Herança criativa: marca de irmãs faz peças únicas com tecidos da avó
A Dolores de Mi Corazón foi fundada em meio à pandemia como uma forma de resgatar o DNA da própria família
atualizado
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Foi a partir da herança de tecidos da avó de Sabrina, Mirella e Ninna Granucci que nasceu a marca Dolores de Mi Corazón. Lançada digitalmente este mês, a grife resgata o DNA da própria família e honra antepassados. As irmãs se juntaram para lançar peças únicas, de vestuário e acessórios, a partir do reaproveitamento de materiais. Sustentabilidade, slow fashion e mão de obra artesanal estão entre os pilares da label.
Vem conhecer!
Mesmo com todos os desafios impostos pela pandemia, alguns profissionais encontraram espaço para se reinventar. É o caso da estilista e consultora de imagem Sabrina Granucci, que decidiu entrar em uma aventura com o propósito de união familiar. “Eu senti uma necessidade de movimento, do trabalho, de toda essa coisa que nos levou a ficarmos mais pensativas sobre o que gostamos de fazer e usar o nosso tempo de uma maneira muito útil e agradável”, destaca.
A equipe Granucci é comandada por Sabrina, de 33 anos. Formada em design de moda e administração de moda, a diretora criativa mora em Florianópolis, Santa Catarina. Completam o time a bióloga Ninna, de 34, radicada em Toulouse, na França; e Mirella, que, aos 31, é formada em artes cênicas e vive em Santiago, no Chile. A distância física não atrapalhou os planos.
“Em uma conversa cotidiana com minhas irmãs, eu falei: ‘Meninas, eu quero fazer isso e agora eu entendi que é com vocês que eu preciso ir em frente. Acho que é muito importante que eu faça a marca com todas incluídas’”, lembra. Em 12 de fevereiro – data de nascimento da homenageada Dolores Martins (1939-2012) – a grife foi fundada oficialmente, mas sem produtos lançados de imediato.
A Dolores de Mi Corazón não trabalha com coleções. Os lançamentos exclusivos ocorrem a cada 15 dias no e-commerce da etiqueta. Os itens são desenvolvidos a partir do tecido e dos adereços disponíveis, encontrados no acervo deixado pela avó, que foi dona de uma confecção fundada nos anos 1980, em Itirapina (São Paulo).
Confira um bate-papo com Sabrina Granucci:
Você fundou a marca junto com as suas irmãs. O que o negócio representa para vocês atualmente? Como escolheram o nome?
Sabrina Granucci: Para nós, a marca tem tido alguns sentidos, que a gente considerou quando criou. Representa união das irmãs, adultas, em uma etapa em que cada uma já andou com a vida, fez escolhas de profissão e de vida muito diferentes. Foi um jeito de estarmos próximas, falando de coisas de trabalho e negócio.
O segundo sentido, que para nós também é muito importante, é honrar essa antepassada, e os antepassados, em geral. É valorizar essa geração que veio antes dos nossos pais. Foi uma geração que se sacrificou muito e se dedicou muito à família. Para a gente, isso faz muito sentido, essa valorização, principalmente das mulheres da nossa família.
A gente escolheu o nome porque a nossa avó se chamava Dolores Martins e era de uma família espanhola. “Dolores” em espanhol significa dor. A gente queria fazer uma homenagem, algo que tivesse tudo a ver com ela, mas não queria que tivesse essa relação negativa com a palavra “dor”, que é muito pesada. Então, a gente escolheu transformar isso em “Dolores de Mi Corazón”. Esse sentido de “dores do coração” tem a ver com a saudade que a gente sente, fala como uma “dor positiva”. É um jogo com o nome dela, que está em nossos corações.
A marca é uma homenagem à avó de vocês, certo? Conte um pouco da trajetória dela.
Tem muito a ver com isso. A marca só existe por causa dela. A nossa avó – agora, olhando com um olhar de uma adulta – era uma mulher à frente do tempo dela. Nunca foi daquele tipo de ‘vozinha’ que cozinha, bem idosa. Ela era muito ativa, até no período do fim da vida. Sempre fez muitos cursos. Ela foi morar com meu avô, teve um filho e depois de vários anos se casou, depois que já tinha o meu pai. Também se separou em uma época em que isso era muito mal visto. Nessa época, ela já tinha a confecção sozinha. Ela tinha um sócio, mas depois ficou só ela. Tocava tudo sozinha. Tinha mais de 40 costureiras trabalhando para ela.
Conversando, hoje, com pessoas que trabalharam com ela, nos contam que ela ajudava muito as mulheres, algumas que apanhavam dos maridos, por exemplo. Ela dava uma força. Ela era bem do mundo. Tinha uma pegada sustentável, que hoje a gente consegue perceber… Reciclava muitas coisas, sempre teve isso muito forte. E ela tinha esse desejo de que fôssemos mulheres muito ativas, independentes, com autonomia.
