Marcas do Projeto Sankofa ampliam narrativas negras no SPFW N51
Oito grifes comandadas por pessoas pretas estrearam no evento por meio da iniciativa, que pretende racializar a moda brasileira
atualizado
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Uma das grandes novidades da edição N51 do São Paulo Fashion Week, que terminou no último domingo (27/6), foi o Projeto Sankofa. A iniciativa, que visa racializar a cena fashion brasileira, é da plataforma Pretos na Moda com a startup VAMO (Vetor Afro-Indígena na Moda), com apoio do SPFW. Para isso, integra marcas comandadas por criativos negros no lineup do evento, além de auxiliar no desenvolvimento delas. Na edição, o projeto contemplou oito marcas, que devem participar por, pelo menos, mais duas temporadas.
Vem conferir o que cada uma delas preparou para o evento digital!
Ateliê Mão de Mãe
Sob direção criativa do casal Vinícius Santana e Patrick Fortuna, o Ateliê Mão de Mãe é uma marca baiana que nasceu no começo da pandemia, em março de 2020. O carro-chefe da label é o crochê, confeccionado por Luciene Santana, mãe de Vinícius, com ajuda de mais duas mulheres. Na coleção apresentada no SPFW N51, com referências à ancestralidade afro, o conceito gira em torno da palavra “ressignificação”.
A camisa branca, uma peça clássica, ganha modelagem oversized, mas aparece apenas como complemento em meio aos itens de crochê modernizados, que incluem um macaquinho, dois biquínis e um vestido.
As roupas e os acessórios incorporam elementos naturais já conhecidos pela marca. Entre eles, estão palha, conchas e búzios. A cartela de cores terrosa vai do marrom ao bege.
Meninos Rei
Orixá da comunicação e dos caminhos abertos, Exu inspira a coleção-cápsula e o fashion film da Meninos Rei para o SPFW N51. Não à toa, o compilado de peças foi batizado de L’oju Esú, expressão em iorubá que significa Aos Olhos de Exu.
O trabalho ganha cores alegres com uma variedade de padronagens geométricas de origem africana. As estampas são misturadas com uso de patchwork e tecidos vindos de Guiné-Bissau.
Entre as peças, a marca traz blazers, camisas, calças, top cropped com mangas bufantes, jaqueta e macacão. Acessórios trabalhados em contas coloridas e metal dourado complementam a extravagância dos visuais.
A Meninos Rei foi lançada em 2014 pelos irmãos Júnior e Céu Rocha, de Salvador, na Bahia. Já conquistou nomes como Gilberto Gil, Gaby Amarantos e Carlinhos Brown.
AZ Marias
Cíntia Maria Félix é a fundadora e diretora criativa da AZ Marias. Ela se inspira em mulheres como a mãe e a avó nas criações da marca carioca, lançada em 2015.
A grande figura feminina celebrada na última coleção é a guerreira Nzinga a Mbande (1583-1663), rainha do Ndongo, região hoje conhecida como a Angola. Durante o século 17, ela resistiu ao colonialismo português e à escravidão de seu povo, tornando-se um símbolo.
Nzinga é diretamente homenageada nos bottons e na estampa que decora uma jaqueta. Peças em tecido branco, como uma jaqueta corta-vento, ganham desenhos de símbolos andrinkas, enquanto o patchwork também constrói padronagens com referências africanas. Tudo foi criado de maneira autoral.
Naya Violeta
A grife homônima de Naya Violeta apresentou uma coleção que celebra a vida por meio da festividade do fogo, intitulada Foguete. Além do elemento natural, o processo criativo do trabalho apresentado no SPFW N51 passeia por referências ao candomblé e à ginga abordada no livro Fogo no Mato: A Ciência Encantada das Macumbas, escrito por Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino.
Estampas, bordados e acessórios de cobre assinados por Dani Guirra acrescentam uma riqueza de detalhes em meio às peças. Vale reparar na modelagem democrática e fluida.
