Moda brasiliense se reinventa para superar crise gerada pela pandemia
Empresários do setor investem em campanhas de conscientização, novas etiquetas e suspensão de pontos físicos para evitar fim dos negócios
atualizado
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O novo coronavírus tem causado efeitos avassaladores na indústria têxtil. Enquanto semanas de moda são canceladas por conta do distanciamento social, marcas como Adidas, Neiman Marcus, Nordstrom, Gap e C&A recorrem a empréstimos, demissões e cancelamentos de pedidos para tentar aliviar o declínio eminente. Em Brasília, empresários do setor fazem o que podem para superar o momento. De campanhas à criação de novas etiquetas, a lei é sobreviver.
Vem comigo saber o que as marcas da capital federal estão fazendo para resistir à crise!
A pandemia da Covid-19 pegou os empresários da moda brasiliense de surpresa. Ainda que a rápida proliferação da doença estivesse clara desde o fim de fevereiro, a decisão de suspender o comércio na capital federal para conter o contágio foi tomada da noite para o dia, tirando qualquer chance que os lojistas tinham de se programar para a recessão que estava por vir.
“Estamos em uma crise econômica contínua há muitos anos. A vida já estava difícil, mas não queríamos jogar a toalha. Conseguimos melhorar processos, investimos em marcas novas e treinamos a equipe. Porém, com o coronavírus, fui obrigada a parar tudo e ficar em casa”, relata a empresária Fernanda Maia, da marca de camisetas Verdurão.
Sem o faturamento gerado por seus pontos físicos, as empresas de vestuário locais começaram uma corrida contra o tempo para honrar seus compromissos financeiros, por meio de reservas de emergência, empréstimos e negociações.
No entanto, para os pequenos negócios, muitas vezes já acometidos pelos percalços do mercado brasiliense, o isolamento social surgiu como uma sentença de morte, ou de renascimento, para os mais otimistas.
Presentes na moda da capital federal desde 2003, Fernanda Maia e Luiz Henrique Soares tiveram que dar adeus aos seus pontos físicos na esperança de manter a Verdurão funcionando.
Já tradicional no mercado local, a marca mantinha um endereço fixo no centro comercial Conic, além de estar nas araras da multimarcas A Loja das Camisetas Legais, outro estabelecimento de Fernanda e Luiz Henrique.
“Entendi que é hora de me recolher, viver com menos, estar mais presente na vida da minha filha e me acertar com o mundo ao meu redor. Não havia condições de manter a A Loja Das Camisetas Legais aberta e decidimos fechar a Verdurão também. Entregamos os pontos no mesmo dia”, conta Fernanda.
A empresária afirma que chegou a pensar em recorrer às medidas emergenciais, como empréstimos e financiamentos, mas preferiu evitar a burocracia. “Renegociar é um processo complexo. Temos dívidas, claro, mas não dá para pirar agora. Pirar faz a imunidade baixar e essa crise está longe de chegar ao pico. Quando tudo isso acabar, teremos um novo mundo, então, tento não me estressar com o futuro”, diz ela.
Por ser uma etiqueta própria e ter produção local, a Verdurão continuará sua história por meio das plataformas on-line. O mesmo não é possível para a multimarcas A Loja Das Camisetas Legais, que dependia de um ponto físico. “A confecção é nossa. Produziremos o que acharmos relevante”, comenta a empresária.
Agora, por exemplo, o foco de Fernanda é produzir máscaras para os hospitais e comunidades carentes do DF. “Fechamos as lojas antes mesmo do decreto do Governo do Distrito Federal. Não fazia sentido manter as portas abertas enquanto lá fora tem gente morrendo de um vírus que não conhecemos direito. Ainda no final de março, entramos em contato com a Secretaria de Saúde para verificar a necessidade de máscaras de pano para hospitais. Desde então, mais de 4 mil máscaras já saíram de nossa empresa”, afirma.
