Revolução no simples: o impacto do grunge na moda dos anos 1990
Uma despretensiosa simplificação dos visuais trouxe mudanças na indústria que nem os próprios vanguardistas grunge esperavam
atualizado
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O fim dos anos 1980 foi marcado por uma grande transformação na indústria da música. Com a aproximação de uma nova década, o grunge surgiu com a intencionalidade de fugir do mainstream, ação que requer rebeldia e negação de tudo o que está na moda. Um paradoxo, pois, assim, se criou uma nova moda cujas visões impactam desde 1990 até hoje.
Vem com a gente conhecer um pouco mais desse movimento!
A palavra grunge significa a poeira que se acumula nas superfícies. Desde o batismo, fica claro o que esperar de um movimento com “limitado senso de estilo”, como definiu um dos principais expoentes, Mark Arm, vocalista da banda Mudhoney.
As rádios americanas e europeias estavam dominadas pelas chamadas hair bands, que, além da música, se destacavam pelo glamour estético e, dando nome à tendência, os enormes estilos de cabelo. Europe, Van Halen e Mötley Crüe são alguns dos cabelões que encantavam e influenciavam fãs ao redor do mundo. Looks de couro, animal prints, maquiagem e androginia estiveram presentes durante todo o rock n’ roll dos anos 1980.
Ao final da década, a indústria começou a perder o encanto pelo glitter e pelo exagero que a dominaram por anos e, como toda nova era rejeita a última, foi o momento ideal para o nascimento do grunge, no coração do estado americano de Washington.
Grunge, cru e desleixado
Apresentações ao vivo nada espetaculares, sem fogos nem acrobacias, tendo a música como estrela central e as letras como parte essencial da experiência. O estilo, em sua essência, era despretensioso. Inspiradas no punk, as bandas Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden, Mudhoney e Hole, encabeçada por Courtney Love, lideraram o movimento artístico e social que se caracterizava pela crueza estética e poética, com letras que falavam da dor, das inseguranças sociais e emocionais, e da alienação midiática.
O grunge não era antimoda, apenas não dava valor a ela, e isso fez diferença no impacto cultural, como uma vez explicou James Truman, editor-chefe da revista Details: “o punk era antimoda. O grunge não está fazendo uma declaração sobre isso, e é por isso que a Moda ficou louca por ele”.
O desleixo se tornou regra, e a regra saiu dos estúdios e se tornou tendência. Ao tentar fugir do mainstream, convencional se tornou, e a fama não foi rejeitada. Os anos 1990 abraçaram o grunge na estética e na música. Logo em 1991, Nevermind, do Nirvana (aquele da icônica capa), foi o terceiro álbum mais vendido do ano, e hoje é um dos 30 mais vendidos da história.
Iguais na simplicidade
No grunge, destacava-se a pouca diferenciação de gênero, já que tanto homens quanto mulheres usavam roupas largas, jaquetas, suéteres oversized, flanela xadrez e cabelos no ombro. Para provar, basta comparar as bandas masculinas (maioria no cenário) aos grupos femininos, como o L7. De onde vinham as roupas? Grande parte, de brechós e instituições de caridade. A moda grunge refletia o poder econômico dos jovens americanos que, pela rebeldia, fundaram um movimento que negava o luxo.
No início dos anos 1990, foi vendida a primeira calça jeans rasgada e desbotada “de fábrica”, a prova definitiva de que o grunge atingiu, de fato, a indústria da moda. Esse fenômeno prova a moda como arte, já que, mesmo sendo negada, não deixou de existir, e os valores não-intencionais impactaram e influenciaram quem recebeu a mensagem.
Um casal de estrelas
Poucas coisas conseguem ser mais midiáticas do que um relacionamento de dois ícones de um movimento. Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, e Courtney Love, da Hole, estiveram juntos de 1992 a 1994 e serviram um prato cheio para os seguidores do grunge.
No casamento dos artistas, Cobain usou um pijama, e Courtney um vestido comprado no brechó da atriz Frances Farmer. O suposto desprendimento com os visuais foi marca do casal, que quanto mais se rebelava contra os padrões da sociedade, mais os influenciava.
Grunge em Hollywood
O alcance nacional e mundial fez outras celebridades mergulharem no grunge, fazendo o estilo protagonizar filmes e tapetes vermelhos. As queridinhas dos anos 1990 Drew Barrymore e Winona Ryder são algumas das estrelas que aderiram ao movimento. Drew era, inclusive, amiga próxima de Courtney Love.
Nos cinemas, não foi diferente. Em Patricinhas de Beverly Hills (1995), as protagonistas desprezavam o grupo de alunos “desleixados”, mas não deixavam de vestir peças com claras inspirações grunge. Os padrões de xadrez deixam isso claro. Em Sexta-Feira Muito Louca, de 2003, a personagem de Lindsay Lohan é fã das bandas e se inspira no movimento em seu próprio grupo musical.
Grunge nas passarelas
É impossível falar do impacto dos movimentos socioculturais dos anos 1990 na moda sem citar Vivienne Westwood. A estilista não deixou de exaltar o grunge nas passarelas, com looks simulando flanelas e jaquetas largas.
Em 2013, o designer belga Dries Van Noten resgatou o grunge na coleção de verão, sofisticando a estética do movimento. Peças sobrepostas, largas e de visuais confortáveis foram alguns dos destaques nostálgicos.
Com surgimento despretensioso, a renovação musical e lírica trazida pelo grunge entre as décadas de 1980 e 1990 impactou outras indústrias, e a da moda é exemplo disso. Os visuais do final do milênio tinham a simplicidade e a falta de coerência de cores e estampas como ponto a se destacar, mas ícones da música fizeram dessas características o mainstream. Ao ignorar a moda, o grunge fez moda. Ao negar a cultura, o movimento a revolucionou.