Moda à la Thais Farage: subversiva, descomplicada e com “borogodó”
Em um bate-papo com a coluna, a consultora de estilo compartilha detalhes sobre a carreira, lifestyle e lançamento do livro de estreia
atualizado
Compartilhar notícia
“Para mim, estilo é sobre conseguir falar mais não do que sim”, pontua Thais Farage. Referência nas redes sociais, a consultora de moda é conhecida pelo trabalho com o público feminino, cursos voltados para o segmento e, claro, os seus looks monocromáticos cheios de atitude. Em passagem recente por Brasília, Farage conta com exclusividade à coluna sobre o seu primeiro livro, Mulher, Roupa, Trabalho: Como se Veste a Desigualdade de Gênero, e reflete sobre a sua trajetória no universo fashion.
Vem conferir!
Das telinhas para a moda
Thais Farage é mil em uma: consultora de estilo, produtora de conteúdo, palestrante, nome à frente da Farage.Inc, escritora – e não para por aí. Mineira radicada em São Paulo, ela iniciou a trajetória no cinema, mas foi atraída pelos encantos e pelas possibilidades da moda.
“Eu sempre gostei de arte, design e música, e a moda era uma das minhas paixões secretas. Me lembro de ler revistas escondida dos meus amigos e pensar que era algo inalcançável, que não conseguiria trabalhar na área. No fim, acabei estudando cinema, mas quando fiquei ‘adulta de verdade’ decidi que iria fazer aquilo que gostava”, conta à coluna.
Ainda sem saber como se encaixar no mercado, Thais pensava em trabalhar com jornalismo de moda. No entanto, foi na consultoria de estilo que encontrou o seu propósito. Buscando conhecimento no segmento, matriculou-se em um curso na área. Assim, teve o primeiro contato com a teoria e prática da profissão que começava a se popularizar em solo brasileiro. Em pouco tempo, acabou descobrindo que, mesmo sem querer, já era uma espécie de consultora dos amigos e familiares.
Sempre questionadora, ainda no início teve convicção de que gostaria de seguir por um caminho diferente do tradicional. Contornando as regras engessadas sobre coloração, shapes e fórmulas, o método de Farage utiliza os fundamentos da consultoria sem deixar de lado a liberdade no vestir. “É meio difícil falar para um adulto que isso ou aquilo não pode, sabe? O propósito da moda é ser uma ferramenta de expressão na qual não existe certo e errado. Pensar no que usar deve ser divertido, leve e feliz”, reflete.
Confira o bate-papo:
Você se autointitula uma consultora de moda subversiva. Na prática, como seria a definição desse segmento?
Thais Farage: Acredito que entrei em uma lacuna que ainda não existia. Eu estava cansada das regras da consultoria de moda que ditavam que era preciso afinar a cintura, disfarçar tal coisa, de que existia um corpo “bom” ou “ruim”. Ainda hoje, o princípio dos sete estilos universais são pautados por normas criadas na década de 1970. Imagina só a revolução que já aconteceu de lá para cá? A moda, a internet, o varejo. A minha definição de moda subversiva vem para questionar e propor o novo. Não há mais espaço para uma moda gordofóbica, racista e que não pensa na inclusão de todos.
Um dos seus cursos que você ministra na sua plataforma, a Farage.inc, é chamado de Básico com Borogodó. Conta um pouco mais sobre como surgiu a ideia.
Para muitas pessoas, básico é sinônimo de sem graça. Mas não é bem por aí, sabe? Ser básica é uma forma de comunicar para o mundo que você prioriza itens essenciais, atemporais e não abre mão de conforto. Mas é perfeitamente possível ser superestilosa e cheia de atitude. Basta encontrar e investir no seu borogodó que, em resumo, é estar alinhado com aquilo que te torna único.
Como desenvolver o estilo pessoal sem ficar refém das tendências?
