Rodrigo Rosner, da R.Rosner, fala sobre o legado de Fernanda Young
O estilista era um grande amigo da escritora, roteirista e atriz, que morreu aos 49 anos no último domingo (25/08/2019)
atualizado
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O Brasil sofreu triste perda no último domingo (25/08/2019): a escritora, roteirista, atriz e apresentadora Fernanda Young morreu aos 49 anos, em Minas Gerais. Ela foi vítima de uma crise de asma seguida de parada cardíaca.
Conhecida por escrever séries como Os Normais e Minha Nada Mole Vida, Fernanda era um exemplo de atitude e criatividade. Na moda, marcou presença com um visual punk. Pelo Instagram, Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch, Lilian Pacce, Paulo Borges, Cris Guerra e várias personalidades da moda lamentaram a perda – algumas delas eram próximas da escritora.
O estilista Rodrigo Rosner é um de seus grandes amigos que ela deixou. À coluna, o designer paulista contou como a relação dos dois evoluiu para a amizade por meio de uma oportunidade profissional. Além disso, comentou sobre suas obras favoritas e a grande lição de moda deixada pela escritora. Para ele, a importância da mensagem vai muito além do estilo.
O designer tinha o desejo de vestir Fernanda desde que começou sua própria marca, R.Rosner, em 2007. Naquela mesma época, recebeu uma produtora de moda da revista Elle em seu ateliê, para uma produção. Por meio de uma amiga, descobriu que se tratava de Miki Shimosakai, então cunhada da escritora e atriz. Ela fez a ponte até sua irmã, a figurinista e stylist Renata Young – hoje, a melhor amiga do estilista.
“Liguei para ela, falei ‘Vou fazer o tiete’, mas sou superfã da sua cunhada e queria saber se existe alguma maneira de eu mandar um presente para ela. Ela falou que quem cuidava do figurino dela era a irmã dela, Renata”, relatou. “Ela me deu o telefone, entrei em contato e estava bem no começo, era minha segunda na coleção da Casa de Criadores. Renata foi muito gentil, me pediu fotos do meu trabalho.”
Por meio da irmã, Fernanda conferiu as imagens da coleção mais recente do estilista e adorou o resultado. Foi quando surgiu um pedido para sua marca vestir a apresentadora em uma temporada inteira do programa Irritando Fernanda Young, com plateia. Rosner ficou lisonjeado pela conquista.
“Um dia, eu estava na rua, em um fim de semana. Toca meu celular, era a Fernanda. Se apresentou, falou que estava ligando para me fazer um pedido. Estava com as roupas todas ali, que iria usar no programa. Tinha um casamento para ir, mas só iria se estivesse com um vestido meu. Ela falou que ia fazer uma foto linda com o vestido”, relembra. A partir dali, a relação foi do campo profissional para uma grande amizade. “Depois, me convidou para jantar e ficamos superamigos.”
Como o amigo e admirador que é, Rodrigo leu toda a obra literária de Fernanda, da qual destaca títulos como A Mão Esquerda de Vênus, Cartas para Alguém bem Perto, Vergonha dos Pés e Aritmética. Ele acredita que Os Normais foi um marco na TV brasileira. Já na moda, ressalta sua admiração pela espontaneidade da amiga, a quem considera uma grande esteta.
“Ela tinha um olhar muito peculiar sobre todas as coisas relacionadas à beleza. Nisso, incluo a moda. Ela não tinha stylist, ninguém a vestia. Quantas vezes fiz um vestido para a Fernanda, chegava na hora, ela invertia, colocava o decote nas costas e ficava lindo. A imagem do que ela queria transmitir era sempre muito formada. Ela tinha uma irreverência, uma anarquia, um olhar punk sobre todas as coisas. Isso, certamente se refletia na maneira como ela se vestia”, observa.
Por fim, ele diz que sua maior mensagem vale não só para a moda. “Muito mais do que com o estilo, ela estava muito mais preocupada com a liberdade e isso é mais importante do que qualquer coisa”, conclui.
Trajetória
Fernanda Maria Young de Carvalho Machado nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1º de maio de 1970. Filha de Horacio Young e Leila Quintanilha, cursou letras, jornalismo e rádio & TV, mas não chegou a concluir. Em 2015, ingressou no curso de artes visuais na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).
