Moda Connect: evento teve bons desfiles, mas local não valorizou
Lançamento do projeto idealizado por Ana Beatriz Goldstein mostrou que a iniciativa tem potencial. Porém, ainda há o que aprimorar
atualizado
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Na última terça-feira (26/11/2019), o movimento Moda Connect chegou à capital federal pelas mãos da educadora Ana Beatriz Goldstein. Em seu primeiro flerte com o mercado têxtil brasiliense, a iniciativa, que ganhará sua primeira edição no ano que vem, trouxe um preview recheado de talk shows e desfiles, com a promessa de repensar o consumo, incentivar o trabalho artesanal e a inclusão de pessoas com deficiência no mercado local.
Vem conferir comigo!
Quando a educadora Ana Beatriz Goldstein, idealizadora do Moda Connect, viu nossa matéria sobre o evento, na semana passada, fez questão de deixar claro que, embora seja porta-voz do projeto, seu foco não é a autopromoção.
“Quero colocar a causa da pessoa com deficiência nos holofotes da moda. E não estou sozinha nisso. Nada seria possível sem a grande rede de parceiros”, disse, convidando-nos para ir ao evento entender a real proposta da iniciativa.
A coluna, é claro, aceitou o chamado e compareceu ao lançamento da iniciativa, que deve ganhar maior proporção em 2020. “Fizemos este preview para 450 pessoas, mas a ideia é que a primeira edição seja bem maior. Porém, eu não conseguirei fazer isso sozinha. Preciso que as organizações envolvidas continuem nos apoiando”, relatou.
Logo de cara, a pontualidade do evento se destacou. Marcados para às 20h30, os desfiles começaram rigorosamente no horário programado, algo muito difícil de acontecer no mundo da moda.
Contudo, a falta de uma passarela não colaborou para o sucesso completo do evento. As modelos andaram em meio às pilastras do salão de festas do clube Cota Mil, que não valorizou as belas coleções que cruzaram o espaço. A decoração, formada por pequenas palmeiras e vasos de vidro, também não ornou com a proposta, enquanto os telões, posicionados contra a plateia, dificultaram a visão das roupas exibidas.
É importante mencionar que tais contratempos são comuns em projetos que estão começando. Como destacou a presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário do DF, Walquíria Aires, o lançamento do Moda Connect cumpriu seu objetivo. “Como prévia, foi um excelente começo. Conseguimos envolver artesanato, tecnologia, capacitação, luxo e vários outros âmbitos da moda. É disso que o mercado necessita”, afirmou à coluna.
O primeiro esboço da semana de moda, a ganhar vida no próximo ano, trouxe cinco coleções que atrelaram diversas técnicas manuais, como bordados e manipulações de tecido, a silhuetas modernas, texturas e conceitos socioambientais.
Confira:
Rompendo Barreiras
O projeto do coletivo Concretamente Brasília, criado há seis anos pelas mãos de Ana Beatriz Goldstein, Joe Valle e Antonieta Continni, reinterpretou as tendências do momento com uma pegada regionalista.
Os bordados e crochês desenvolvidos pelos participantes do programa, por meio de robótica e materiais reciclados, tiveram destaque entre as calças de paetê, quimonos, camisas, corsets, jaquetas e vestidos que surgiram na passarela.
A presença das rendas e chitas confirmou a brasilidade do compilado, ao passo que, sem dispensar a influência do sportswear e da moda agênero no mercado, o show flertou com modelagens esportivas e genderless.
“Não queremos expor a imagem das pessoas com deficiência, mas seu trabalho. Quero mostrar que mentes criativas presas a corpos inertes podem produzir muitas riquezas para o Brasil. O IFB deu todo o espaço para desenvolvermos o projeto Rompendo Barreiras. Começamos com uma aula inaugural, em fevereiro. Agora, apenas nove meses depois, nossa iniciativa vai virar um curso regular na instituição. Os professores estão muito surpresos com o potencial destes meninos”, revelou Ana Beatriz.
Natural Cotton Color
Destaque do Eco Brasil Fashion Week, o grupo paraibano Natural Cotton Color privilegiou a sustentabilidade e a alfaiataria em sua coleção. Os tons terrosos, resultado de uma técnica de coloração natural do algodão, também foi outra característica recorrente no compilado.
