Mês do orgulho LGBT: conheça 10 transexuais que revolucionaram a moda
Dominique Jackson, Hunter Schafer e Valentina Sampaio são alguns dos nomes que conseguiram espaço no, ainda retrógrado, mercado têxtil
atualizado
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A indústria da moda pode ser vanguardista quando o assunto é design, porém, no âmbito da inclusão, o segmento ainda soa um tanto antiquado. As campanhas em homenagem ao mês do orgulho LGBT se tornaram comuns em junho, mas foi só a partir 2010 que as pessoas transexuais conseguiram cravar alguma representatividade no setor.
Chegamos a esta década com um longo caminho a percorrer, principalmente, no que diz respeito à diversidade nos bastidores do universo fashion. Ainda assim, alguns profissionais têm conseguido revolucionar a imagem do mercado ao participarem de campanhas e semanas de moda com visibilidade global.
Vem comigo conhecer 10 transexuais que revolucionaram a moda!
As pessoas transexuais não surgiram na moda agora. Nos anos 1960, April Ashley era uma das modelos de roupas íntimas mais populares da Vogue. Porém, quando um jornal britânico revelou sua vida antes da transição, ela nunca mais voltou a trabalhar no país. Por mais de seis décadas, esse foi o comportamento padrão da indústria têxtil ao se deparar com a diversidade.
Desde 2010, graças ao apoio do público nas redes sociais, alguns profissionais conseguiram a atenção das grandes marcas, ao passo que um desejo de reparação floresceu no alto escalão dos grupos de moda e comunicação. Atualmente, quem se nega a atender a demanda por inclusão corre o risco de ser boicotado.
Cobrado pelo público a respeito da falta de diversidade no casting da Victoria’s Secret, Ed Razek, diretor comercial da etiqueta, fez um comentário que resultou em sua demissão.
“Não acho que teremos esse tipo de modelo, porque esse show é uma fantasia. São 42 minutos de entretenimento”, declarou ele em entrevista à Vogue, dando a entender que jamais cederia aos desejos dos consumidores.
Após a declaração, a empresa, que já sofria com o enfraquecimento do varejo norte-americano, enfrentou uma baixa considerável nas vendas. Mais de 50 lojas foram fechadas em 2019 e o tradicional show anual da companhia foi suspenso devido às críticas. Para tentar controlar a crise, a label convocou a brasileira Valentina Sampaio para uma campanha.
Valentina Sampaio
Filha de um pescador e uma professora, Valentina nasceu no município de Aquiraz, no litoral do Ceará. Lançada pela Joy Model, estreou nas passarelas no Dragão Fashion Brasil. No currículo, a jovem acumula trabalhos para grifes como Balmain, L’Oréal e Marc Jacobs, além de ensaios na Elle, L’Officiel e Vogue Paris, na qual foi a primeira trans a estampar a capa publicação francesa.
Em 2019, aos 23 anos, conseguiu o grande feito de estrelar uma campanha da Victoria’s Secret, após a empresa se negar a incluir mulheres trans nos tradicionais desfiles anuais.
“A sociedade e as empresas vêm aprendendo muito sobre a importância de abraçar as diferenças e respeitar a diversidade. Estamos conquistando novos espaços. Aparecemos nas capas de revista, depois na TV e, agora, na VS. Só tenho a comemorar por essa nova conquista. É um momento que representa muito”, disse a cearense à coluna Ilca Maria Estevão.
Lea T
A filha do ex-jogador Toninho Cerezo se mudou para a Itália para estudar medicina veterinária. Por lá, ela conheceu o estilista Riccardo Tisci, que se tornou amigo pessoal da brasileira e a convidou para participar de uma campanha da Givenchy, onde atuava como diretor criativo.
Quando o ensaio chegou ao mercado, no início de 2010, a etiqueta francesa optou por não divulgar que a modelo é transexual, mas Lea entendeu que era importante dizer esse detalhe ao mundo.