A escritora era casada desde 1993 com o também escritor e roteirista Alexandre Machado, com quem teve as filhas gêmeas Cecília Madonna e Estela May, e adotou Catarina Lakshimi e John Gopala. O casal escreveu alguns sucessos da TV brasileira, como Os Normais, Minha Nada Mole Vida e Macho Man.
Como roteirista, Fernanda começou em 1995, na série A Comédia da Vida Privada, da Rede Globo. Na literatura, estreou no ano seguinte com o livro Vergonha dos Pés. Seu currículo de escritora inclui também obras como Às Sombras das Vossas Asas, Cartas para Alguém bem Perto e As Pessoas dos Livros. A publicação mais recente foi Pós-F, de 2018, pela editora LeYa.
Seu último roteiro de televisão foi para o Globoplay, com o seriado Shippados. Fernanda apresentou programas como o Saia Justa, entre 2002 e 2003, e Irritando Fernanda Young, talk show transmitido de 2006 a 2010. As séries Separação e Como Aproveitar o Fim do Mundo renderam a ela duas indicações ao Emmy.
Como atriz, seu primeiro trabalho foi em 1989 para a minissérie Iaiá Garcia, da TV Cultura. Participou também de Surtadas na Yoga, Macho Man e O Dono do Mundo. Em setembro, estrelaria a peça de teatro Ainda Nada de Novo ao lado da atriz Fernanda Nobre.
Estilo punk
Young era conhecida pelo humor ácido e pela sinceridade. Suas declarações polêmicas eram empoderadas e cheias de personalidade. A poesia também costumava acompanhar suas palavras. O último post de seu perfil no Instagram dizia: “Onde queres descanso, sou desejo”, verso de música de Caetano Veloso.
A mesma aura criativa surgia em suas escolhas de visual, como nos penteados, cortes e cores de cabelo. Ela passou pelos fios loiros com mechas pretas, ruivo marcante, corte pixie com fios grisalhos e aderiu até a cabeça rapada. O batom vermelho e os braços tatuados ajudavam a compor o visual punk.
Ela mesclava peças femininas com opções mais sóbrias e fechadas, rendendo um visual entre o forte e o delicado. Quando optava por terninhos e acessórios como boinas, chapéus, lenços e óculos escuros, ganhava um ar retrô e cult.
Relação com a moda
Além de Rodrigo Rosner, Fernanda era próxima de outras personalidades do universo fashion, como Alexandre Herchcovitch. Em março de 2018, ela abriu o desfile da A La Garçonne para a coleção 01-2018. Na passarela, usou um vestido midi com mangas longas e interpretou uma bibliotecária pedindo silêncio ao público.
Alguns anos antes, em 2015, ela foi conferir a apresentação de Herchcovitch no São Paulo Fashion Week com um visual que deu o que falar. Para a ocasião, apostou na androginia com um terninho preto e bigode! Ela era presença marcada na fila A do estilista, que atualmente se dedica à ALG.
Certa vez, em entrevista ao site de Lilian Pacce, elencou algumas dicas para “evitar se estressar com a moda”. Entre elas, esperar a liquidação para garimpar as peças da estação e investir em peças de designers que trabalham com a durabilidade.
No Instagram, a jornalista deixou sua homenagem para Fernanda: “O que ficará pra sempre é sua mente brilhante, ágil, seu coração generoso, seu humor inquieto tão forte quanto a sua seriedade!”.
Fernanda também estampou capas de publicações, como as revista Playboy, Inked, 19 Horas e Júnior, e estrelou ensaios, como um para a marca Adriana Barra, em 2018. Posou ainda para as lentes de fotógrafos como J.R. Duran, Jairo Goldflus e Bob Wolfenson.
Visionária e cheia de ideias a transmitir, Fernanda Young marcou a vida de quem a conheceu – seja pessoalmente ou por meio de suas obras. Sua contribuição à cultura brasileira contemporânea foi valiosa, mesmo que sua passagem de quase meio século tenha sido breve demais. Que o legado da escritora e artista seja uma inspiração para as novas gerações!
Colaborou Hebert Madeira