John Galliano: veja a excêntrica e controversa trajetória do designer
A coluna traz uma retrospectiva de acontecimentos na carreira do estilista mais ousado da moda contemporânea
atualizado
Compartilhar notícia
Sempre excêntrico, o designer britânico John Galliano agitou a última Semana de Alta-Costura com um desfile teatral e marcante para a grife francesa Maison Margiela, da qual é diretor criativo há quase uma década. No geral, o estilista já passou por muitos altos e baixos no mundo da moda, mas, atualmente, é considerado uma das mentes mais brilhantes já vistas na indústria. A coluna traz uma retrospectiva de acontecimentos na carreira de Galliano para você conhecer o legado fashion dessa personalidade controversa, mas talentosa.
Vem saber mais!
A vida de John Galliano
John Galliano nasceu em 28 de novembro de 1960 em Gibraltar, uma comunidade britânica na Península Ibérica. O jeito criativo do estilista teve o destino entrelaçado com a moda desde os primeiros anos de vida. Filho de um encanador e uma dona de casa, ele teve o interesse fashion despertado a partir da paixão da mãe por lindos vestidos.
A trajetória do britânico levou a família a se mudar para Londres, na Inglaterra, onde ele deu os primeiros passos rumo a uma notável carreira. Por lá, o jovem ingressou na Central Saint Martins College of Art and Design, uma das faculdades mais renomadas do mundo para quem estuda moda.
A coleção de fim de curso foi apresentada com triunfo e, no dia seguinte, estava em exibição nas vitrines da icônica loja de departamentos Browns. O reconhecimento logo veio de maneira impressionante, com ninguém menos que a lendária cantora Diana Ross como a primeira compradora de uma peça de Galliano. A peça adquirida foi um colete do então recém-descoberto gênio da indústria.
Durante os estudos, Galliano não apenas se dedicou à moda, mas também trabalhou em um teatro. Essa experiência exerceu influência significativa nas futuras criações que apresentaria. A vida agitada nos clubes noturnos e a imersão no mundo artístico de Londres deixaram uma marca inegável na personalidade e no estilo de John Galliano, o que resultou em um dos designers mais visionários e ousados da moda contemporânea.
Givenchy e Dior
A trajetória de John Galliano na moda é marcada por desafios, ousadia e reviravoltas. Em 1984, decidido a trilhar o próprio caminho, o britânico fundou a marca homônima, e, no ano seguinte, apresentou o primeiro desfile com o polêmico título O Afeganistão Rejeita os Ideais Ocidentais.
Em 1987, Galliano teve uma virada de chave na carreira quando recebeu o prêmio de Estilista Britânico do Ano, o primeiro de quatro que conquistaria ao longo da própria jornada. Contudo, em 1991, diante de inúmeros desafios em Londres, decidiu buscar novas oportunidades em Paris, na França, mas os obstáculos, ainda assim, persistiram.
Foi quando o designer entrou em cena com o apoio de figuras influentes na moda. São Schlumberger, uma mulher da alta sociedade parisiense, emprestou a própria mansão para Galliano apresentar o que viriam ser algumas das criações mais comentadas no universo fashion. Além dela, a icônica modelo Kate Moss, amiga pessoal do estilista, e Christy Turlington aceitaram desfilar gratuitamente para a grife do britânico.
Com esse apoio, Galliano tornou-se um dos estilistas mais requisitados na capital francesa, o que chamou a atenção de Bernard Arnault, diretor executivo e presidente do LVMH, maior conglomerado de artigos de luxo do mundo. Com o feito, o designer foi escolhido para liderar a direção criativa da Givenchy em 1995.
Após substituir o fundador Hubert Givenchy por apenas alguns meses, o britânico foi chamado para assumir outra casa emblemática da moda: a Dior. A maison estava em decadência, mas o estilista aceitou o desafio. A partir de 1996, Galliano revitalizou a marca e produziu criações inovadoras e extravagantes com os próprios toques característicos, que resultaram em um comando criativo marcante para o resto da história da Dior. Ele ficou na etiqueta francesa até 2011.
A grande queda
Em 2011, John Galliano foi o centro de uma polêmica após a divulgação de um vídeo gravado em 2010 em que o britânico profere declarações sérias e ofensivas em um bar no bairro de Marais, no centro de Paris. Nas imagens divulgadas pelo jornal The Sun, Galliano é filmado enquanto faz declarações perturbadoras, incluindo a frase “eu amo Hitler”, direcionada a um grupo de mulheres no bar. O estilista ainda completou o ataque com insultos antissemitas: “Pessoas como vocês estariam mortas hoje. Suas mães e seus antepassados teriam sido mortos pelo gás”.
O caso resultou na demissão de Galliano da Dior, grife na qual atuava como diretor criativo na época, após ter sido detido na cidade em fevereiro daquele ano devido ao ocorrido. A casa de moda, ao suspender o estilista, demonstrou uma postura firme diante das alegações. Com isso, a seriedade da polêmica diante da indústria ficou evidente.