A gente precisa se conhecer mais. E, à medida que ganhamos ferramentas para verbalizar, nomear e entender mais sobre o nosso estilo, dependemos menos da influencer, da passarela, da tendência. Existe uma parte que é nossa e está com a gente desde sempre. Olhando álbuns antigos, percebi que ainda na infância combinava bota e meia-calça – algo que uso até hoje. Essas preferências mostram nuances de quem somos e gostamos. Já a tendência ocupa esse espaço de experimentação e paixão, trazendo frescor. Entendo as trends como um perfume, um tempero, um acessório para o estilo que já existe.
Por conta da pandemia, temos vivenciado transformações estruturais que também respingaram na moda. Na sua visão, quais foram as principais mudanças no segmento?
Vejo que na moda o caminho nos indica um futuro em que iremos fazer menos roupas e utilizar peças que já existem no mundo. Consumir mais de brechós, garimpar artigos vintage e apostar no upcycling, por exemplo. Eu penso que o styling é uma outra maneira de aplicar sustentabilidade. É muito mais sobre como misturamos, combinamos e sobrepomos do que efetivamente comprar mais e mais roupas.
E em relação ao consumo, você acha que irá mudar?
Sendo bem sincera, acho que o consumo de moda não irá mudar. Pouco depois que as lojas voltaram a funcionar, vimos filas quilométricas em grifes de luxo. É ingenuidade achar que as coisas mudam assim. Mas uma coisa é certa: aprendemos, finalmente, a nos preocuparmos com o conforto – em especial as mulheres. A roupa tem que ter bolso, sim. O sapato precisa ser gostoso, sim. Essa é uma pauta que eu espero que mude nesse pós-pandemia. Não aceitamos mais que as roupas tirem a nossa mobilidade, nos deixem desconfortáveis. É um problema de design, sabe? Precisa ser resolvido.
Mulheres vs. dress code de trabalho
Independentemente do cargo ou da idade, Thais sempre observou uma dificuldade comum entre as clientes: escolher roupas para trabalhar. As maiores queixas? Medo de parecer nova demais para a posição que ocupa na empresa, receio de não passar credibilidade, usar peças mais femininas, receber comentários misóginos, e por aí vai.
Pouco depois de entender a demanda ali existente, começou a ministrar um workshop sobre estilo no trabalho. “Lembro que já começava a aula falando o seguinte: ‘Gente, o problema não está em vocês. Existe alguma coisa que precisamos desvendar’”, relembra. E depois de muito estudar sobre o tema, veio a clareza: o ambiente de trabalho não foi pensado para as mulheres.
A vestimenta sempre foi uma maneira de deslegitimar o pertencimento feminino nas corporações. Mesmo sem querer, todas as vezes que uma mulher se veste para trabalhar, recorre a códigos que permeiam o universo masculino: cores sóbrias, alfaiataria, blazer, camisas. Esta tentativa constante de fazer referência ao que é “neutro” resulta em insegurança e sensação de inadequação.
“A partir dessa inquietação, chamei a Mayra Cotta, advogada especializada em gênero e professora de teoria política, para pensar sobre o tema comigo. Indo além do vestir, a moda é um campo que também reflete o comportamento da sociedade. De maneira complementar, o livro puxa o debate para temas como assédio sexual, feminismo e maternidade”, conta Farage.
Para a consultora, é necessário entender que o problema começa bem antes da roupa, uma vez que a desigualdade de gênero não é resolvida ao usar as mesmas peças que os homens. O diálogo, no entanto, iniciou-se a partir do ponto errado.
“Antigamente víamos muitos guias ensinando o que deveria ou não usar. De maneira geral, eu percebo que as mulheres têm muita facilidade para escolher o que vão vestir no final de semana, mas travam quando precisam se arrumar para o trabalho”, observa Farage.
A obra já está na pré-venda e será lançada oficialmente no dia 20 de outubro. “No livro, não chegamos a uma conclusão apenas, até porque o tema conta com muitas vertentes. Instigamos e iniciamos o debate para entender como as mulheres se sentem a respeito disso.”
View this post on Instagram
Colaborou Marcella Freitas