Joalherias em crise: visão antiquada custa caro às lojas do setor
Falta de diversidade e marketing ultrapassado fazem com que as novas gerações se afastem cada vez mais do segmento de joias
atualizado
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Em cena clássica do filme Os Homens Preferem as Loiras, de 1953, Marilyn Monroe eternizou a máxima de que “os diamantes são os melhores amigos das mulheres”. Quase sete décadas depois, no entanto, este longo relacionamento parece estar ameaçado. Após 1.670 joalherias fecharem as portas nos EUA entre 2017 e 2018, o segmento de pedras e metais preciosos chega a esta década sem qualquer sinal de adaptação às mudanças que transformaram a moda nos últimos anos, afastando as novas gerações e definhando diante do comércio on-line.
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Não é segredo que o varejo norte-americano está em crise, mas, na indústria de joias, esse declínio tem apresentado um ritmo alarmante.
Um relatório da Junta Comercial de Joalheiros dos Estados Unidos (JBT) informou que 853 empresas do ramo encerraram suas atividades em 2018, o que, somado às 817 lojas que deixaram o mercado em 2017, fez o segmento começar o ano passado em clima de cautela.
Com os estoques parados, graças ao enfraquecimento do setor, 2019 chegou ao fim com uma queda de 25% na vazão de pedras brutas e 15% na venda de diamantes polidos. Esperava-se que as festas de fim de ano voltassem a aquecer o comércio de joias, mas nem o Papai Noel impediu que as vendas globais de brilhantes diminuíssem 2%.
Na China, o resultado foi ainda mais preocupante, com uma queda de 5%. “Nos EUA, a desaceleração é atribuída a três coisas: diminuição da confiança, um declínio no turismo e uma tarifa de 15% sobre joias chinesas que entrou em vigor em setembro. Já na China, o declínio é resultado da depreciação do Yuan e dos protestos de Hong Kong”, pontua um relatório desenvolvido pela Bain & Co.
A empresa de consultoria hesitou em fornecer uma perspectiva para 2020, afirmando que o mercado “permanece incerto, devido à instabilidade geopolítica contínua, fortes sinais de uma recessão e suporte limitado de marketing”, mas a expectativa é que o cenário não mude tão cedo. Isso não quer dizer, contudo, que não haja dinheiro no setor.
Um recente estudo do site de casamentos Brides revelou que os casais gastaram uma média de US$ 7.829 em anel de noivado em 2018, um aumento de 56% em relação aos US$ 5.023 registrados em 2017. Este dado, comparado à idade média do primeiro casamento nos EUA (29,8 para homens e 27,8 para as mulheres), coloca os millennials no centro dos problemas do segmento de joias.
“As gerações Y e Z compõem 2/3 das compras de diamantes. Eles são o maior segmento e demonstraram forte interesse na categoria, mas os padrões impostos pelas mídias sociais e a maneira como gastam seu dinheiro mudou o mercado”, afirma Kathryn Money, vice-presidente de estratégia e merchandising da Brilliant Earth, ao Retail Dive.
Marty Hurwitz, co-fundador e CEO da MVI Marketing, garante que as tradições do segmento são as grandes responsáveis pela derrocada.
“É uma indústria dominada por homens que vendem produtos para mulheres, o que é uma grande desconexão. Além disso, é um mercado muito branco. Existem blocos de consumidores que o setor está evitando, sem sinais de mudanças”, admite.
Hurwitz explica que o segmento precisa examinar atentamente seus problemas e encontrar maneiras de solucioná-los. “O desafio para a indústria é aceitar que está atrasada e tomar as medidas necessárias para atender um público mais jovem e eticamente centrado. Agora, para o consumidor, parecemos o que somos: um bando de velhos brancos criando um produto e controlando-o”, enfatiza o empresário.
Hoje, a compra de joias é encarada como uma prática blindada. A experiência nas lojas sempre envolve uma certa distância entre clientes e mercadorias. “Quando você entra em uma joalheria, você não pode tocar em nada. Existe esse limite entre o cliente e o produto até que o vendedor reúna ambas as partes em uma sala normalmente intimidadora. Parece muito pesado e antiquado”, analisou Lee Senderov, presidente da Richline Digital.
Este cenário envolto em mistério, muitas vezes, inibe os consumidores que têm vontade de investir no acessório. A joalheria está pronta para responder as dúvidas, quando, na verdade, deveria disponibilizar as informações ao público. Segundo Ben Smithee, CEO do Grupo Smithee, as empresas têm medo da transparência.