Ainda que não ganhe lucro algum com o gesto, a comerciante garante que os itens de proteção individual são seus principais produtos atualmente. “Todos estamos trabalhando muito mais do que no dia a dia da Verdurão. Estamos exaustos, mas temos uma missão a cumprir: ajudar a diminuir a transmissibilidade. Eu ando com máscaras no meu carro e entrego para moradores de rua e desempregados, por conta própria”, revela a empresária.
Sem saber ao certo sobre o futuro da Verdurão, ela tenta se manter positiva em meio ao caos em que as etiquetas locais vivem. “Acreditamos que a marca tem assumido um papel extremamente relevante. Se ela continuar sendo relevante para Brasília e nossos clientes após a pandemia, seremos muito felizes, porque amamos esta empresa e estamos todos trabalhando para atender a demanda”, salienta.
Questionada se está preparada para o consumidor pós-coronavírus (mais exigente, minimalista e em contenção de gastos), ela afirma que, antes de toda essa situação, já praticava os valores que virão a seguir.
“Já vivemos assim. Saímos do Plano e fomos morar numa chácara. Não pedimos comida, produzimos comida. Buscamos reduzir o lixo e fazemos nossos próprios cosméticos. A moda é um setor bastante problemático. Se todos nós pararmos de produzir roupas hoje, teremos roupas para todos para os próximos 300 anos. É um problema que precisamos resolver”, defende, ao destacar as motivações que a levaram a investir no negócio.
Há 18 anos, quando a Verdurão foi idealizada, a indústria têxtil se voltava ao tigres asiáticos, enquanto a produção brasileira mirava no Brás, área de São Paulo que acumula denúncias de trabalho escravo. “Nosso preço sempre foi acessível e empregamos a mão de obra local desde 2003. A Verdurão produz no Guará e em Sobradinho, e cada peça é feita à mão por costureiras que são chefes de família”, reflete.
Para Fernanda, a resistência do consumidor brasiliense em relação ao que é criado aqui é muito menor do que quando a empresária começou sua trajetória, mas ainda há muito o que melhorar, principalmente após o coronavírus. “É preciso apoiar as marcas locais, compartilhando nas redes, espalhando a ideia e comprando, se quiser e puder”.
De olho na tentativa de saldar as dívidas de ambas as lojas, Fernanda e Luiz Henrique organizam um saldão com as peças restantes. A venda é feita pelo Whatsapp do Mercado Cobogó, (61) 99128-7758, e os preços variam de R$ 44 a R$ 69, e ainda há um desconto progressivo.
Metamorfose criativa
O designer Vittor Ibanes nunca teve um ponto físico, mas nem por isso a pandemia não deixou de impactar sua marca. No mercado desde 2017, a Janela do Infinito também enfrenta as mazelas do isolamento social. “Dificuldades com fornecedores, mão de obra escassa, dificuldade de locomoção, dificuldade em encontrar materiais… Tudo isso me levou a pensar: ‘e agora?'”, questiona o estilista.
Sem ter onde adquirir suas matérias-primas, o pequeno produtor resolveu recorrer seu acervo de tecidos para criar um novo conceito. “Momentos como esse nos colocam em contato direto com nossas emoções mais profundas. A criatividade e a vontade de aprender e criar pulsam muito forte dentro de mim e o isolamento despertou a necessidade de investir em algo mais autêntico e fiel a quem eu sou. Revisitei meu banco de tecidos e decidi criar uma nova marca”, recorda o ilustrador.
Vittor Sinistra, a mais recente etiqueta de Ibanes, é inspirada em alter ego que, segundo o empresário, já habitava seu imaginário há algum tempo. A persona, conectada às cores, ousadia e alegria da comunidade LGBTQ, é um convite ao exagero, ao indiscreto, àquilo que é fora do padrão.
“As peças são feitas a partir do reaproveitamento de tecidos que seriam descartados. Eu os coleto, classifico e incorporo nas minhas criações, refletindo criticamente sobre as formas de produção e consumo”, descreve.
