Lucros da Gucci despencam após episódio envolvendo blackface
Esperava-se que a grife superasse as vendas do ano passado, mas peça lançada em fevereiro atrapalhou o desempenho comercial da etiqueta
atualizado
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Em fevereiro deste ano, a Gucci enfrentou milhares de críticas por causa de um suéter desenvolvido por seu diretor criativo, Alessandro Michele. A peça, na cor preta, tinha gola alta ao estilo balaclava, com um recorte na área da boca, que levava uma estampa de lábios grossos e vermelhos, o que levou a internet a acusar a grife de praticar blackface.
Na época, várias personalidades da moda e da música reagiram negativamente. Nomes como Dapper Dan, Spike Lee, T.I., Waka Flocka Flame, 50 Cent e Soulja Boy repercutiram o caso e sugeriram, inclusive, um boicote à etiqueta italiana. Agora, cinco meses após a polêmica, o relatório de vendas da marca mostra o quanto a falta de empatia, assim como a pouca diversidade nas equipes de direção e produção, abalou os lucros da grife.
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Logo após a polêmica ganhar força nas redes sociais, a Gucci retirou o produto de circulação e divulgou um comunicado em seus perfis:
“A Gucci se desculpa profundamente pela ofensa causada pelo suéter de lã com balaclava. Podemos assegurar que o item foi imediatamente removido de nossa loja on-line e todas as lojas físicas. Nós consideramos a diversidade um valor fundamental a ser completamente reforçado, respeitado e necessário na linha de frente de todas as decisões que tomamos. Estamos totalmente comprometidos em aumentar a diversidade por toda nossa companhia e tornar esse incidente um poderoso momento de aprendizado para nosso time.”
O pedido de desculpas não convenceu. O estilista Dapper Dan, um dos colaboradores criativos da casa, foi a público cobrar medidas mais significativas. “Eu sou um homem negro antes de ser uma marca. Isso foi escandalosamente errado. Não há desculpas que possam apagar esse tipo de insulto. O CEO da Gucci concordou em vir da Itália ao Harlem nesta semana para se encontrar comigo, junto com membros da comunidade e outros líderes da indústria”, postou Dan em seu Instagram.
O diretor Spike Lee, que concorria ao Oscar pelo filme Infiltrado na Klan, também se manifestou, ao afirmar que não usaria peças da etiqueta até que a marca contratasse mais designers negros para seu staff. “As grifes precisam de profissionais negros dentro do escritório quando essas coisas acontecem”, enfatizou Lee.
Os rappers T.I., Waka Flocka Flame e Soulja Boy também falaram abertamente sobre a questão. O último, inclusive, removeu a tatuagem com a logo da grife que tinha em seu rosto. “Como um cliente que consome sete dígitos e um apoiador de longa data da sua marca, eu devo dizer: vocês fod***m com a gente. Desculpas não aceitas. Nós não iremos aceitar esse ‘ops, foi mal, não era nossa intenção ser racista’”, escreveu T.I. em rede de compartilhamento de fotos.
Com tanta repercussão negativa, o CEO da Gucci, Marco Bizzarri, decidiu implementar programas de conscientização cultural e de bolsas de estudos, para facilitar a participação de diferentes comunidades dentro do escritório da etiqueta, mas as ações não foram suficientes para aliviar a queda nas vendas da maison.
Na semana passada, a Kering, holding francesa que detém a Gucci, divulgou os resultados da grife no primeiro semestre de 2019. Era esperado que o relatório trouxesse um desempenho melhor que o do ano passado, quando os lucros subiram 40% em relação ao primeiro trimestre de 2018, mas o salto na receita foi bem mais tímido.
As vendas aumentaram 13% em relação aos três primeiros meses deste ano, algo que parece satisfatório se compararmos com outras etiquetas da Kering. Ainda que Saint Laurent, Balenciaga e Alexander McQueen tenham tido um bom desempenho, não chegaram aos pés da Gucci, que hoje representa 80% dos lucros da holding.
No entanto, o desaceleramento do crescimento previsto revelou uma queda de 2% no consumo da companhia nos Estados Unidos (EUA), o que levou as ações do conglomerado a caírem 8,6% depois da divulgação dos resultados, na última quinta-feira (25/07/2019).
Os analistas do grupo culparam as tensões comerciais entre os EUA e a China pelo fenômeno, mas especialistas acreditam que a baixa dos lucros se deve ao polêmico suéter balaclava, uma vez que a Gucci decidiu ser mais discreta em suas estratégias de marketing até a situação se dissipar.
“Acho que queríamos avaliar a reação dos consumidores após o problema que tivemos nos EUA antes de criarmos mais ações de marketing, pois estávamos com medo de que o retorno desses investimentos adicionais fosse muito ruim, considerando o contexto”, disse Jean-Marc Duplaix, diretor financeiro da Kering ao Business of Fashion.
Após a divulgação do relatório e a baixa nas ações, a Gucci decidiu correr atrás do prejuízo e apresentou, nesta terça-feira (30/07/2019), sua chefe de diversidade. Renée Tirado, advogada que já ocupou este cargo na Liga Americana de Baseball, implementará estratégias globais de igualdade e inclusão, a começar pelo aumento da diversidade na equipe.
Ao WWD, Marco Bizzarri disse que a profissional foi indicada por um amigo em comum, após o incidente da balaclava. De acordo com o site, Renée se manteve calma durante todo o processo e pensou em longo prazo.
“Essa posição é um tijolo fundamental para aprofundar nosso compromisso e apoiar as iniciativas que já estão em vigor. Como uma organização que está sempre aprendendo, nos desafiamos a, nos últimos meses, acelerar nossa visão de desenvolver uma organização mais forte. Estou confiante que Renée vai nos ajudar a criar a mudança tão importante que queremos ver não apenas em nossa empresa mas também na indústria da moda”, relatou Bizzarri.
A esta altura, resta esperar para ver se a label se recupera, enquanto os executivos que dirigem o grupo Kering esperam que as vendas da Gucci superem 9 bilhões de euros até o final do ano.
Colaborou Danillo Costa