Criada em 2007, a Naya Violeta tem sede em Goiânia, Goiás. Foi a primeira marca do Centro-Oeste a participar do São Paulo Fashion Week. A fundadora nasceu e cresceu no município de Goianira.
Santa Resistência
O desejo de criar uma marca de moda que a representasse fez Monica Sampaio deixar a carreira bem sucedida como engenheira elétrica para lançar a Santa Resistência. A vontade foi realizada em 2015.
As túnicas e os vestidos da label têm cortes que formam silhuetas onduladas, a exemplo dos modelos apresentados no SPFW N51. O olhar de Sampaio aborda a riqueza cultural e natural da África, aliada a uma cadeia de produção justa, que preza pela durabilidade e atemporalidade das roupas, princípios importantes do slow fashion.
Nesta coleção-cápsula, a estilista carioca se inspirou no pioneirismo, independência e na história marcante da princesa Elizabeth de Toro, que hoje tem 85 anos. Nascida em Uganda, ela fez história ao ser a primeira aceita na Ordem dos Advogados inglesa.
A ugandense consolidou uma carreira de sucesso como modelo nos Estados Unidos, tornando-se a primeira africana a estrelar uma capa da Harper’s Bazaar. Além disso, foi ministra das Relações Exteriores no próprio país e o representou como embaixadora da ONU.
Mile Lab
Camadas volumosas de babados e rendas se manifestam na coleção Baobá, apresentada pela Mile Lab no Projeto Sankofa. A diretora criativa e fundadora da marca, Milena Lima, buscou um diálogo entre a identidade negra e periférica com a moda. Como resultado, surge um streetwear que ganha formas com ar de alta-costura, com forte uso do algodão cru.
Fundada em 2017, a Mile Lab vê as roupas como um elo de transformação social, como disse Milena à Vogue Brasil. Desde que nasceu, a estilista mora no Grajaú, distrito localizado na zona sul da capital paulista. Na coleção apresentada, a marca propõe um olhar poético sobre o corpo marginal, traduzido em silhuetas marcantes e cheias de presença.
TA Studios
A coleção Adinkra, da TA Studios, mescla referências aos símbolos adinkras de culturas africanas com elementos e estudos sobre a cultura iorubá. Entre eles, os Exus-Orixás, bem como seus arquétipos divinos.
A união dessas simbologias agrega valores de proteção, união e abundância às peças e aos detalhes do compilado, que funcionam como se fossem amuletos. Inclusive, dois adinkras específicos aparecem entre as estampas: o Akoma Ntoaso, com forma de “cruz coração”, e o Bese Saka, que tem formato de flor.
A grife é resultado da experiência de Gisele Caldas em várias marcas de moda cariocas. Até que, em 2013, lançou a própria etiqueta (na época chamada Fridoka & Fridoquis), que abraçou a pegada agênero, consciente e afrofuturista.
Em 2019, foi reposicionada como TA Studios. Na coleção atual, as cores são inspiradas em oferendas deixadas na beira dos rios. A propósito, Gisele é cofundadora da VAMO, que está entre os responsáveis pela realização do Projeto Sankofa.
Silvério
Outro cofundador da startup de inovação social VAMO é o paulistano Rafael Silvério. O estilista estreou no São Paulo Fashion Week N51 com a grife que leva seu sobrenome. Nas criações, o estilista abordou camadas de textura.
A cor preta, que marca presença nas roupas, remete ao lugar de reflexão que é o escuro, e representa uma falta de vislumbre do futuro – mas também é onde nasce a luz. O rosa, que ilumina o lookbook, tem uma função acolhedora, motivo que fez a cor ser incorporada na identidade da marca.
A 51ª edição do São Paulo Fashion Week aconteceu de 23 a 27 junho. No total, 43 marcas participaram da programação em formato on-line. O lineup oficial englobou grifes como Ronaldo Fraga, Samuel Cirnansck, Wilson Ranieri, Rocio Canvas, Misci, Esfér, Carol Bassi, A.Niemeyer, Martins, Isaac Silva, Neriage, Modem e Flavia Aranha.
Colaborou Hebert Madeira