De acordo com ele, os valores da nova marca vão ao encontro do que o consumidor irá procurar nas araras das lojas pós-coronavírus. “Antes mesmo dessa crise, já se debatia muito sobre consumo e sustentabilidade. Acredito que essa tendência ficará mais relevante. Nessa perspectiva, estabeleci meu trabalho na pegada do slow fashion, com produções menores, peças de alta durabilidade, desperdício zero e projetos personalizados”, destrincha.
A comunicação com o cliente deve ser outro trunfo da nova label. “Além de criador, também sou consumidor. Eu aplico aquilo que acredito no meu negócio. Algo que ficou muito evidente nesses tempos é que comunicação direta, acessível e aberta é uma ferramenta indispensável. Por isso, estou mais presente nas redes, estreitando laços e permitindo que os clientes participem dos processos, para que eles entendam o valor e a importância de se prestigiar um artista local e independente”, expõe Vittor.
Para o estilista, mais do que comprar o que é produzido aqui, o consumidor brasiliense deve entender o valor do trabalho autoral para fomentar a recuperação da moda local. “Por trás daquela foto babadeira no Instagram, tem muito suor e lágrimas. Viver de arte é um desafio ao qual me proponho por acreditar nas pessoas. Mas elas precisam de informação para poder tomar a decisão mais justa e menos conveniente”.
A moda resiste!
De olho na situação das etiquetas e lojas de Brasília, a comunicadora e empresária Duda Maia reuniu os players da moda local para dar início ao movimento #ModaBsbVive. O coletivo de empresas, influenciadores, consultores e jornalistas tem como meta criar ações para apoiar o comércio da capital federal, a começar por uma campanha de doações de máscaras.
“A situação é complicada. Muitas marcas estão se reinventando, encontrando novos formatos de se conectar com o cliente, trazendo novos produtos e oferecendo conteúdos incríveis, mas tudo isso não chega nem perto de um mês normal de trabalho. Por essa situação, o grupo surgiu: uma necessidade urgente de senso de coletividade. A partir dessa união, queremos mostrar ao nosso consumidor a importância dessa indústria, que foi colocada em xeque durante a pandemia”, explica Duda.
O primeiro passo da organização é uma ação na qual os clientes poderão ir às lojas participantes adquirir máscaras. A cada item vendido, outro será doado à comunidade. “Esperamos ansiosamente a reabertura do comércio, e entendemos que isso acontecerá, mas o momento ainda pedirá cautela. Na nova realidade, todos vamos precisar de um estoque de máscaras caseiras para viver. Então, nos unimos e escolhemos um modelo confortável para disponibilizarmos pelo valor simbólico de R$ 10”.
Entre os envolvidos na iniciativa, estão as labels Capezio, Abi Project, The Market, Pretty New, Wish, Isabella Nasser, Sol e Vento, Maracujá Mixed, Leticia Gonzaga, Q.U.A.D.R.A., Luciana & Yasmim, Setedezessete, Via Faro, Laboissiere, Drew, Grifith e Tecnótica, além da consultora Janaina Ortiga.
Duda Maia garante que outras marcas são bem-vindas. “A única condição é ter esse perfil de incentivar a moda local, senso de coletividade e vontade de se unir aos concorrentes em prol de um mercado melhor”.
A empresária orienta as marcas da cidade a abrirem seu mindset, pois o momento pede um novo olhar. “Não podemos sair da mesma forma que entramos nessa pandemia. É necessário entender bem o consumidor, o que ele quer, suas necessidades e desejos nesse novo mundo. Não tenha medo de mudar”, aconselha a empresária, que atualmente realiza uma enquete para entender melhor o cliente da capital federal.
Para Duda, os brasilienses também têm um papel importante na recuperação da moda brasiliense.”Temos marcas incríveis aqui, que estão dando seu melhor. Se puder, compre delas e divulgue em suas redes sociais! Precisamos nos unir como comunidade e, ao menos, conhecer um pouco mais o que é produzido aqui. Isso já é um grande começo”, acredita a dona da agência criativa 5561 Brand Boutique.
Colaborou Danillo Costa