“Nosso corpo é precioso”, diz ator do DF que relatou assédio
Mateus Papa é um dos rapazes que disseram ter sofrido abuso sexual pelo empresário Eduardo Costa, fundador do coletivo Brechó Replay
atualizado
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O ator brasiliense Mateus Papa, 24 anos, acredita na existência de um padrão até no que é considerado “fora do padrão”. Por isso, achou que a oportunidade perfeita para entrar no universo da moda, como modelo, seria posar para uma marca considerada referência em diversidade. Entretanto, a experiência foi bem diferente do esperado. Mateus é um dos rapazes que publicaram depoimentos acusando o empresário Eduardo Costa, fundador do coletivo Brechó Replay, de assédio sexual e outras condutas não consensuais.
Os relatos repercutiram nas redes sociais na semana do dia 14 de janeiro, quando o caso tomou grande proporção. Procurado pela coluna, Mateus contou que foi convidado pelo próprio criador da etiqueta para participar de algumas fotos de divulgação da marca, no início de 2017. Segundo ele, foi quando tudo ocorreu. A ficha, no entanto, demorou a cair.
Antes de surgir o trabalho, o jovem já acompanhava o Brechó Replay nas redes sociais. Via o empresário à frente da empresa como alguém que lançava pessoas no mercado fashion, algo que ele almejava muito. “Eu curtia as publicações da marca no Instagram e ele [Eduardo] curtia as minhas fotos. Então, me chamou para um ensaio fotográfico no Carnaval, enquanto eu visitava São Paulo.”
No dia de fotografar, Mateus conta que o look seria montado no apartamento de Eduardo, local de funcionamento do Brechó. Entretanto, o brasiliense estranhou um detalhe: “No caminho até lá, ele disse que iríamos primeiro para um bloco de Carnaval”.
“Seguimos para o bloco e, lá, ele começou a me beijar. Na época, eu não tive força para dizer não. Simplesmente cedi.” Já desconfortável, Mateus diz que a situação ficou ainda pior. “O bloco mudou de lugar e ele falou que faríamos as fotos na casa dele. Ao chegarmos, foi me levando para a cama e puxando a minha roupa”, relata.
Nesse ponto, veio a reação. “O beijo dele era muito nojento, uma invasão. Em um dado momento, falei que não queria e não estava confortável com aquilo”, relembra.
O brasiliense estava hospedado na casa de um amigo e foi embora em seguida. “Na volta, lembro de me sentir muito frustrado, porque a sessão de fotos não ocorreu. No bloco, tiramos uma ou duas fotos, mas não ficaram boas. Eu estava tão desconfortável que nem queria mais aparecer nelas. Fiquei muito irritado comigo, até perceber que o erro foi dele.”
“Achei que o universo da moda fosse aquilo”
Mateus demorou para entender o que tinha acontecido. “Só percebi que foi assédio em Brasília, porque pessoas me falaram. Achei que o universo da moda fosse aquilo, que era algo necessário para fazer parte. Constatar isso foi o que mais doeu”, desabafa o estudante de artes cênicas.
“A arte já tem esse lugar marginal. Vê-la ligada a situações de assédio e abuso me deixa triste. É onde deveríamos criticar, falar sobre, mas acontece nos bastidores também”, defende.
Depois de saber de outros casos e reviver as memórias, Mateus chama atenção para uma questão que considera importante: “Nosso corpo é muito precioso. Esse abuso de poder e influência é o que muita gente da moda faz. Nesse caso, a troca foi o sexo. Olha quantas pessoas foram assediadas, inclusive nas pequenas coisas, que já significam bastante. Mandar fotos nu para outras pessoas também é uma forma de assédio”, avalia.
O ator brasiliense só conseguiu expor a situação ao ver outros relatos na internet. “Não tive a coragem de abrir esse lugar, mas é importante a quebra do silêncio”, desabafa. “Especulava sobre o que ocorria com outras pessoas. Eu só soube, de fato, quando começou a exposição. Vi pessoas que estavam nos editoriais revelando coisas”. Para ele, a situação é uma “moeda de troca” da cultura machista.
“Ainda quero adentrar a moda”
Mateus ainda não sabe se vai denunciar o caso ou procurar um advogado. “Parece que o pessoal de São Paulo está organizando uma denúncia, mas não estou muito a par. Alguns disseram que não querem ele preso, falam que seria mais um homem negro dentro da prisão. Existem muitas questões sociais envolvidas”, afirma.
O jovem acrescenta que não foi procurado pelo empresário nem pela marca após a repercussão do caso. “Uma galera sabia das coisas que aconteceram e não falou nada. Esse pessoal começou a mandar mensagens negativas para quem estava expondo, com fakes, jogando sempre a culpa em quem é vítima”, comenta. “O negócio é o Eduardo, que estava no comando. O Brechó Replay é a marca, que é ótima”, pondera.
O artista faz palhaçaria e ingressou no curso de artes cênicas em 2015. Ele garante que não desistiu da moda depois do ocorrido. “Se eu me derrubasse, daria razão a ele. Vou continuar com o teatro e a palhaçaria, pretendo me formar. Quero adentrar a moda com uma marca própria ou com amigos, estamos articulando”, adianta.
Procurado pela coluna, Eduardo Costa disse que seu advogado emitirá, em breve, uma nota sobre o caso.
Casos nos bastidores da moda
Fotógrafos renomados como Mario Testino e Bruce Weber foram banidos de revistas de moda depois de serem acusados de assédio sexual por modelos. Os casos repercutiram na imprensa no início de 2018, após reportagem do jornal The New York Times.
Terry Richardson, conhecido pelas fotos sexualizadas, foi chamado de “o [Harvey] Weinstein da moda” pelo jornal britânico The Times. Depois disso, foi banido das publicações do grupo editorial Condé Nast.
Nos últimos anos, escândalos sexuais envolvendo fotógrafos de nudez também vieram à tona no Brasil, como os casos de Juliano Coelho e César Oliveira Acosta, expostos nas redes sociais.
O que a lei diz sobre assédio sexual
É importante que vítimas de violência sexual façam a denúncia na delegacia e a representação contra o agressor, como recomenda o advogado e professor Marthius Sávio Cavalcante Lobato, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
“A partir das denúncias, haverá o enquadramento pela autoridade competente”, explica o educador.
O Código Penal define o assédio sexual no artigo 216-A caput: trata-se de constrangimento para obter vantagem ou favorecimento sexual no ambiente de trabalho ou quando há relação de emprego. Nessa situação, existe uma “condição de superior hierárquico ou ascendência da qual o agente se prevalece diante da vítima”, explica o professor.
Já a importunação sexual (artigo 215-A) trata-se da “prática de ato libidinoso na presença de alguém sem que essa pessoa dê o seu consentimento cujo objetivo é a satisfação de seu desejo de cunho sexual”, diferencia o mestre e doutor em direito constitucional.
O abuso sexual também é diferente: “É qualquer ato de natureza sexual em que um adulto submete criança ou adolescente para satisfazer seu desejo sexual. Ocorre em razão de sua posição de poder ou de autoridade”, descreve Lobato.
Colaborou Hebert Madeira