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Como você definiria o DNA da marca?
A ideia tem muito a ver com o que já existia ali. A identidade da marca foi se apresentando, é como se a gente não tivesse desenvolvido, como se ela já estivesse pronta dentro das limitações que a gente tinha. O DNA da marca tem essa história muito própria, muito única, de usar os tecidos da nossa avó que sobraram, que ficaram, da confecção. Ela deixou de trabalhar e isso ficou parado por anos no ateliê dela.
A própria história, que a gente herdou, já é muito do DNA da marca. A gente também busca um caminho mais sustentável, de querermos incluir todas as mulheres. Quando começamos a mexer, percebemos que tínhamos tecidos muito variados, então, não conseguiríamos fazer muitas numerações. Entendemos que, como eram poucos, não valeria a pena escalar modelagem, seria muito interessante fazer uma marca que servisse para muitos corpos.
Por que criar uma marca baseada no slow fashion e sem coleções definidas?
Os tecidos são muito variados, não têm conexão de cor, de material, entre si. Nos pareceu muito bacana trazer esse conceito de que a gente era o que a gente tinha, com as limitações criativas. Isso fez com que a marca criasse uma identidade muito própria. Que a cada lançamento, a gente valorizasse cada peça, falasse dela, explicasse o porquê do nome, os materiais, a maneira de usar.
Como tem sido a recepção do público?
As pessoas têm sido supercarinhosas, mandando mensagens. Apareceu até uma costureira que trabalhou com a nossa avó e nos escreveu.
Estamos muito felizes. Esperávamos um público muito próximo da nossa geração, de mulheres entre os 30 a 40 anos, que é a mulherada muito consumidora dessas marcas com identidade, slow fashion. Estamos surpresas que mulheres de 50 a 60 anos têm se aproximado da marca e comprado. Isso foi uma surpresa muito positiva. É um público bem plural.
Quais são os desafios enfrentados atualmente?
Atualmente, o que temos achado difícil é ir contra a maré. Acho que as pessoas ainda procuram promoções, descontos, lançamentos massivos. O desejo que a indústria gera normalmente nas pessoas, esse impulso de compra… Nós não desejamos que as nossas clientes queiram comprar por comprar. Ir contra todo esse sistema, que já está estruturado, é bem difícil. É uma reeducação que estamos fazendo junto com o consumidor.
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A diretora criativa
Como sua relação com a moda começou?
Eu gosto de moda desde que eu me conheço por gente. A minha mãe fala que era uma loucura na hora de vestir quatro filhas. Ela fala “era difícil, eu punha qualquer roupa em cada filha, mas você, Sabrina, queria escolher a sua roupa”. Então, eu gosto de roupa, estética e moda desde sempre. Acabei optando por estudar moda.
Você sempre quis ser estilista?
Sempre quis. Quando me formei, fui morar no Chile e trabalhei com produção de moda para revista, e com alguma produção para comercial. Montei minha marca [homônima] lá, que tive por quatro anos.
Sempre gostei da minha área, mas que eu também entendia o fast fashion como algo muito frívolo. Termina a coleção, você nem curtiu o que fez, e já tem que criar outra coisa. Tem que vender na promoção para conseguir faturar… Eu sempre gostei, mas na época foi, ao mesmo tempo, bem traumático. Eu entendi que a moda que eu queria fazer não era essa, não era nesse ritmo. Por coisas da vida, voltei para o Brasil e comecei a trabalhar com consultoria de imagem, mas sem perder o desejo de criar peças.
Dentro da consultoria de imagem, sempre tive contato com clientes mulheres e eu via essa dificuldade com essa coisa da etiqueta, de ter que entrar em um número, de querer usar um número menor, e o quanto isso é difícil, como mulher. Isso eu trouxe para a Dolores: uma criação muito mais lenta, leve, sem pressão.
Como funciona o seu processo criativo?
Acho que é muito da minha vivência e acaba também tendo muito da minha vó, que tinha um jeito muito particular de se vestir. Não era ‘vozinha’ de saia e meia-calça. Ela era vó de calça jeans e camisa larga masculina. Tinha um jeito muito próprio e a marca carrega muito desse espírito jovem e cheio de personalidade.
Na Dolores, eu falo – mais uma vez – que o que manda é o tecido. Como são supervariados, eu olho pra cada tecido e entendo o que ele quer ser (risos).
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A Dolores de Mi Corazón nasceu para ser marcante, mas em um período indeterminado. “Há a limitação de que, quando acabarem os tecidos, a marca para. Ela vai acabar junto. Nós entendemos que a marca é feita com esse propósito de usar o que está aí, de valorizar o que era da nossa avó”, reconhece Sabrina Granucci. “A gente até brinca que ‘tantos metros de dolores se fue al cielo’, que é essa coisa de que ela vai subindo conforme as peças vão sendo feitas e compradas”, conclui a estilista.
Colaborou Rebeca Ligabue