Metrópoles Fashion & Design: talks abordam ancestralidade e upcycling
Na 1ª edição do evento, as rodas de conversa no Museu Nacional também tiveram temas como processo criativo e manualidade afetiva
atualizado
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A primeira edição Metrópoles Fashion & Design foi encerrada nessa quinta-feira (6/10). No segundo e último dia de evento, rodas de conversa sobre moda integraram a programação. Primeiramente, as temáticas abordadas foram centradas no consumo consciente e no empreendedorismo social. Logo depois, o público presente no Museu Nacional da República pôde conferir talks sobre ancestralidade na moda e processo criativo. Em seguida, o lineup incluiu palestras que abordaram manualidade afetiva e reaproveitamento de materiais na confecção de acessórios.
Vem saber mais!
Ancestralidade
Uma das palestras abordou o resgate de culturas, tradições e saberes ancestrais de povos originários e de povos trazidos para o território brasileiro. Mestra em gestão de políticas públicas educacionais em gênero e raça, a participante Lia Maria, fundadora da etiqueta autoral Diáspora 009, abordou a ancestralidade negra na moda.
A convidada destacou a necessidade de ter orgulho e respeito a todos os povos originários do Brasil. “Nós, brasileiros, somos a quinta diáspora; somos a quinta região da África; somos o maior contingente de pessoas negras fora do continente africano. Isso significa que, depois da Nigéria, o Brasil tem o maior número de pessoas pretas e pardas. Falamos sobre ancestralidade porque a gente tem orgulho de ser quem a gente é”, afirmou Lia.
Já o indigenista Cléber Oliveira apontou os preconceitos e estigmas em relação aos indígenas, que formam mais de 300 etnias distintas no Brasil. “A maioria dos brasileiros pouco sabe sobre os povos indígenas; na realidade, tudo que se sabe foi inventado ou contado de forma distorcida. Isso foi cristalizado na identidade nacional e no imaginário brasileiro, como a ideia de que indígenas são preguiçosos e só vivem na Amazônia”, lamentou.
Foi justamente com o propósito de informar e educar sobre a relevância cultural dessas comunidades que Cleber desenvolveu o trabalho na Tamã, marca colaborativa que elabora produtos e coleções em parceria com comunidades indígenas e quilombolas. Em meio à roda de conversa, no #MFD Festival, Cléber destacou que a label é estruturada na identidade multiétnica brasileira, ao usar a moda como ferramenta para promoção de causas socioambientais.
No modelo de negócio, a partir da cocriação, o excedente é dividido em partes iguais com as comunidades e artistas parceiros, mas também existem iniciativas que recebem 100% do lucro. “Não é uma ferramenta de ajuda, mas sim, uma relação de confiança”, enfatizou o indigenista.
A mediadora do bate-papo, Romilda Gomes, é fundadora e professora do Pence Ateliê, além de designer e empreendedora da marca Adentro. Na ocasião, ela ressaltou a importância do senso de comunidade. “A moda pode ser uma ferramenta política muito forte. Temos que saber de onde vêm as nossas roupas, qual é o significado de cada peça e estampa que a gente usa, qual é o material; quem faz as nossas roupas. Isso nos fortalece como sociedade”, recomendou.
Processo criativo
Para falar sobre processo criativo, a professora de moda Rafaella Lacerda – e também curadora dos talks no Metrópoles Fashion & Design – recebeu a dupla de idealizadoras do estúdio criativo Piquenique Design.
“Como professora, percebo, muitas vezes, que os alunos ficam resistentes à pesquisa, um dos pontos fundamentais no começo de um bom processo criativo. As convidadas foram escolhidas justamente para falar sobre a importância de uma roteirização e estruturação das ideias”, apresentou.
O trabalho da publicitária Letícia Soares e da comunicadora social Daisy Barros é focado no desenvolvimento de identidades visuais no segmento de gastronomia. No evento, elas falaram sobre a importância da busca de referências para obter inspiração e repertório.
“É válido olhar para tendências, desfiles, Pinterest; ter ferramentas de busca… Mas é fundamental olhar também para a própria identidade”, indicou Daisy. “Para montar cada projeto, precisamos fazer uma pesquisa muito intensa. Para iniciar o roteiro, que é o briefing, já fazemos uma curadoria de referências aprofundada, para ganhar os clientes”, disse Daisy.
Um dos pontos levantados por Letícia Soares é a oportunidade de ter momentos de descontração. “A parte do processo criativo é a de se divertir; é o momento que, depois de fazer todo o estudo de pesquisa, a gente aproveita”.
Para exemplificar, as participantes apresentaram cases de sucesso produzidos por elas, por meio de experimentação. Daisy, que também atua no mundo da estamparia, salientou que é fundamental pensar prioritariamente em qual história se quer contar.
“Percebo que, muitas vezes, o caminho é inverso na moda: uma coleção de verão, por exemplo, tem que ter floral? Por que flores? Quais flores? Temos que pensar primeiro no que queremos contar”, avaliou.