O ocorrido foi tanto criticado quanto compreendido por alguns. A editora Hilary Alexander, do jornal Telegraph, na época, por exemplo, defendeu que, apesar do comportamento “indesculpável”, Galliano precisava “do amor da indústria à qual dedicou a vida”.
Quem o ajudou a se reerguer foi Kate Moss, que o procurou no mesmo ano para que ele fizesse um vestido de noiva. Ela se casou em julho de 2011 com o roqueiro Jamie Hince. Para o estilista, a produção da peça nupcial foi uma “reabilitação criativa”, pois também sofria com problemas relacionados ao abuso de álcool e drogas.
O recomeço
O retorno de John Galliano ao cenário fashion ocorreu com a nomeação como diretor criativo da Maison Margiela em 2014. Ele havia ficado afastado da indústria desde 2011, quando foi demitido da Dior e da própria grife após os comentários nazistas e antissemitas feitos por ele em Paris.
A confirmação do retorno foi anunciada por Renzo Rosso, proprietário da Only The Brave, empresa controladora da Maison Margiela, que expressou grande entusiasmo com a chegada de Galliano: “Margiela está pronta para uma nova alma carismática e criativa. John Galliano é um dos maiores talentos de todos os tempos, um costureiro único e excepcional que sempre desafiou e inovou o mundo da moda”.
Galliano ficou responsável pelas coleções feminina e masculina de prêt-à-porter, bem como pela alta-costura da grife francesa. O aguardado retorno do estilista às passarelas ocorreu em janeiro de 2015, para apresentar a coleção de outono/inverno da marca fundada por Martin Margiela em 1988. Nos últimos anos, criações impactantes têm sido destacadas no portfólio de Galliano.
Últimos destaques
Na última temporada da alta-costura, John Galliano reafirmou seu papel como um dos estilistas mais inovadores da indústria da moda com o desfile da Maison Margiela, a qual comanda desde 2014. A Ponte Alexandre III, em Paris, serviu como cenário para o espetáculo do estilista, que mergulhou nos arquétipos franceses de séculos passados para criar looks dramáticos.
A apresentação foi considerada “uma coleção que deixa outros espetáculos de alta-costura na poeira” pelo portal The Cut, enquanto a Another Magazine ousou prever que o desfile “mudará a moda para sempre”.
A inspiração por trás da coleção primavera/verão 2024 da Maison Margiela foi o renomado fotógrafo húngaro Brassaï, conhecido pelas imagens fascinantes da capital da França nos anos 1930. O show apresentou ainda uma abordagem provocativa das formas do corpo humano, com destaque para os espartilhos e silhuetas marcadas.
A coleção também refletiu as tendências da temporada, como a transparência. Além disso, inseriu corsets, rendas, tules e trench coats com bordados e brilhos, em tons de marrom, preto e cinza, para complementar a estética performática construída por Galliano.
Após triunfar na Semana de Alta-Costura, o estilista ainda brilhou ao produzir um vestido exclusivo para a cantora Miley Cyrus usar no Grammy 2024. No tapete vermelho, a artista revelou o item composto por 14 mil alfinetes dourados, e que levou levou 675 horas para ser feito no ateliê da marca. O modelo faz referência a uma peça elaborada por Galliano para a Dior, usada por Milla Jovovich no Festival de Cinema de Cannes em 1997.
Documentário chega aos cinemas brasileiros
O documentário Ascensão e Queda – John Galliano, dirigido pelo cineasta Kevin Macdonald, está previsto para chegar aos cinemas nacionais em março deste ano após o MUBI, serviço de streaming e distribuidora global, unir forças com a O2 Play, distribuidora do grupo O2, para trazer o longa ao Brasil. A obra cinematográfica oferece uma visão profunda e reveladora sobre a vida e a carreira do estilista, considerado um dos designers mais influentes e controversos da história da moda.
A narrativa abrange desde os primeiros passos de Galliano como estudante de moda na prestigiada universidade Central Saint Martins, em Londres, até a própria ascensão ao se tornar o diretor criativo de uma das maiores marcas de moda do mundo. Além disso, os desafios enfrentados por Galliano ao longo da vida, como a batalha contra o vício em drogas e as intensas pressões da indústria da moda, também são compartilhados.
Com imagens de arquivo dos deslumbrantes desfiles de alta-costura ao longo dos anos, o filme promete transportar o público para os bastidores do universo fashion durante os momentos mais marcantes da carreira de Galliano. O documentário apresenta também extensas entrevistas com o próprio estilista para proporcionar uma visão mais íntima das experiências do profissional.
A participação de personalidades como Naomi Campbell, Kate Moss, Penélope Cruz, Charlize Theron, Anna Wintour, Edward Enninful, entre outras, faz com que o projeto exponha perspectivas variadas sobre a complexa realidade da indústria.
John Galliano tem um estilo criativo que poucos entendem de verdade, mas muitos apreciam. Em contrapartida a tudo já visto na moda, o estilista consegue encapsular variados elementos fashion em uma só mente de forma descontraída, ousada e inovadora. Momentos polêmicos nunca serão — e nem devem ser — esquecidos, mas, de alguma forma, o talento do designer também não.