“Estabelecer confiança é particularmente importante no varejo de diamantes, pois é uma compra com preços altos. Os consumidores querem se sentir bem informados sobre suas compras, mas os joalheiros estão preocupados com lucros”, garante Smithee.
Ele continua: “há uma preocupação de que, se contarmos demais às pessoas, isso reduzirá o preço ou os consumidores perceberão que fizemos um trabalho terrível em resolver os problemas do mercado. No entanto, em um cenário no qual os clientes realmente se importam com a cadeia de custódia, isso é necessário.”
Para ele, a geração millennial se importa mais com transparência e ética do que com preços. “Eles estão buscando empresas que tenham práticas socioambientais. Não sei se alguém realmente pergunta sobre mineração, mas as pessoas viram o filme Diamante de Sangue e querem saber se estão contribuindo para isso”.
Se as joalherias não fornecem informações acessíveis, a única saída para o consumidor é a internet. Cerca 87% dos compradores iniciam pesquisas sobre joias on-line, mas a inserção das marcas do segmento nas plataformas digitais ainda é bem tímida. “Apenas 10% das jóias são compradas em e-commerces e, quando há um perfil no Instagram, em muitos casos, ele é gerido por um parente. O setor está muito atrasado”, diz Lee Senderov.
O Instagram, em particular, mudou a maneira como as joias são vendidas. “Os joalheiros do Instagram estão vendendo itens caros e você tem muitos influenciadores conquistando as consumidoras”, relata o presidente da Richline Digital ao Retail Dive.
De acordo com o CEO do Grupo Smithee, os varejistas desse setor precisam fazer um maior investimento nas plataformas digitais.”O mercado de noivas é formado, basicamente, por jovens que consomem mídias sociais. Os sobreviventes serão aqueles que se adaptarem a isso”, conclui.
Vendas pelo WhatsApp
A brasileira Andrea Conti sabe como ninguém a importância das plataformas on-line para o segmento de joias. Sem site ou ponto físico, a designer vende itens de 40 mil reais pelo WhatsApp. Após encerrar as atividades na marca Conti.Salem, em 2015, a empresária investiu no Instagram e suas influenciadoras para alavancar seu novo negócio, que vai muito bem, obrigada.
Em Brasília, Isabella Nasser é um dos nomes que tem olhado para o futuro. Especialista em alianças de casamento, a joalheira tem quase metade de suas vendas fechadas via internet.
“No meu caso, as redes sociais foram fundamentais para as clientes me encontrarem, porque vendo muito para fora de Brasília. Algumas vieram até aqui na primeira compra, mas as demais foram fechadas on-line. É um grande canal de divulgação e credibilidade”, relata a designer.
A chave para o e-commerce funcionar, segundo ela, está nas descrições do produtos e na atenção ao cliente. “Tem que ter cada informação destrinchada para o consumidor: tamanho, qualidade, espessura e, se o cliente quiser, mando fotos e até vídeos da peça. Nunca houve um episódio no qual o cliente reclamou após a entrega do produto”, releva.
Ela aconselha que os interessados em comprar joias on-line se informem bem antes de adquirir o produto. “Tem que ter um olho clínico. Até mesmo o ângulo da foto pode enganar. É bom ir atrás de todos os detalhes e imagens que conseguir”, indica.
Por meio das vendas on-line, Isabella viu seu ticket médio aumentar nos últimos anos. “Se antes os casais investiam R$ 6.000 em alianças, hoje, investem R$ 20.000. O que eles querem é que a peça tenha a cara e história deles, em diamantes, ouro rosa ou turmalinas paraíbas”.
A possibilidade de fazer compras 24h por dia, sete dias por semana, fez com que muitas mulheres entrassem no mercado de joias mais cedo, antes de ficarem noivas.
Em 2011, o Wall Street Journal relatou que dois terços das joias eram vendidas a homens que presenteavam mulheres. A realidade, neste momento, é distinta. O público feminino está comprando suas próprias peças. A plataforma de pesquisa de moda Lyst registrou que as mulheres corresponderam a 78% das compras de joias originadas no site em 2019.
Em outra pesquisa, feita pelo grupo Yoox Net-a-Porter com mulheres da geração Y, 60% das entrevistadas afirmaram que não esperariam que outra pessoa as presenteasse com uma joia.