“Houve muita resistência. Quando me vi fazendo comercial para uma marca francesa, pensei em todas as meninas que não tiveram essa oportunidade. Então, eu me comprometi a levantar essa bandeira. É o mínimo que tenho que fazer, e é o que faço até hoje”, disse ela no programa Conversa com Bial.
Após alcançar o mercado de luxo, Lea não parou de trabalhar. Ela posou para as revistas Numero, Interview, Elle, Marie Claire, Vogue Paris e Love, na qual surgiu beijando a topmodel Kate Moss. E 2011, foi convidada de honra do São Paulo Fashion Week e deu uma entrevista à apresentadora norte-americana Oprah Winfrey.
Sendo a primeira mulher trans a ser contratada pelas labels Benetton e Redken, foi eleita pela Forbes uma das 12 mulheres que mudaram a moda italiana, ao lado de nomes como Miuccia Prada e Anna Dello Russo. Recentemente, ela se reuniu com Tisci para a campanha de férias da Burberry.
Andreja Pejić
Com o sucesso de Lea T na Givenchy, outras transexuais tiveram a oportunidade de brilhar no mundo da moda. A bósnia Andreja Pejić já fazia sucesso nos desfiles masculinos, conquistando nomes como Jean-Paul Gaultier e Marc Jacobs com suas feições andrógenas, ainda em 2011.
Todavia, depois de se assumir mulher, em 2013, passou a quebrar vários paradigmas da indústria, sendo a primeira da comunidade trans a assinar contratos com as marcas Make Up For Ever e Bonds.
Ao emplacar um perfil inédito na Vogue América, ela se tornou uma das figuras mais disputadas da indústria, abocanhando campanhas para a Fendi e Kérastase. Atualmente, ela tenta arrecadar fundos para produzir um documentário sobre a sua vida, na esperança de inspirar pessoas com ela a lutarem por seus sonhos.
“Em alguns momentos, eu fico cansada de responder perguntas sobre a minha vagina. Minha história dá mais visibilidade para a minha carreira, mas isso é minha vida pessoal”, reclamou ela ao Refinary 29, após as constantes perguntas sobre sua transição.
Laith Ashley
O modelo, cantor e ator Laith Ashley chamou atenção das marcas de moda após um ensaio com o fotógrafo Nelson Castillo, onde apareceu trajando roupas íntimas da Calvin Klein. O shooting, postado no Instagram, cativou a Barneys, que convidou o norte-americano para uma campanha.
Desde que chegou às passarelas do New York Fashion Week, em 2015, é escalado para campanhas de etiquetas como Diesel e Abercrombie & Fitch, além de estrelar editoriais para as revistas masculinas GQ e Vogue Hommes.
Em 2018, ele participou na série Pose, do canal FX, e do programa Rupaul’s Drag Race. “Durante muito tempo, fomos ensinados que a feminilidade é algo degradante para os homens. Eu acho que ninguém é feliz sem se abraçar por completo”, destacou ele à GQ britânica.
Sam Porto
O brasiliense Sam Porto, de 26 anos, foi o primeiro homem trans a desfilar no São Paulo Fashion Week. Na 48ª edição do evento, em 2019, o tatuador foi selecionado para os shows da Ellus, Korshi 01, Modem, Cavalera, João Pimenta, Apartamento 03 e Handred, sendo um dos maiores destaques daquela temporada.
Após a repercussão de sua presença na semana de moda, o modelo emplacou uma capa na Vogue Brasil e mirou no mercado internacional. Porém, a pandemia acabou adiando os planos do rapaz.
À coluna, ele confessou que duvidava da aceitação do mundo da moda e se surpreendeu com a aderência das etiquetas. Agora, ele espera que tenha conseguido abrir portas para outros garotos que sonham em ser modelo.
“Estou aqui para abrir portas a quem não tem a oportunidade. Espero representar os meninos trans que acham que não podem estar no mundo da moda. Temos que estar inclusos”, refletiu em entrevista.
