Exclusivo: “Nunca deixei de ser criança”, diz Costanza Pascolato
A papisa da moda brasileira recebeu a coluna para um bate-papo sobre o mundo fashion, a carreira, vida pessoal e perspectivas
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Sem dúvidas, Costanza Pascolato é um dos nomes mais lembrados quando se fala em moda nacional e, até, no exterior. Nascida na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, ela veio para o Brasil ainda criança. Ícone de estilo, testemunhou diferentes fases do mercado, como o início do ready-to-wear e o fast fashion, além da indústria dos influenciadores digitais e a onda de mudanças pela sustentabilidade. Em entrevista exclusiva à coluna, a empresária e consultora abriu o coração. Falou sobre o trabalho e a árdua trajetória de luta por independência, além dos inúmeros desafios na vida pessoal.
Vem comigo saber mais!
O ano era 1939. O mês, setembro. Três dias depois da invasão da Polônia pelo exército alemão, nasceu a primeira filha de Gabriella e Michele Pascolato. Costanza descobriu a vida em Siena, na Toscana, ao norte da Itália.
Desde o início, sua trajetória não foi fácil. Para fugir da Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1945, Costanza foi trazida pelos pais ao Brasil, ao lado do irmão, Alessandro. A família chegou em um navio que saiu de Cádiz, na Espanha. Antes de vir para a América do Sul, resistiu alguns meses em um refúgio na Suíça.
Depois de três anos em São Paulo, Gabriella e Michele abriram uma empresa de tecelagem, a Santaconstancia. O pai cuidava da administração da empresa, enquanto a mãe tinha ideias e tomava a maior parte das decisões. Aos poucos, tudo foi se ajeitando.
Ao longo dos anos, Costanza desenvolveu o que chama de um “lado transgressor”. Matava aula para fazer o que realmente achava interessante: ler, pintar, desenhar e ir ao cinema.
Com ajuda da governanta Blanche, que chegou ao Brasil com a família, Costanza teve acesso a livros revolucionários para a época, sobretudo obras de Simone de Beauvoir, um dos símbolos do feminismo. Entre os autores preferidos, também estavam Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Marcel Proust e André Malraux.
“Blanche não tinha muita noção de que era uma nova filosofia, mas ela sabia que era uma literatura nova, dos anos 1960. E que eventualmente eu, que tinha 14 anos, tinha que entrar em contato”, contou à coluna.
Aos 35 anos, depois do primeiro casamento, Costanza se apaixonou por outro homem. Quando decidiu lutar pela paixão, foi deserdada pelos pais e perdeu a guarda das duas filhas – Alessandra e Consuelo – por quatro anos. Encontrou no trabalho uma forma de se reerguer e, principalmente, sobreviver.
Começou como produtora de decoração na revista Claudia, do grupo Abril. Depois, migrou para a produção de moda, um segmento incipiente nos anos 1970.
O resultado se concretiza até hoje. Costanza Pascolato fez história. Conhecida como a papisa da moda brasileira, ela se transformou em um ícone.
A consultora de moda e colunista também se descobriu como autora de livros. O primeiro foi o clássico O Essencial, publicado no fim dos anos 1990.
Recentemente, o aniversário de 80 anos ficou marcado pelo lançamento de A Elegância do Agora. Publicada pela Editora Tordesilhas, a obra foi escrita a partir de um depoimento à jornalista Isa Pessoa.
Quase simultaneamente, as filhas também lançaram um livro. O Fio da Trama reúne relatos de Costanza e também da avó, Gabriella.
“Minha mãe falava que precisava estudar para ser independente, precisava aprender, precisava de cultura. Ela era ótima na escola, mas não a deixaram entrar na faculdade. O livro das minhas filhas é a minha mãe contando isso, porque foram os diários dela”, explicou Costanza.
Costanza Pascolato nos recebeu na própria casa, em São Paulo. O resultado foi uma conversa descontraída e emocionante. Uma verdadeira lição. Não só de moda e sofisticação, mas, sobretudo, de espontaneidade, carisma e empatia.
Segundo ela, o segredo do sucesso é manter a juventude na cabeça e na alma. “Nunca deixei de ser criança”, declarou, no encontro.
