Mês do Orgulho LGBTQIA+: conheça estilistas que são ativos na luta
Com ações que vão além de coleções temáticas, os cinco nomes da moda tem as questões da comunidade como centrais para o trabalho criativo
atualizado
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O mês de junho traz uma enxurrada de lançamentos e novas coleções voltadas para a celebração do Orgulho LGBTQIA+. De garrafas térmicas a camisetas com o símbolo do arco-íris estampado, não faltam opções para quem quer adquirir algum item temático.
Porém, essa enxurrada de lançamentos coloca uma questão em pauta: é possível que a moda, uma das indústrias mais lucrativas, aborde o tema com a sensibilidade e a importância que ele necessita? Ainda há a necessidade de ampliar os avanços, mas graças a estilistas que “não fogem à luta”, a resposta é sim!
Vem saber mais!
Os debates sobre a relação entre moda e política podem caminhar para diferentes rumos, com opiniões e visões das mais diversas. Há quem goste e quem desgoste que marcas e estilistas assumam posicionamentos políticos. Porém, para os membros da comunidade LGBTQIA+, manifestar-se pode ser sinônimo de sobrevivência.
De acordo com o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, o número de mortes violentas de pessoas LGBTI+ subiu 33,3% entre 2020 e 2021. No primeiro ano analisado pelos pesquisadores, foram registradas 237 mortes e, no ano passado, 316. Como os esforços para compilar esses dados não envolvem entidades do governo, acredita-se ainda que há subnotificação de casos.
Em 2021, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) entregou à Organização das Nações Unidas (ONU) um dossiê que colocava o Brasil no topo do ranking de países que mais mata pessoas trans. Com números tão alarmantes, é justificável que ainda exista temor e receios dentro da comunidade LGBTQIA+, mas justamente por isso é preciso louvar quem segue ativo na luta.
Jal Vieira Brand
A paulista Jal Vieira “hackeia o sistema” desde o começo da sua carreira. A ilustração era sua paixão na infância e, ao desenhar a modelo que participava de um desfile que passava na TV, percebeu que levava jeito para a área. Vencendo os obstáculos do sistema, conseguiu cursar design de moda na respeitada Belas Artes graças ao Programa Universidade Para Todos (Prouni), do Ministério da Educação, que fornece bolsas para estudantes em instituições particulares.
Depois de seis anos estagiando na área, a estilista acabou se afastando, como conta em entrevista à coluna. “Isso aconteceu por causa do sistema opressor retroalimentado por posturas elitistas, gordofóbicas, transfóbicas e racistas de pessoas da moda com as quais me deparei e que me recusava em fazer parte daquilo”.
Mas coube ao destino trazer Jal Vieira de volta para a moda, agora com uma marca homônima. Desde 2019, já soma no currículo várias apresentações na Casa de Criadores e, nada mais, nada menos que uma collab com a Disney. Em 2020, foi convidada pela gigante do entretenimento para desenvolver uma coleção para a franquia Pantera Negra.
Para que todas as reivindicações das pessoas LGBTQIA+ sigam avançando, Jal Vieira acredita que é preciso que os nomes já consolidados abram espaços. Além disso, reforça que “a indústria como um todo precisa se comprometer também e lembrar que [nós] existimos o ano inteiro. É muito fácil nos procurar somente no mês de junho e, no restante do ano, tampar os olhos para as inúmeras violações das quais nossas existências são submetidas”.
Ken-gá Bitchwear
Em 2016, o casal Lívia Barros e Janaina Azevedo decidiu que iria lançar uma marca de “bitchwear” – e não de beachwear – com roupas divertidas, ousadas e sexy para ressignificar a ideia de ser “quenga”. “Viemos para subverter a palavra, afinal, a mulher poderosa, que não se dobra à opinião alheia, é sempre a taxada”, conta a primeira estilista à coluna.