“Antigamente, você vendia e tentava manter os clientes, mas, agora, é o contrário. As mulheres não decidem sua aliança da noite para o dia. É uma construção feita a longo prazo. Quando chegar a hora do casamento, elas optam por marcas que já consumiram e confiam”, sugere Ben Smithee.
Há 20 anos no mercado brasiliense, a designer Vânia Ladeira sentiu a mudança.
“Minhas clientes são independentes financeiramente e emocionalmente. Elas passaram a se presentear e, com isso, o design se tornou muito mais relevante, porque os homens são apegados ao tradicional. Para eles, sendo de ouro e diamante já está bom. As mulheres, porém, descobriram o mundo de possibilidades que o segmento de pedras preciosas traz.”
Segundo ela, o mercado não gira mais em torno de rubis, safiras e esmeraldas. “Outras gemas coloridas finalmente adquiriram protagonismo. Até mesmo a prata passou a ser mais valorizada.”
Na visão de Vânia, as mulheres enxergam suas peças de uma maneira diferente. “Eu acho que tivemos mudanças profundas, porque a crise e as redes sociais alteraram a forma com que as pessoas consomem. As minhas joias, por exemplo, não são mais compradas, mas adquiridas como obras de arte, de acordo com a afinidade que a cliente tem com meu trabalho e minhas criações”, detalha Ladeira.
A joalheira diz que as mulheres já não consomem peças para guardá-las no cofre até que um evento de gala apareça na agenda. “Elas querem investir em peças descomplicadas, que se adequem ao dia a dia. Com isso, os diamantes perderam um pouco de sua importância, ao passo que as tendências do mundo da moda começaram a ter uma relação mais direta com o segmento”.
Miranda Castro, presente no segmento de joias brasiliense há 35 anos, enfatiza a aproximação do ramo de joalheria com a moda. “Fazíamos uma peça e vendíamos o mesmo modelo por muitos anos. Não tinha essa rapidez. No momento, tudo tem que ser inovado às pressas. As tendências de joias evoluem na mesma velocidade que as de bolsas e roupas. Se você não tiver antenada e não mostrar um trabalho diferenciado, não sobrevive”, acredita.
Em relação ao aumento de consumidoras mulheres, ela não observa a movimentação em suas vendas. “Joias ainda contam histórias e os homens, certamente, ainda ajudam a eternizá-las. Eles compram para marcar um noivado ou o nascimento de um filho. Atendi três gerações de mulheres e todas elas sempre compraram suas próprias joias, não é uma novidade para mim”, afirma.
Prestes a investir em um e-commerce, Miranda se mostra cética em relação às vendas on-line. “Eu acho um pouco complicado. Tem que saber a procedência. Afinal, estamos falando de metais e pedras de alto valor. Assim como as bolsas, existem joias falsificadas e réplicas. Para quem não entende, é difícil diferenciar um diamante de uma zircônia por fotos.”
Recentemente, a marca Miranda Castro teve um caso que ilustra bem os perigos do mercado on-line. “Uma cliente comprou um anel em um programa de televisão e o deixou na loja para aumentarmos. Ao começar o trabalho, vimos que apenas umas das pedras era diamante de verdade. Saber de quem você está comprando é primordial no ramo da joalheria. Tem que ter confiança, relacionamento e credibilidade”, afirma a designer. Neste momento, ela desenvolve peças para Rohan Marley, neto de Bob Marley, e Dr. Rey.
Para Miranda Castro, a baixa no mercado de joias se deve a maior variedade de produtos de luxo disponibilizados no Brasil. “Há 20 anos, não tínhamos smartphones. Era preciso viajar ao exterior se quisesse comprar Gucci ou Prada. Em 2020, temos todos esses produtos aqui e eles competem diretamente com as joias”, explica.
Com a liberação do casamento homoafetivo em alguns países, os LGBTs passaram a ocupar uma fatia maior do segmento de joias. Contudo, ainda que 20% dos millennials se declarem gays (segundo dados da Aliança de Gays e Lésbicas Contra a Difamação – Glaad), esse grupo não se vê representado nas joalherias.
“Eles deveriam visar casais, noivas mais jovens, mulheres que compram, consumidores negros, a comunidade LGBTQ e os consumidores latinos, mas a indústria de joias ainda é muito masculina. As empresas estão perdendo clientes diariamente devido à incapacidade de entender o novo consumidor”, condena Marty Hurwitz.
Colaborou Danillo Costa