Confira os melhores momentos da entrevista:
Lado literário
Como foi o processo de produção do último livro?
O livro estava em projeto com outras editoras. A cada seis meses, trocavam a pessoa que cuidava da obra. Depois de vários problemas, quase desisti. Devolvi o dinheiro para as editoras e comecei tudo de novo. Conheço a Isa Pessoa desde 1998, foi ela quem me convenceu a fazer, desde o primeiro. Eu nem sabia que poderia escrever. Escrevo e ela que vai editando. Para a gente não fazer parecido com o que já tinha sido feito, a gente tinha que falar de algo novo.
Como foi a experiência?
Como demorou para acontecer e veio justamente a calhar nos meus 80 anos, eu vi que não tinha mais nenhum tipo de problema em me abrir, mesmo por que, antes, era tudo mais fechado, séculos atrás, quando eu era jovem. A cultura do século 19 era a de esconder os problemas, só mostrar o que era bonitinho. Aos 80 anos, o que mais você quer? Com só mais 10, 15 anos para viver. Você acha que eu vou ficar pensando? Para mim, parece uma lenda de tanto tempo que aconteceu. Não gosto muito de resgatar coisas dolorosas, é cansativo. Vamos falar a verdade, não foi fácil.
“(…) todos enfrentamos inúmeros desafios. Já tive câncer duas vezes, sofri anorexia, bulimia, bullying, fui deserdada pela família, fiz trabalhos que considerava humilhantes – no entanto, cheguei aqui disposta a honrar minha existência. Minha educação não é uma história de sucesso, mas de resistência. Eu não vou desistir jamais.”
A Elegância do Agora, de Costanza Pascolato
De que maneira lida com esses assuntos dolorosos?
Quando descobri o câncer, por exemplo, fiquei muito chateada. Como reação, fui me informar da melhor maneira possível. Superei o medo, o terror, o pavor. Você fica sem saber para onde ir, é um mistério. A palavra, por si só, já é um horror. O que eu aconselho todo mundo é: se informe, tenha coragem. Quanto mais você sabe, mais tranquilo fica, por pior que seja a situação.
O livro mais recente é sobre elegância, e a senhora é uma referência no assunto. Já houve algum momento em que considera ter perdido a elegância?
Elegância é uma questão de comportamento, de perder a paciência, falar uma malcriação. É difícil de acontecer. Às vezes, eu me irrito. Acho que eu beiro a crítica. Muitas vezes, penso “uai, poderia ter falado de um jeito mais agradável e que o outro iria entender, porque, às vezes, é ruim para ele também o que ele está fazendo”.
Feminismo
“Desenvolvi um lado transgressor – do qual também me orgulho, no sentido da curiosidade que despertei pelo mundo, da expansão necessária de nossas percepções.”
A Elegância do Agora, de Costanza Pascolato
Sua família sempre foi cheia de mulheres que lutaram pela educação. Como a senhora enxerga os direitos das mulheres atualmente? O que pensa do feminismo?
Nos anos 1920 e 1930, a mulher nem podia sair de casa e já diziam para ela com quem iria casar. No meu caso, fiquei quatro anos sem minhas filhas, foi complicado. Eu vi que precisava começar a trabalhar urgentemente. Tinha que conseguir de alguma maneira provar para mim mesma, para começar. Nem todo mundo entende o feminismo. Ainda não teve muita oportunidade. No Brasil, nem se fala… A história é muito recente. A história da Itália foi refeita várias vezes, já era um costume saber falar línguas, ler, escrever, ter cultura.
Eu conheço a história, porque eu gosto, mas fico pensando: por que a gente teve que usar espartilho por 400 anos? Isso era uma prisão. Faz um ano e meio que não viajo, mas quando viajo pelo Brasil, tenho percebido que as mulheres ainda vivem tão dependentes dos maridos, uma coisa meio século 19. Ainda precisa melhorar tudo, mas é gradual.
Moda e carreira
Mesmo antes da fábrica, sua mãe sempre foi ligada a tecidos e atualizava o guarda-roupa a cada estação, certo? Sua relação com a moda começou aí?
