagöz, vice-presidente da etiqueta.
Vale destacar ainda que a Ralph Lauren aumentou em 19% os gastos com marketing no último trimestre de 2019. A meta é “reafirmar o status da marca, não apenas com os consumidores tradicionais, mas também entre os mais jovens que talvez estejam menos familiarizados com nossa oferta”, escreveu Neil Saunders, da GlobalData Retail, em pesquisa baseada no relatório de lucros da Ralph Lauren.
De acordo com a Box 1824, empresa de pesquisa especializada em tendências de consumo e comportamento, o hábito de comprar exacerbadamente é algo ultrapassado. Para a empresa, nos próximos anos, o conceito de desejo vai ser requalificado e será cada vez menos associado ao excesso.
“Os consumidores contemporâneos estão desconstruindo os padrões de comportamento de consumo desenfreado e inconsequente”, completa Georgia Castro, pesquisadora da UnB.
Se não se adequarem, as marcas realmente ficarão para trás. Além de mais engajados socialmente, os consumidores da geração Z não têm medo de insistirem nas próprias convicções.
Colaborou Rebeca Ligabue