Nepotismo na moda: polêmica dos nepo babies tem movimentado a web
Discussão foi iniciada em janeiro e assunto segue rendendo nas redes sociais. Hailey Bieber foi uma das estrelas que se “apropriou” do termo
atualizado
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O quão longe uma conexão ou relação familiar pode influenciar o sucesso de uma pessoa próxima? Essa pergunta foi o combustível que moveu uma reportagem especial da Vulture, da New York Magazine, divulgada em dezembro de 2022. Apesar do foco no universo do entretenimento, a publicação mencionou diversos nomes da moda, o que foi a isca perfeita para um debate que ainda repercute.
Vem conferir!
“Nepo baby”
O nepotismo é um fantasma presente em muitos (para não dizer todos os) segmentos. Da economia ao empreendedorismo, das artes ao poder político, são inúmeros os herdeiros que subiram os degraus via escada rolante.
Nessa de ter a porta aberta, a reunião marcada com a pessoa certa no momento certo e o café quente à espera, muitos filhos de celebridades alcançam o desejado lugar de destaque em uma velocidade impressionante. Para determinar essa ascensão por meio de “quem indica”, a internet cunhou um termo: “nepo baby” (abreviação de bebê do nepotismo, em tradução livre).
E na moda, como funciona esse cenário? As primeiras filas dos desfiles estão abarrotadas de personagens conhecidos apenas pelo sobrenome. Em grande parte dos casos, tal penduricalho é mais do que suficiente para justificar a presença, a relevância e o interesse por tais personalidades.
As passarelas que, nos anos 1980 e 1990, foram abrilhantadas por talentos descobertos por meio de olheiros em metrôs, grandes centros urbanos ou até mesmo em cidades do interior, tornaram-se destino para filhos de ex-modelos, apresentadores ou personalidades influentes na mídia.
Como toda história, há diversas versões a serem analisadas. Afinal de contas, ninguém deve ser punido ou julgado por pertencer a uma determinada família ou conhecer os “contatos certos”. Mas, no meio onde quem você conhece importa — e muito —, a discussão sobre o tema engata em um questionamento: seria a seleção para esse setor realmente justa?
Carômetro da moda
A discussão sobre os nepo babies ganhou escala depois de um artigo publicado pela Vulture, revista pertencente ao grupo New York, em dezembro de 2022. A longa matéria foi produzida por Nate Jones, editor do veículo e especialista em cultura pop.
“Bebê nepotista: como pode duas palavras causarem tanto conflito?”, questionou. “Um bebê é um pacote de felicidade; um bebê nepotista é a prova física de que a meritocracia é uma mentira. Nós amamos eles, nós odiamos eles, nós desrespeitamos eles, nós somos obcecados por eles”.
Na matéria, Nate deu não somente nomes como também mostrou o rosto de alguns filhos de famosos. Como não poderia ser diferente, personalidades da moda não ficaram de fora. Uma das entrevistadas por ele mencionou a questão das modelos tão criticadas pela mídia, como é o caso de Kendall Jenner.
“Você se depara com modelos que desfilam superbem e daí tem a Kendall Jenner andando. E você fica tipo: Meu Deus. Isso é muito ruim”, pontuou Meriem Derradji. Jones provocou: “O quão ruim?”. “Ela anda como uma pessoa normal”, brincou a entrevistada, que foi uma das primeiras pessoas a comentar sobre a questão do nepotismo na indústria do entretenimento no Twitter.
Kaia Gerber, filha de Cindy Crawford também contempla a lista. E Bella Hadid. E Gigi Hadid. E Lila Grace Moss. E tantas outras. No lugar de rejeitar o rótulo, algumas se apropriaram dele com aparente orgulho.
Depois do boom sobre o artigo, Hailey Bieber — apontada como uma dupla nepotista por conta do pai, Stephen Baldwin, e do marido, Justin Bieber, foi clicada no início de janeiro a bordo de uma camiseta com os termo nepo baby estampado. Ao usar a peça com orgulho, a modelo parece se apropriar ao invés de rejeitar o rótulo.
Cenário brasileiro
Em solo brasileiro, a cena não é muito diferente. No entanto, o que se observa é que a moda, em um contexto amplo e generalizado, é um segmento formado por conexões — sejam elas familiares, sejam elas financeiras. A cúpula da moda brasileira é formada por pessoas com históricos homogêneos: faculdades, estágios e trajetórias similares.
Tal narrativa pode ser vista em todas as profissões que permeiam o universo: do estilista aos jornalistas de grandes publicações, do stylist ao nomes que comandam as casas de maior destaque. É como uma história cujo os personagens mudam apenas os nomes.
Essa semelhança também se estende às localidades. São Paulo e Rio de Janeiro são cidades consideradas os “berços” de talentos da moda. No entanto, pouco se fala sobre o que acontece fora dessa ponte aérea.
Não à toa, projetos como o Nordestesse, fundado por Daniela Falcão, uma das principais jornalistas de moda do país, em 2021, se mostram uma ferramenta indispensável para fomentar o que há de mais criativo, inovador e autoral na região Nordeste, destino amado para os dias de férias, mas raramente mencionado como um local que detém talentos que, de maneira singular, estampam o retrato da moda atual.
Falar de nepotismo da moda é falar sobre vozes. A questão não diz respeito somente aos lugares ocupados por pessoas com conexões, mas sobre o que é feito com aqueles cujo talento não é o suficiente para ser reconhecido.
A fim de minimizar disparidades, empresas do varejo também têm encabeçado programas voltados para jovens negros, periféricos e de baixa renda. É um começo válido e necessário. Assim como as cotas no âmbito das universidades, iniciativas centradas no fomento da moda são necessárias para que pessoas verdadeiramente talentosas alcancem o seu lugar à mesa. Mais do que nunca, a moda precisa ser um retrato plural, inclusivo e diverso da sociedade.