Marcelo Von Trapp fala sobre moda em entrevista exclusiva
O estilista, uma das apostas da edição de verão 2019 do Veste Rio, veio pela primeira vez a Brasília para apresentar sua marca
atualizado
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O mundo da moda é uma caixinha de surpresas. A todo momento surgem novos talentos e descobertas. Marcelo Von Trapp é um desses nomes para entrar na cabeça e não sair mais. O estilista foi uma das apostas da edição de verão 2019 do Veste Rio, e a tendência é que o sucesso só aumente.
Ele realiza uma confecção artesanal e restringe sua produção a materiais brasileiros, por acreditar na valorização do produto nacional. Os tecidos, como linho e seda, são cortados muitas vezes pelo próprio estilista e, depois, enviados para pequenos alfaiates e costureiros que finalizam as peças.
Vem comigo saber mais!
A vasta experiência de Von Trapp foi adquirida com muita dedicação. Aos 11 anos, no Chile, ele começou a desmontar roupas da própria família. Mais velho, em Londres, estudou na conceituada universidade de artes Saint Martins e fez, simultaneamente, estágio na Savile Row. Mas foi no Brasil que o estilista viveu a maior parte da vida e construiu carreira.
Ele carrega uma bagagem profissional de trabalhos em marcas como Grendene, Arezzo, C&A, Le Lis Blanc e Renner. Depois da vasta experiência com as grandes grifes, percebeu que precisava tomar decisões e seguir um novo rumo.
Em 2016, Marcelo Von Trapp lançou a marca que leva o seu sobrenome. O fashionista preza pelo cuidado com os detalhes e com as pessoas, de forma evolutiva e complementar.
Em entrevista exclusiva, você vai saber um pouco sobre as convicções do chileno, além de curiosidades sobre a sua carreira no universo fashion.
Como foi sua trajetória até aqui? O gosto pela moda sempre fez parte da sua vida?
Minha carreira começou no Brasil. Fui ao Chile algumas vezes, mas depois voltei para cá. Tive uma influência muito forte do meu país de nascimento sobre alfaiataria e construção das roupas. Isso tudo foi muito importante, porque os chilenos são muito mais formais na forma de se vestir, então têm umas coisas um pouco mais tradicionais, consequência dessa interferência.
Como surgiu a sua marca?
Eu já vinha de fazer 36 coleções por ano, de cuidar de quatro marcas, por volta de 1.800 produtos, e era responsável por uma equipe gigante. Quando comecei o meu projeto, falei que não queria ter coleção. As roupas não precisam disso, a beleza transcende essa questão do tempo. Hoje eu faço algo contínuo.
Esperava todo esse sucesso?
Não tem sucesso suficiente ainda, acredito muito na exaustão. Foi um esforço grande desde o princípio e, claro, existe um reconhecimento não só do meu trabalho, mas de todo mundo envolvido no processo. Todos que estão comigo nessa jornada, cada vez mais, vêm entendendo que a gente precisa atuar de uma forma linear. E, muitas vezes, a gente não consegue nem atender à quantidade de demandas recebidas, não só nas vendas, mas também em divulgação. É uma questão de estrutura. As coisas foram crescendo de forma orgânica.
Como define o DNA da sua marca?
Eu tenho um cuidado muito grande com as escolhas. Os materiais são todos nacionais e naturais. Faço uma pesquisa enorme de tecidos e de matérias-primas. A procedência dos materiais usados é muito importante.
Vou atrás para saber se a pessoa que está fazendo tem realmente condições de trabalhar e está sendo paga o suficiente para fazer aquilo. Você não tem como se posicionar no mercado de luxo e não ter um cuidado com quem está na outra ponta. É importante poder atuar com habilidade e tranquilidade.
A gente tenta ao máximo não ter resíduos, não ter restos. Não liquidamos as roupas, porque isso coloca em xeque o que se está comprando. É um formato novo. Às vezes é difícil para as clientes entenderem, mas é uma forma de ter uma consciência do que se está consumindo.
As suas ideologias pessoais interferem nas suas criações?
Eu tento conversar muito com as pessoas que trabalham comigo sobre a questão da filosofia. Austeridade, ser justo, conseguir ter um trade correto. A gente vem encontrando até um novo formato de negócio. Nosso foco maior é a venda direta para as clientes. É um estudo muito grande: da parte financeira, estrutural, social… É necessário equilíbrio, senão não há sentido em fazer as roupas.
Você realiza uma pesquisa bem importante de matérias-primas para suas produções. Qual o papel da moda no uso consciente?
Eu prezo muito mais pela questão de estilo, de se construir personas e personalidades em vez de hábitos e modos. Insistimos muito na longevidade de algumas peças. E, se você pensa em qualquer marca clássica, como uma Chanel, Prada ou Hermès, eles fazem a mesma coisa há décadas – e muito bem. Pegue um tailleur da Chanel da década de 1920 e compare com um de hoje. Não são tão diferentes – mas, sim, eles evoluíram. Cada vez, são melhores e mais bem feitos.