Não, foi desde pequenininha. Mais do que moda, era uma noção espacial. Desde os 3 anos, eu tinha noção de como eu parecia e como eu achava que tinha que parecer, já tinha uma opinião. E era uma época em que as crianças não tinham tanto espelho, a gente era educado de outro jeito. Eu sou uma esteta, mais até que uma mulher de moda.
Sempre usou a moda como uma forma de expressão?
Foi o que eu achei mais fácil de assimilar. Tenho esse olhar até hoje. É uma coisa impressionante, consigo fazer uma cartela de cores de uma estação antes dos desfiles internacionais e sem olhar esses sites todos. É uma progressão. E eu gosto, então sempre vou pesquisar, já que tenho essa chance.
Como as transformações sociais impactam a moda? Como a senhora enxerga tudo isso?
É fascinante. Sempre falei que a gente tem que acompanhar o comportamento da época. A Inglaterra, por exemplo, foi a primeira nação que se interessou por varejo organizado, na metade do século 19. É óbvio que isso era resultado da Revolução Industrial. O pensador londrino James Laver começou a medir o quanto a moda, ou seja, aquilo que atrai os outros como novidade, durava quando saía uma revolução e tinha uma curva. Como ele viveu até depois dos anos 1960, fez um cálculo muito interessante e falava justamente o que era o comportamento, dentro de todo o contexto.
Outro dia fui ao ginecologista, estava esperando e vi um livro exatamente sobre isso [Cool: Style, Sound, and Subversion, dos autores Greg Foley e Andrew Luecke]. Eu perguntei sobre o livro para o médico e ele disse “foi uma paciente que me deu, mas agora eu estou te dando”.
Ao longo de sua trajetória, teve que lidar com muita gente que não acreditava no seu potencial?
Claro. Eu era uma dondoca que estava trabalhando na editora Abril, na época que começou a expandir. E eu era bem bonita, o que, às vezes, atrapalha. Sobretudo porque eles me conheciam de coluna social durante uns 10 anos e, de repente, estava lá no estúdio. Então, pensavam que eu ia ficar no leque, para variar. Mas não. Eu punha fita crepe no solado dos sapatos, fazia tudo.
No início, ninguém me falou que tinha uma kombi para fazer produção. Eu pegava o meu fusca, que já estava meio batido, e ia. Claro que era muito mais difícil e eu tinha que carregar tudo no carro pequeno. E precisava convencer os confeccionistas a me emprestarem roupa.
Nunca vou esquecer um senhor que me perguntou por que deveria emprestar as roupas. Expliquei que as fotos sairiam na revista e chamariam atenção. Era novo para ele, porque, até então, as revistas reproduziam fotos de fora. Ele falou “olha aqui, toda produtora é ladra. Então, você deixa um cheque seu”. Eu deixei meu cheque, mas não tinha fundo [risos].
A internet impactou muito a moda? Como vê a chegada das blogueiras/influenciadoras digitais?
É definitivo, mudou tudo. Acho que elas têm o papel delas, como tudo. Nunca julguei muito. No começo, com aquela coisa mais elitista, até escrevi um artigo para a Glamour sobre isso. Depois, todo mundo começou a ser mais ou menos ícone de um certo grupo, para os que estavam interessados na vida delas e a viver com elas, entende? Isso sempre existiu no ser humano. Sempre quis ser eu mesma, mas é assim. As pessoas vão atrás de modelos. Então, não acho que está errado. Algumas evoluem, outras não.
O que mais acho alucinante é que tem uma quantidade muito grande de meninas muito jovens, e quase todas estão bem de vida. Em relação à moda, não sei. Acho que tem que se reestruturar completamente.
Acha que as influenciadoras acabam reforçando padrões de beleza irreais?
Graças a Deus, tem outras possibilidades que a gente também vê. Tem desfiles, inclusive. Tem a Rihanna, que é um gênio. Tem outras coisas assim que estão acontecendo e que estão acabando com essa perfeição. Os Estados Unidos, bem ou mal, sempre foram exemplo para nós. Eu vejo que tem essa coisa de não ser exatamente nem perfeita nem magra. Me interessa saber a questão estética de hoje, que está mudando. Está exuberante demais e o Instagram influencia nisso.