Manualidade afetiva
Qual o poder de uma rede conectada pela manualidade afetiva? A temática foi o fio de inspiração para o bate-papo comandado por Helô Rocha e Rachel Potira, que contou com a mediação do designer Serginho Calado. Do início ao fim, os participantes pontuaram sobre a conexão coletiva promovida pelo artesanato, em uma conversa regada a experiências pessoais.
Na visão social perpetuada por gerações, os trabalhos manuais foram rotulados como atividades apenas para mulheres, consideradas com pouca relevância. Não à toa, técnicas de corte e costura eram ensinadas às meninas de gerações anteriores desde muito cedo, sob o discurso que tal habilidade as tornariam, no futuro, esposas “prendadas”. Essa visão retrógrada fez Helô Rocha nutrir certa aversão pelos manualismos.
“Eu adentrei esse universo por meio do bordado. Foi algo que me fez olhar para as mulheres de um jeito diferente, e, consequentemente, me olhar de uma maneira diferente. Esse contato me fez conhecer e me conectar com todo um novo ciclo de mulheres que compartilham dores tão parecidas com as minhas. Questionar o ofício é também pensar nas pautas femininas atreladas, na interferência do patriarcado e até mesmo como a colonização definiu os rumos do artesanato no Brasil”, pontuou.
Em contraponto, Rachel Potira encontrou no “feito à mão” um lugar seguro desde muito cedo. O que antes era produzido unicamente por prazer, ganhou status de oportunidade em um período inexplorado de sua trajetória: a maternidade. “Eu precisei me reinventar. Naquele momento, em que me vi sem coragem de deixar um bebê de seis meses em casa e voltar ao meu trabalho, recorri às técnicas que aprendi quando era criança”, relembrou.
O pontapé resultou na construção da marca Potira, apelido dado a Raquel quando pequena. E não parou por aí. Na trajetória que soma mais de duas décadas, a artesã também compartilha os saberes aperfeiçoados em iniciativas especiais, como é o caso do Mantos. O projeto reúne mulheres durante o período de cinco semanas para teceram uma peça de tricô. “A ideia é que, durante um momento de crise ou dúvida, aquele manto possa acolher, assim como buscamos fazer em nossas reuniões”, contou.
Apesar da caminhada distinta, a dupla de palestrantes avaliou ao longo do bate-papo que a ligação proporcionada pelo trabalho manual é repleta de conexões poderosas. Ou, em uma definição mais exata, de reconexão.
Arte da ressignificação
“A sustentabilidade é o único caminho possível”. Assim definiu Simone Souza, idealizadora da marca Dedim, no sexto talk do MFD, voltado para o upcycling de acessórios. A técnica, que consiste no reaproveitamento de materiais já existentes, é uma das apostas no mercado de moda atual. Na etiqueta fundada por Simone, aparas de madeiras e materiais descartados ganham vida por meio da visão inovadora da arquiteta.
Na mesma seara de atuação, Fernanda Veras, também designer de acessórios, somou o diálogo mediado por Romilda Gomes. Para ela, o processo de criação é inspirado, antes de tudo, pelos materiais. “Como eu utilizo matérias-primas diversas, o meu trabalho acaba sendo muito experimental. É um eterno ciclo de rascunho e teste. A construção é feita no meio do caminho”, descreveu.
No entanto, quando a pauta se volta para a valorização das iniciativas que trazem o upcycling como proposta, foi avaliado que há pouca aderência do público tradicional, principalmente no Brasil. “A nova geração está bem mais preparada para pensar sobre a maneira que consome, veste e vive”, analisou Simone.
Por outro lado, Veras destacou um ponto importante: “Os jovens gostam e apoiam, mas ainda não têm poder aquisitivo para comprar peças autorais porque elas não têm preços tão competitivos como os do fast fashion. Por isso, precisamos focar no público geral, que tenha sincronia com o nosso propósito.”
No segmento dos acessórios, em especial, os artistas têm buscado a validação. “Enquanto outros países já consideram itens produzidos em metal, plástico e madeira como joias, o Brasil ainda está preso à ideia de materiais preciosos. O design é que define o que é joia, não apenas a matéria-prima”, frisou Simone Souza.
#MFD Festival
O Metrópoles Fashion & Design é uma iniciativa do portal Metrópoles com a colunista Ilca Maria Estevão. A primeira edição do evento ocorreu em 5 e 6 de outubro, no Museu Nacional da República, em Brasília.
A fim de valorizar o talento criativo local, o movimento ofereceu um espaço de vendas no estilo de loja pop-up. No #MFD Festival, estilistas e designers contaram a própria história e planos para o futuro.
Paralelamente, o movimento proporcionou, durante os dois dias de evento, premiações, rodas de conversa abertas ao público, experiências musicais com apresentações, bandas e DJs. Comida descontraída e drinks diversos também fizeram parte dessa imersão coletiva no universo da moda e da criação.
Produção: Limonada Project e Metrópoles
Identidade visual: Jean Matos
Patrocínio: Centro Universitário Iesb
Serviço
Metrópoles Fashion & Design
No Museu Nacional da República
Em 5 e 6 de outubro
Aberto ao público
Entrada gratuita
Colaboraram Rebeca Ligabue e Marcella Freitas