Nathan Westling
Considerado uma das 500 figuras mais influentes da moda pelo site Business of Fashion, Nathan Westling estreou nas passarelas em 2013, durante um desfile da Marc Jacobs, quando ainda usava o nome de Natalie. Do outro lado do Atlântico, atraiu os olhares da Versace, Louis Vuitton, Prada, Chanel, Dior e Alexander McQueen, colecionando bons trabalhos nas temporadas seguintes.
Em 2019, anunciou sua transição para o sexo masculino, atraindo a atenção de veículos como i-D, L’Uomo Vogue e Dazeda, que dedicaram algumas páginas à sua história.
“Parece que usei uma máscara a vida toda. Depois que removi essa máscara, foi como se eu estivesse finalmente em minha pele. Eu não estou mais interpretando aquela persona, não estou tentando ser algo que não sou e eu não sinto que estou preso”, expôs Westling à CNN.
Rae Tutera
Enquanto criança que não se conformava com seu gênero, Rae fantasiava um futuro repleto de ternos alinhados e elegantes. Contudo, o que ele encontrou quando finalmente pôde investir em blazers foi uma experiência traumatizante.
“Foi intimidador, caro e alienante, em várias maneiras. Porém, essa vivência originou o desejo de tornar a compra de ternos mais acessível às pessoas como eu”, lembrou o jovem de 25 anos à revista Out, a respeito de sua primeira ida a um alfaiate de Manhattan.
Disposto a entender tudo sobre o mundo dos ternos, Tutera chegou à Bindle & Keep, etiqueta nova-iorquina de Daniel Friedman que atendia os figurões de Wall Street. Ele convenceu o designer a mirar no público trans e o contratar como estagiário.
Juntos, eles começaram a desenvolver modelagens específicas para a comunidade, o que transformou a etiqueta. Hoje, 90% da renda da empresa vem de pessoas trans.
Pierre Davis
Acusado de não fomentar mais debates relevantes no universo têxtil, o New York Fashion Week resolveu abrir espaço para uma estilista transexual em sua edição de outono/inverno 2019. Pierre Davis, diretora criativa da No Sesso, estreou na semana de moda com um show repleto de diversidade e desconstrução social.
A designer viu na iniciativa uma forma de reafirmar que a moda não é apenas sobre estética ou vendas, mas sobre humanidade.
“É importante que as pessoas de todos os gêneros tenham a oportunidade de lutar, independentemente de sua identidade. O terreno não está nivelado e na moda isso é ainda mais difícil”, comentou ela em entrevista ao Conselho de Estilistas da América.
Davis diz abraçar a causa trans, mas, para ela, tais oportunidades não devem ser encaradas como esmolas. “Quero mostrar meu trabalho e ser reconhecida pela qualidade e esforço. Me sinto feliz por ter chegado a desfilar em uma fashion week, mas quero ir mais longe”, afirmou à instituição.
Lançada em 2015, em Los Angeles, a No Sesso conquistou artistas como Kelela e Erykah Badu. O streetwear desconstruído da label mistura as estéticas masculina e feminina em composições livres de estereótipos.
Dominique Jackson
Dominique começou a se destacar na televisão, por meio da série Pose, do canal FX. Na trama, aclamada entre os críticos, com duas indicações no Emmy 2019, a atriz vive Elektra, líder da House of Abundance. Lá, a personagem domina bailes temáticos, esbanja personalidade e arrasa nos looks arrebatadores.
Na vida real, todavia, a artista de Trinidade & Tobago é uma grande ativista da causa transexual. Recentemente, ela fez sucesso nas redes sociais ao fazer um discurso poderoso no 23º jantar anual da Human Rights Campaign.
Pierpaolo Piccioli, diretor criativo da Valentino, viu na estrela a possibilidade de estreitar seus laços com o público LGBT, elegendo a artista como a primeira transexual a protagonizar uma das campanhas da casa. Com o gesto, Dominique cativou a mídia especializada e passou a ganhar espaço na indústria da moda, sendo convidada para o Met Gala de 2019.
