Era #MeToo está redefinindo o sex appeal feminino. Saiba como!
Teria a moda se afastado de seus sexismos 20 meses após os protestos em Hollywood?
atualizado
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O sex appeal sempre será parte da moda, mesmo que o adjetivo sexy tenha se tornado questionável após o movimento #MeToo. Contudo, o mundo fashion começa a demonstrar um certo progresso quando o assunto são os estereótipos femininos.
Vinte meses se passaram desde que uma série de escândalos sexuais tomou Hollywood. Em termos de moda, foram quatro temporadas de desfiles internacionais com bainhas mais longas e as silhuetas mais soltas, de Nova York a Paris. A indústria têxtil, finalmente, mudou a ênfase da pele para o tecido.
Vem comigo entender essa mudança no segmento!
O primeiro impacto do #MeToo sobre a moda ficou claro há pouco mais de um ano, quando o tapete vermelho do Globo de Ouro recebeu um luto coletivo da indústria cinematográfica. O episódio foi um gesto de sororidade das mulheres de Hollywood, no auge das denúncias contra Harvey Weinstein.
Hoje, a lista de vencedores daquela noite é uma memória distante, mas o gesto das atrizes se tornou um dos momentos mais emblemáticos na luta contra o assédio sexual. Por meio dessa ocasião, o mundo foi lembrado do poder que as roupas podem agregar quando usadas em nome de uma causa, ainda mais quando Natalie Portman, Elisabeth Moss, Meryl Streep, Angelina Jolie, Penélope Cruz e Salma Hayek são as pessoas que as vestem.
Contudo, se o primeiro semestre de 2018 foi direcionado a uma série de ternos recatados, os meses seguintes foram dominados por uma reação contra a nudez na passarela. A saída de Phoebe Philo da Celine, depois de 10 anos, foi sentida pelas mulheres que se identificavam com o mood minimalista da designer, e a entrada de Hedi Slimane só inflamou os ânimos das clientes.
O sucessor na direção criativa da etiqueta francesa apresentou uma estreia dominada por vestidos de festa curtos e justos, o oposto do que a casa representava sob o domínio de Philo. As emoções ficaram exaltadas e a estética de Slimane tornou-se um para-raios para a fúria feminina.
Homens que se apoiam na sexualidade feminina para criar não são novidade na história da moda, mas o contexto atual não é mais aquele da década de 1990. Hoje, o engajamento com as novas gerações é o que move a indústria têxtil.
Se analisarmos as últimas coleções da Gucci, considerada a etiqueta mais bem-sucedida desta década, veremos que as criações da casa italiana se aproximam mais das obras de Leonardo da Vinci do que das fotos de Terry Richardson.
Recentemente, Roland Mouret abandonou as curvas que o fizeram famoso nos anos 1990 para se dedicar às pregas e cascatas aprendidas enquanto trabalhava com Yohji Yamamoto e Issey Miyake. Em seu show primavera/verão 2019, as modelos usaram emblemas em apoio ao movimento #MeToo e caminharam ao som de Natural Woman, de Aretha Franklin. Na época, o designer explicou que esta é sua nova interpretação a respeito do corpo feminino.
No meio de sua carreira como estilista, Victoria Beckham também se afastou dos vestidos justos e passou a apostar mais nas silhuetas amplas, inclusive em seu estilo pessoal. A ex-Spice Girls, que abusava dos tubinhos curtos nos anos 1990, reformulou sua imagem e hoje se tornou símbolo de elegância.
Vanessa Spence, diretora de design da Asos, confirma que a mudança é real. “O comprimento mídi tornou-se comum no vocabulário de moda. Os decotes ainda variam, mas, recentemente, temos visto mais foco nas costas. Sexy não é mais um adjetivo que permeia apenas o universo feminino, e isso certamente é uma coisa boa”, disse ao The Guardian.
O relacionamento entre sexo e moda sempre existirá, mas o #MeToo estimulou uma conversa sobre limites saudáveis em torno da nudez e da exposição. Durante muito tempo, foi perfeitamente aceitável que modelos nuas compartilhassem o backstage dos desfiles com fotógrafos, jornalistas e amigos de estilistas. Mas, um ano atrás, a Semana de Moda de Nova York (NYFW) decidiu investir em áreas privadas para a troca de roupas.
Tal medida só foi possível graças ao apelo de profissionais, como a britânica Edie Campbell. Durante a London Fashion Week de setembro passado, a modelo falou à BBC Radio 4 sobre como a falta de privacidade em alguns shows é “bizarra, desconfortável e humilhante”. A declaração iniciou um debate para que a Semana de Moda britânica siga os passos do NYFW.
No início de novembro, quando as modelos da Victoria’s Secret entraram na passarela com a adorada fórmula de peitos saltitantes, asas de anjo e calcinhas mínimas, o tiro da gigante das lingeries saiu pela culatra. O desfile de moda mais famoso do mundo foi recebido com desprezo e críticas, impactando diretamente as vendas da marca, que anunciou o fechamento de mais de 50 lojas neste ano.
Para a primavera de 2014, Christopher Kane já havia exibido blusas com recortes que retratavam os órgãos reprodutores das flores. Em fevereiro de 2018, ele entrou no debate #MeToo com uma coleção recheada de desenhos e citações do manual The Joy Of Sex. Porém, no fim do ano passado, o designer foi mais fundo.
Para seu show de primavera 2019, ele incluiu na trilha sonora uma narração de David Attenborough sobre comportamento sexual em animais e Marilyn Monroe falando sobre como a sociedade a definiu como um objeto sexual e depois a desprezou.
“Não há tabus no meu estúdio. Para ser franco e honesto, usamos roupas para atrair membros do sexo oposto e do nosso próprio sexo. Eu sempre busco as opiniões de minha mãe e irmã, ambas feministas. Meu foco é estar consciente e desperto para o que as mulheres querem”, disse Kane após o show.
Embora alguns setores da mídia considerem essa discussão um embate, não há motivos para as mulheres se envergonharem de optar por vestidos minúsculos e reveladores. “Minha opinião, como editora da Elle, é que uma mulher moderna quer a liberdade de parecer sexy quando quer. Mas essa moda não pode ser sobre ter de usar uma saia-lápis para obter uma promoção ou um vestido decotado para deixar seu namorado feliz”, enfatizou Anne-Marie Curtis ao The Guardian.
De acordo com ela, cada imagem que entra na revista passa por lentes feministas. “Se eu estou analisando uma sessão de fotos e há uma pose que faz a modelo parecer vulnerável, não uso. Acabamos de fazer uma filmagem e havia registros que eu tirei, porque eu sempre quero que a mulher pareça a dona da imagem”, concluiu.
Contudo, tal vulnerabilidade vai muito além do tamanho de uma saia. Uma pose em que uma modelo está deitada num sofá pode projetar confiança ou vulnerabilidade, e esse efeito depende não apenas das roupas, mas também da iluminação e da expressão facial.
O mesmo minidress pode ser enquadrado como um retrato do poder feminino ou como uma imagem exploradora de uma mulher indefesa. O consumidor de moda moderno, altamente visual, está sintonizado com essas sutilezas, e é exatamente por isso que a negligência da Victoria’s Secret parece tão desalinhada em relação aos nossos tempos.
O sexo como algo não dito, como uma fragrância captada no ar, faz parte do feitiço da moda. Mas, em uma era de consentimento claro, o modo tradicional de fazer roupas pode parecer uma ressaca desconfortável de outra época. Um vestido novo não vai mudar o mundo, porém um novo olhar sobre essa peça pode fazer do guarda-roupa feminino um lugar seguro.
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Colaborou Danillo Costa