Na Ken-gá, a diversidade é uma máxima. A marca, que quer fazer “parte da luta pelo empoderamento feminino e LGBTQ+”, também se propõe a trazer peças diferentes e em uma grade mais abrangente de tamanhos.
Para Lívia Barros, é necessário celebrar o mês de junho, mas também ir além. “Temos que trabalhar o ano todo para provocar uma mudança e mostrar que podemos sim chegar lá”. À coluna, a estilista ressaltou que apesar da força de uma marca ser a venda de produtos, a representatividade de pessoas em diferentes cargos da indústria vai muito além da roupa.
Sillas Filgueira
Sillas, com S, é a marca. Silla Maria Filgueira, sem o S, é a estilista. A baiana, que é conhecida como uma das melhores modelistas do estado – vale destacar que poucos estilistas sabem fazer uma roupa do zero –, é um dos novos nomes da Casa de Criadores e uma das parceiras do projeto Nordestesse, da jornalista Daniela Falcão.
O mix original de alfaiataria com cores e estampas fez com que a primeira coleção da marca fosse sucesso entre as brasileiras de diferentes estilos. A visão esperta de Silla é o somatório de uma pessoa que percorreu uma longa trajetória e que, infelizmente, não se pode “dar ao luxo” de errar. Mulher trans e periférica, foi com o dinheiro do próprio FGTS que desenvolveu suas primeiras peças.
Em conversa com a coluna, deu um pequeno spoiler da sua próxima empreitada, Tramas de Isabel, coleção que será apresentada na Casa de Criadores. “É uma homenagem à minha mãe, que me deixou com há cinco anos. Eu cresci vendo ela lavando roupas, costurando, fazendo crochê e pinturas…”.
O evento, que acaba sendo uma “incubadora” de marcas que vão despontar na sequência, será uma vitrine para a marca (quase) homônima de Silla. “Sou ativista pelo simples fato de existir! É sempre importante lembrar que uma mulher trans pode fazer o que ela quiser”, afirma a baiana.
Walério Araújo
O estilista pernambucano Walério Araújo tem no currículo 31 anos de carreira, mas não só. A estética over, o maximalismo e a presença de figuras centrais da cena LGBTQIA+ são partes do seu legado na moda brasileira. Walério Araújo é membro de uma turma que começou a se empoderar – muitos antes da palavra se popularizar – da própria sexualidade.
Sobre a importância de trazer as pautas da comunidade para o debate não apenas no mês de junho, Walério Araújo afirma que tem o feito desde os anos 1990. “Meu universo sempre foi esse, comecei quando a sigla ainda era GLS. Trazer as drags queens e as travestis para os desfiles, por exemplo, foi espontâneo e contribuiu para a luta ao longo do tempo”, conta à coluna.
“Não queremos ser aceitos. Queremos ser respeitados”, continua o estilista. Walério Araújo destaca ainda que uma turma que inclui Alexandre Herchcovitch tem levantado a bandeira há anos, “colocando, agregando e reivindicando o respeito por todos os representantes da sigla LGBTQIA+”.
Um dos assuntos que também são debatidos ao longo do mês é o pink money. Segundo a Rock Content, empresa que presta serviços de marketing para outros empreendimentos, o termo “caracteriza a comercialização de produtos que visam alcançar o público LGBTI+”.
A problemática que entra em questão é que empresas e marcas estão preocupadas apenas em vender produtos e não engajar na luta por mudanças e pelo fim do preconceito. “O discurso sustentável e preocupado com grupos minoritários sem verdade pode ser uma ideia perigosa, já que a audiência busca construir uma relação de confiança com as empresas”.
Por isso, no mês que celebra a luta histórica de toda a comunidade LGBTQIA+, é esperado que empresas proponham ações que busquem mudança efetiva. Muito mais do que coleções especiais com arco-íris estampados, é a ocasião perfeita para anunciar contratações diversas e campanhas de conscientização à LGBTfobia.
Colaborou Carina Benedetti