“ você não irá dizer que me aceita, você não irá dizer que me tolera, você não tem esse poder! E eu retiro isso de você!
você irá me respeitar por quem eu sou”
Dominique Jackson, você é perfeita!! ♥️ pic.twitter.com/yrxOk79nIr
— diário de umA travesti (@alinadurso) June 15, 2020
Indya Moore
Considerada pela revista Time como uma das pessoas mais influentes de 2019, a modelo e atriz Indya Moore ganhou visibilidade global ao estrelar a série Pose. Todavia, no mundo da moda, ela já era uma figura conhecida.
Antes de começar a atuar, no aclamado filme Saturday Church, em 2017, ela trabalhou para grifes como Dior e Gucci. Foi apenas depois o sucesso da personagem Angel Evangelista, contudo, que ela atingiu os maiores trunfos na indústria têxtil.
Ela se tornou a primeira mulher trans a participar de uma campanha da Louis Vuitton e fotografar uma capa para a revista Elle, na qual abriu caminho para outras mulheres da comunidade. Se reconhecendo como não-binária – ou seja: não se identifica totalmente como mulher ou homem –, a ativista de 25 anos rejeita os rótulos da sociedade.
“Você não está sozinho, não tenha medo. Acredite em você mesmo! O valor da sua vida não pode ser medido por pelas opiniões alheias. Eu vejo você. Eu sou você. E você merece ter acesso ao seus sonhos, estar protegido, ser amado por seus amigos, família e comunidade”, disse ela à revista Variety, em passagem pelo red carpet do Emmy, depois que um repórter abriu espaço para ela mandar um recado para a comunidade trans.
Hunter Schafer
A série Euphoria apresentou Hunter Schafer aos amantes da televisão, porém, antes de ser escalada para a atração da HBO, a atriz já brilhava nas semanas de moda de Nova York e Milão.
A carreira de modelo começou aos 18 anos, quando, com rosto peculiar e personalidade marcante, a artista conseguiu desfilar para grifes como Dior, Miu Miu, Rick Owens, Helmut Lang, Tommy Hilfiger, Maison Margiela, Vera Wang, Marc Jacobs, Versace, Emilio Pucci e Erdem.
Com a segunda temporada de Euphoria confirmada, podemos aguardar o retorno de Hunter aos red carpets assim que os mesmos voltarem a acontecer. Em suas aparições nas premiações, a atriz sempre se destaca com produções cheias de estilo e informação de moda.
“É realmente selvagem estar neste nível de visibilidade. É algo que eu ainda estou me adaptando e tentando entender. Recebi algumas mensagens de pessoas trans que estão empolgadas com a representação na série”, revelou ela à Marie Claire.
Laverne Cox
Assim como Hunter, Laverne Cox representa as mulheres trans em tapetes vermelhos de extrema relevância. A estrela da série Orange is the New Black foi uma das primeira atrizes a ganharem papéis de destaque na TV e logo cativou os players do segmento têxtil.
Em 2017, a norte-americana estrelou uma campanha da Ivy Park, da cantora Beyoncé, e, dois anos mais tarde, brilhou no comentado show da Savage x Fenty, transmitido na Amazon. Recentemente, Laverne fez sua estreia no cinema, por meio do filme As Panteras. Com essa porta aberta, espera-se que ela conquiste ainda mais espaço em red carpets e premieres.
Não há dúvidas de que houve progressos em relação à inclusão de pessoas trans em campanhas e desfiles, mas esse é apenas o começo. Como denunciou uma funcionária da Adidas recentemente, as engrenagens da moda ainda são giradas por pessoas brancas e cisgêneras. A única forma de impedir o avanço do preconceito na indústria têxtil é incluindo profissionais de todas as cores e gêneros nos bastidores do setor. É preciso valorizar não só a imagem, mas a força de trabalho destas pessoas.
Colaborou Danillo Costa