Funcionários da indústria do vestuário relatam sofrer de fome generalizada
A pandemia de Covid-19 impacta os trabalhadores drasticamente, segundo pesquisa da organização Worker Rights Consortium (WRC)
atualizado
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Em meio à crise econômica que a indústria da moda vem enfrentando durante a pandemia de Covid-19, os funcionários e colaboradores também sentem os impactos. Como resultado de cortes nos salários e perda de empregos, os trabalhadores relatam fome e insegurança alimentar crescentes. As revelações são de uma pesquisa global conduzida por uma organização independente de monitoramento de direitos trabalhistas, a Worker Rights Consortium (WRC), em colaboração com a professora Genevieve LeBaron, da Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
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Logo no início do ano, os reflexos da pandemia começaram a ser sentidos na indústria fashion. Na Europa e nos Estados Unidos, varejistas estavam suspendendo ou cancelando os pedidos de produtos ou produções por causa da crescente quantidade de infectados pela doença. Em abril, o projeto Covid-19 Brand Tracker (rastreador de marcas da Covid-19, em tradução livre) entrou em ação para destacar etiquetas que agiam com responsabilidade em relação aos trabalhadores e colaboradores durante a pandemia.
Enquanto diversos países decretaram lockdown, as fábricas começaram a reabrir para entregar pedidos atrasados e retomar contratos. Mesmo na pandemia, varejistas cobram encomendas e exportações de Bangladesh. As operações no país voltaram a todo vapor para atender, com urgência, as demandas que estavam atrasadas. Embora ainda existam riscos à saúde, o setor foi pressionado após as fábricas da China, Vietnã, Camboja e Jordânia voltarem à ativa.
Recentemente, a Worker Rights Consortium entrevistou cerca de 400 funcionários do setor de moda que atuam em 158 confecções, distribuídas nos nove principais países que são referência na produção têxtil: Bangladesh, Camboja, El Salvador, Etiópia, Haiti, Índia, Indonésia, Lesoto e Mianmar.
Os trabalhadores relatam que se sentem cada vez mais incapazes de garantir uma alimentação adequada para suas famílias e a maioria espera que o quadro piore nos próximos meses. “Antes da pandemia, eu comprava frutas para meu filho regularmente. No entanto, depois de perder meu emprego, não consigo comprar nem peixe ou carne. Ovo é um alimento luxuoso para nós agora”, disse um trabalhador de Bangladesh que, segundo ele, produziu peças para as redes Mango e Primark.
O levantamento também aponta que 80% dos trabalhadores, muitos dos quais responsáveis por criar roupas para algumas das maiores marcas de moda do mundo, estão passando fome. Quase um quarto dos entrevistados disse que enfrentava escassez diária de alimentos.
A WRC descobriu que, em todos os nove países analisados, os trabalhadores (grande parte imigrantes) sofreram uma queda média de 21% nos salários desde o início do ano, o que fez com que não conseguissem cobrir os custos básicos de vida, incluindo a alimentação. Outros perderam os empregos quando as fábricas fecharam, depois que as marcas cancelaram pedidos ou fecharam seus negócios no início da pandemia.
De acordo com o estudo, 77% dos trabalhadores do setor de vestuário relataram que eles (ou um membro de suas famílias) passaram fome desde o início da pandemia. Uma trabalhadora de Mianmar afirmou que planejava comer apenas sopa de arroz em todas as refeições, para poder pagar o aluguel.
Na mesma pesquisa, 80% dos entrevistados com dependentes disseram que, agora, são forçados a pular refeições ou reduzir a quantidade ou qualidade dos alimentos que comem para dar o que comer a seus filhos.
Além disso, 88% dos trabalhadores do setor de vestuário alegaram que a diminuição da renda forçou uma redução na quantidade de alimentos consumidos em casa diariamente. “A batata é o único vegetal que podemos pagar agora, é o mais barato de comprar ”, disse um trabalhador de Bangladesh, atualmente produzindo para a etiqueta Orsay.
Outra realidade são as dívidas: 75% dos trabalhadores contaram que pediram dinheiro emprestado ou acumularam contas para comprar alimentos desde o início da pandemia. A pesquisa também aponta fome generalizada. Mesmo que funcionários tenham recebido algum auxílio governamental, o estudo indica que esses montantes não foram capazes de proteger a população que atua no setor durante a pandemia.
“Os altos níveis de fome relatados pelos trabalhadores em nossa pesquisa são alarmantes, especialmente porque muitos desses trabalhadores ainda estão empregados. A fome e a insegurança alimentar parecem já estar generalizadas e estão crescendo em toda a cadeia de abastecimento”, disse a autora Genevieve LeBaron, professora de política na Universidade de Sheffield.
A coautora do relatório e diretora de pesquisa estratégica do Consórcio de Direitos do Trabalhador, Penelope Kyritsis, observou uma disparidade preocupante. “Várias empresas de vestuário citadas pelos trabalhadores que responderam à pesquisa são de propriedade de bilionários, incluindo a Bestseller, a C&A e a Zara. Os varejistas de massa, como Amazon e Target, estão prosperando durante a pandemia. Essas empresas, e a indústria como um todo, são mais do que financeiramente capazes de garantir que os trabalhadores que costuram suas roupas possam alimentar suas famílias”, defendeu.
Colaborou Sabrina Pessoa