Então, é isto: evoluir a partir de um mesmo produto, de uma mesma técnica, para conseguir cada vez mais ter um item mais bem-feito.
Quais são os materiais com os quais você mais gosta de trabalhar? E por qual motivo?
Hoje, eu tenho uma restrição bem grande. A gente usa basicamente seda. Tem uma parte da coleção que é de linho; outra, de algodão superior. O papel dos estilistas, dos criadores, atualmente, é conseguir apoiar a indústria nacional, tanto têxtil quanto de confecção.
Precisamos fazer como a Europa na década de 1990: pegar as melhores produções e vender o “Made in Italy”, “Made in France”. Fazer isso no Brasil é um desafio, porque não temos um rigor. É difícil porque sempre fomos vestidos – agora, temos de nos vestir.
Quais foram os principais desafios da sua carreira até o momento?
Mão de obra. Um dos maiores investimentos feitos foi em pilotagem, testes com pessoas e com a qualidade do que temos feito. Quando usamos uma matéria-prima, temos um cuidado enorme de testar, de ver como essa roupa perdura. Se você cuidar de uma camisa do jeito certo, ela vai durar.
Temos uma dificuldade muito grande em conseguir capacitar pessoas e dar condições de trabalho, porque é um mercado muito informal. Eu já perdi um alfaiate para catarata e glaucoma, porque ele trabalhava em um local com um tubo fluorescente de meio metro. Então, é uma questão que temos de resolver para oferecer uma boa estrutura profissional.
Você tem seguido a mesma linha da sua proposta inicial ou vem modificando ela ao longo do tempo?
O que mais muda com o tempo é a consciência do que é produzido. Quando uma nova peça é criada ou reeditada, você vai entendendo a necessidade dela e das pessoas. A questão comercial também começou a se estruturar de uma forma diferente. Mantivemos o cuidado com as clientes que nos prestigiam desde o princípio.
É a sua primeira vez em Brasília?
Sim. Apresentamos as peças, em pre-order, no Rio de Janeiro, quando a Vogue nos convidou como marca especial para fazer o desfile. Agora estamos fazendo este tour, no qual as clientes podem pedir os itens.
De onde vêm suas principais inspirações?
Pelo fato de ter trabalhado na indústria por mais de uma década, eu tentei realizar uma desconstrução durante o processo de criar a marca. Normalmente, você escolhe um grupo de referências, de cores, de tecidos, começa a desenhar alguns shapes, compõe os looks e constrói a coleção. Eu tentei alterar isso.
Continuo tendo referências, mas elas são bem mais abstratas. Eu tenho hoje o privilégio de contar com um grupo de amigos artistas que me inspiram, como Laura Vinci, Nuno Ramos, Renato Rios, Flávia Madeira, Lane Marinho.
Como funciona o seu processo criativo?
A gente vem organizando esses momentos de desenvolvimento, mas é um processo constante. O novo vem em situações específicas, e procuramos sempre revisar nossos métodos. Posso desenhar um esboço para tentar criar o piloto de uma peça e entender o quanto aquilo é possível ou não. Às vezes, a inspiração vem da experiência, do processo de fazer as roupas.
Quais são os highlights da sua marca? Tem uma peça queridinha?
Eu sou um pouco suspeito para falar, porque gosto bastante de tudo. Amo o vestido Paris, uma peça descontraída para festa. Amo os looks de transparência, são muito potentes. Um dos meus preferidos também é o conjunto de blazer com top lingerie e calça reta. Representa para a mulher um espaço no qual discutimos fortemente o papel social de liberdade feminina, trans, negra. Sempre tentamos retratar um pouco disso.
Quais são três peças que não podem faltar no guarda-roupa de nenhuma mulher?
Uma calça reta, um top lingerie e um bom blazer. Vestida assim, a mulher consegue flutuar. Ela estará pronta tanto para uma situação formal de trabalho quanto para uma festa. É bem versátil. Pode transportá-la para os anos 1970, em uma superfesta disco, ou para um tribunal.
Slow fashion ou fast fashion?
Eu não acredito em fast fashion. Essa pretensão de fazer as coisas com rapidez é uma mentira para todos nós. Eu não colocaria nem slow fashion, e sim conscious fashion.
Quais são seus planos e suas expectativas para o futuro?
Temos uma intenção muito forte de não abandonar as clientes diretas. Cada vez mais, queremos ter esses lançamentos direcionados a elas, antes da imprensa, antes dos lojistas. O formato de loja, principalmente no mercado do Brasil, tem essa questão financeira muito difícil, então é algo que vamos deixando de lado como parte do nosso foco de venda.
Queremos cada vez mais selecionar essas lojas e negociar com pessoas idôneas que tenham formas parecidas de ver o mundo.
Pretendemos participar, até o fim do ano, de um concurso na França. Queremos intensificar os negócios para o exterior também. Já vendemos algumas coisas para Alemanha e Itália.
Confira, agora, três peças de Marcelo Von Trapp que separei para montar um look all-red supersexy e atual:
Veja mais roupas do estilista na nossa galeria:
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Colaborou Rebeca Ligabue