Sem a necessidade de tingimento químico e com uso 70% menor de água em sua produção, os tecidos usados pela empresa ainda carregam a bandeira das causas sociais, trabalhando com artesãs das regiões mais pobres do semiárido nordestino e presidiárias.
Por meio de suas fibras coloridas, a marca investiu em modelagens criativas, vistas nas lapelas diferenciadas, pregas frontais e recortes vazados. Em um contraste de silhuetas e estilos, a Natural Cotton Color mesclou materiais estruturados ao movimento dos plissados e pregas, enquanto formas retas, provenientes das modelagens clássicas, flertaram com elementos esportivos.
Ateliê Liselena
A coleção-cápsula mostrada por Liselena Dalla Corte focou nas estampas tropicais e abstratas, que deram vida às formas clássicas escolhidas para o trabalho. A marca se apoiou em modelagens básicas, executas com maestria pela designer, mas dois looks com shapes atuais acrescentaram modernidade ao desfile. Além de vestidos retos, a Liselena também incluiu criações marcadas pela fluidez e alfaiataria.
Laboissiere
A etiqueta de luxo de Flávia Laboissiere levou ao preview do Moda Connect sua coleção de primavera/verão 2020, exibida no Minas Trends, em abril deste ano. Continuando seu flerte com o fetichismo, a estilista incluiu piercings, argolas, corsets e harnesses na finalização de suas produções.
Em mais um trabalho marcado por contrastes, a ítalo-brasileira atrelou rigidez e fluidez em composições acinturadas e assimétricas, sempre com muito brilho. O ar contemporâneo do compilado foi representado pelo minimalismo, livre de estampas e formas amplas.
Rostand
Bernardo Rostand também elegeu seu trabalho de primavera/verão 2020 mostrado no Minas Trend para a ocasião. A coleção By The Pool Side tem fortes inspirações nos anos 1980, com ombros marcados, grandes volumes e alfaiataria maxi.
O brilho também foi um artifício amplamente utilizado pelo designer, que continua tendo a alfaiataria como ponto forte. A maioria das peças tem apelo noturno, mas as modelagens esportivas que surgiram em peças pontais dão mais possibilidades ao projeto.
Ciclorama
A marca da artista Rossana Jardim levou à passarela do evento uma coleção de 10 caftans inspirados pelo movimento art déco de Goiânia, uma das cidades mais influenciadas pelo movimento artístico no mundo. Na passarela, as criações vibrantes foram desfiladas por nomes da sociedade brasiliense, como Moema Leão e Jane Godoy.
Ao final da programação, a coluna procurou a professora Ana Beatriz Goldstein para saber o balanço do lançamento de seu novo projeto.
“Superou minhas expectativas. Não gastamos nada com isso aqui. Foi maravilhoso. Preciso agradecer ao senador Izalci Lucas, que nos deu os recursos; ao clube Cota Mil, que cedeu suas dependências para todos os nossos eventos; à consultora de moda Geni Ribeiro, que prometeu transformar esse diamante bruto em uma joia rara; às modelos, que se voluntariaram pela causa; e ao Instituto Federal de Brasília”, concluiu.
Walquíria Aires, presidente do Sindiveste, lembrou a importância de apoiar uma ação como o Rompendo Barreiras. “É projeto social em que você tem um grupo de artesãs com trabalho muito forte em bordado. Nossa ideia é criar parcerias para levar essas habilidades aos cenários nacional e internacional, desenvolvendo essa questão das técnicas manuais, que são tão caras no mercado. Nós entendemos, enquanto instituição, que temos que ter um braço social. Isso é muito importante”, finalizou.
Já Sergio Segovia, da Apex, garante que viu potencial no Moda Connect. “A função da Apex é promover a exportação de produtos brasileiros e atrair investidores estrangeiros. Eu identifiquei algumas coisas que podem ser vendidas lá fora, como o algodão colorido da Natural Cotton Color, mas é necessário que eles se adequem aos padrões internacionais. Temos que qualificar e elevar a qualidade dos produtos”, explicou.
Colaborou Danillo Costa