Rap e moda: conheça Tasha e Tracie, dupla que conquistou Gloria Groove
Com discurso forte de exaltação cultural da periferia, as irmãs gêmeas têm uma trajetória que une música e estilo
atualizado
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Em dado momento, as gêmeas Tasha e Tracie Okereke cantam na música Lui Lui, presente no EP Diretoria, o seguinte recado: “Quando ‘nós passou’ eles ‘acompanhou’ com o olho”. A lírica não poderia ser mais verdadeira, pois as irmãs gêmeas da periferia do Jardim do Peri, em São Paulo, são um desses casos que não têm como passar despercebidos. Novo fenômeno do rap nacional, elas dominam a cena com muita ousadia e altivez em tudo que produzem.
Contudo, o trabalho musical veio recentemente. Antes, era na moda que elas brilhavam. As duas criaram o blog Expensive Shit, em 2014, com a proposta de “mostrar que é possível se vestir escandalosamente bem com muito pouco”. Vem descobrir mais sobre as sensações do momento!
A união da música com a moda proporciona trabalhos relevantes e inovadores. São vários exemplos de artistas que interseccionam os dois universos no qual apresentam um resultado impecável. A história de Tasha e Tracie, de 26 anos, é um desses casos excepcionais que chegam para movimentar as estruturas.
Com um estilo autêntico, as irmãs compartilham que a moda está em todos os seus processos criativos. “Tudo o que a gente ouve, assiste, as cores que a gente escolhe, tudo tem a ver. Está tudo interligado. Caminha junto com a gente o tempo inteiro, é a nossa expressão do dia a dia”, explica Tracie em entrevista à coluna.
“Com o lançamento do novo disco, a gente via mostrar bem esteticamente as nossas eras, então tem total sincronia. As nossas músicas, e como a gente se veste, estão ligadas à memória afetiva”, acrescenta.
Não dão a mínima para as etiquetas
Crias do bairro do Jardim do Peri, Tasha e Tracie mudaram o jogo quando decidiram fundar um blog que abarcaria todas as suas vivências, referências e ideias sobre cultura e moda. O Expensive Shit foi a porta de entrada para as irmãs extrapolarem as fronteiras impostas pela desigualdade e levarem a visão da periferia mundo afora.
Desde 2014, as duas produziram diversos posts. Um dos destaques era quando garimpavam peças de brechós e davam uma nova roupagem, ensinando que “é possível se vestir escandalosamente bem com muito pouco (muito mesmo)”. Também publicavam textos a respeito de temas pertinentes para a juventude negra, como fortalecimento da subjetividade e o resgate de histórias de artistas pretos.
O espaço é dedicado a mostrar, sem medos, toda a magnitude das próprias trajetórias, como também do grupo e local que cresceram. As meninas tiveram o apoio de amigos que as incentivaram a criar a página. “Não tínhamos internet, dinheiro, p**** nenhuma. Começamos com um chip de celular e usávamos a lan house. Foi a partir do blog que a nossa carreira começou”, explica Tasha.
O reconhecimento do talento das duas veio, em 2015, quando foram as primeiras brasileiras a saírem no Afropunk, portal norte-americano do maior festival de cultura negra do mundo. “Fazíamos os nosso editoriais em casa, as pessoas falavam muito mal, mas hoje em dia fazem igual. As fotos eram na nossa quebrada mesmo, entramos na moda assim. A gente acessava os lugares de arte e éramos as únicas faveladas com a nossa estética”, recorda.
“Eu ‘tava’ aqui o tempo todo e só você não viu”
As periferias espalhadas pelo país afora são repletas de diversidade e multiplicidades. O pesquisador em filosofia e teoria de moda da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brunno Almeida Maia, explica como esses espaços estão repletos de talentos e de possibilidades.
“Esses lugares e propostas estéticas vêm para questionar. Muito mais que um vestuário, essas estéticas trazem consigo uma ideia de comportamento, aspectos políticos, na medida que elas colocam esses sujeitos como protagonistas do vestir, a partir de referências muito próprias”, evidencia o pesquisador à coluna.
No entanto, o olhar direcionado para o que se é produzido na periferia perpassa pela marginalização e pelo preconceito. As irmãs sabem bem. Tracie revela que, desde muito novas, elas enfrentaram diversas situações nas quais duvidaram das suas habilidades.
“Os caras [homens brancos] viam potencial em nós, mas eles não conseguiam confiar, por exemplo, dinheiro na nossa mão. Pediam para a gente fazer um trabalho, porém, quando a gente entregava, rolava uma higienização tão grande que virava outra coisa. Então, a gente cansou de tentar fazer isso”, aponta.
“Isso motivou a gente a cantar, fazer nossos videoclipes, direção de arte, porque sempre tentavam tirar a nossa essência. Eles querem fazer do jeito deles para ficar menos agressivo”, conta Tracie.
Brunno Almeida Maia defende a importância da periferia para a construção de novas perspectivas no cenário fashion. “Eu acredito, sobretudo neste momento histórico, que estamos pensando outras pautas para a moda. A visão muito eurocentrista, baseada em uma elegância muito bem definida, não condiz mais com os avanços sociais dos dias de hoje”, afirma o professor.
O rap é moda
Como pensar no hip hop sem lembrar das roupas e acessórios que permeiam o universo? Para Tasha e Tracie, o rap é moda. As jovens explicam como a favela tem os códigos de vestimenta que são expressados musicalmente. “No funk em Minas, os moleques se vestem de um jeito; em SP, na Zona Leste, é totalmente diferente da Norte. As pessoas subestimam muito que a gente tenha a nossa própria estética”, afirma Tasha.
A carreira musical das duas foi um processo gradual porque começaram a se aventurar por publicidade, consultoria, palestras e coleções para marcas. Com isso, surgiram os convites para serem DJs, e, assim, a costura com a música. “A moda nos deu recursos financeiros e visibilidade”, completa.
A jovem questiona o olhar preguiçoso e estigmatizado que a moda convencional tem com o rap. “Quando as pessoas fazem trabalho falando de periferia, vão sempre no estereótipo de cores fortes, estampas, e, às vezes, até breguice, querendo descrever a nossa realidade. A gente vê isso nos clipes produzidos por estilistas da Vogue que reproduzem uma estética que não é nossa”.
Diretoria
Com o lançamento do EP Diretoria, em 2021, a carreira das irmãs está em plena ascensão. O som feito pelas meninas tem conquistado fãs pelo país inteiro. Entre os admiradores, está a drag queen Glória Groove.
A artista as convidou para uma participação no álbum Lady Leste. O disco é um dos maiores sucessos de 2022 e tem a música Pisando Fofo, feat com as duas, como um dos principais hits.
Na música Agouro, Tasha e Tracie dão a visão que sintetiza toda a relação da moda com a periferia: “Ditando tendência, como sempre, a favela. E as mais mais? Vem de favela-vela”. O reconhecimento da potência de narrativas diversas, como as delas, é a chave para um futuro com novos ares dentro do segmento.
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Colaborou Luiz Maza