Semanas de moda
Como foi sua primeira semana de moda?
Antes eu ia para a alta-costura com minha mãe, em outra época. Era para a elite, e a gente copiava em casa ou na costureira e nas maisons. A gente importava as telas de alta-costura que eles vendiam. Depois de uns quatro, cinco meses, você podia reproduzir o modelo. Esse era o sistema.
Depois, já em 1965, na França, começou essa onda do prêt-à-porter mesmo, os mais interessantes. Em 1969, Jean-Jacques Picart teve a ideia de ir ao Sindicato da Alta-Costura e convenceu a fazer uma semana de moda de prêt-à-porter. Tinha essa nova indústria exatamente na época que eu comecei aqui na Abril, nos anos 1970.
A gente estava falando de pouca gente, hoje, tem uma quantidade de gente alucinante.
Durante muito tempo, a senhora foi uma das poucas brasileiras a receber convites para desfiles internacionais. Como era a responsabilidade e o prestígio?
Recebia nada! Eles mandavam três ou quatro convites, e o resto a gente pulava o muro. Sobretudo os mais interessantes. Por exemplo, Pierre Cardin, Lanvin, Balmain, eles davam o direito de usar o nome deles em qualquer produto. Foi quase o fim deles todos. Tanto que o Arnault entendeu que Christian Dior tinha que parar com esse negócio, tinha de tudo, até pasta de dente. Se eles não tivessem parado, o Brasil jamais seria um mercado, com o nome deles jogado na lama.
No começo, eu ia porque me interessava. Não existia internet, era proibido divulgar qualquer lançamento. A gente ficava de três a seis meses sem saber o que ia acontecer na moda. Eu indo, já sabia. Então, eu antecipava. Via os desfiles, anotava tudo, passava a madrugada escolhendo foto com os fotógrafos. A Abril comprava de alguns fotógrafos, tinha que revelar para poder ver. E a gente ainda não podia publicar.
Mas era muito difícil. O que nos salvou foi a Daslu, a primeira loja que trouxe marcas estrangeiras, inclusive Chanel. Nessa época, a gente foi muito bem, porque finalmente o Brasil começou a valer. Eles começaram a entender que o Brasil era um mercado. Na época que o Brasil ficou rico, há um tempinho, a gente quase entrou na primeira fila. Tudo depende de dinheiro, da economia do país, o resto não importa.
O prestígio é agora, porque eu sou uma sobrevivente e as pessoas me conhecem. Eu falo quatro línguas. Quando vou, eu converso com eles, me interesso, pergunto coisas. E eles acham extraordinário que eu tenha esse approach, que não é de jornalista. Eu sou uma pessoa que está interessada pelo que está acontecendo. Mas tem uns truques que você aprende.
Sobre isso de entrar de “penetra” nos desfiles, lembra de alguma história curiosa?
Eu esqueço tudo [risos]. Nunca fui pega, mas fiz cada uma… Era tudo por causa do Kenzo e do Jean Paul Gaultier, o auge na época. Tem um lugar chamado Palais des Congrès, em Paris, que é uma espécie de estrutura redonda, gigantesca. Dentro, tem escritórios, salas. Tem também, claro, o lugar para os desfiles, além de teatros. Aí nada do Kenzo nos convidar, inclusive, fazia questão de dizer que não nos convidava porque “o Brasil copiava tudo e não criava nada”. O que aconteceu foi que eu e a Cristiane Fleury, que também trabalhava na Abril na época, decidimos entrar no banheiro e ficamos trancadas lá. Saímos pela janela e rastejamos pelo batente, que era largo, passando por baixo das janelas das reuniões, até chegar em uma janela que a gente sabia onde aconteceria [risos].
Estilo
Como a senhora definiria o próprio estilo? Ele mudou ao longo dos anos?
Sabe que eu nunca pensei nisso? Deve ter mudado bastante. Sempre foi um pouco minimalista. Mesmo porque sempre tive uma peça masculina. É o minimalismo, baseado na proporção e na forma.
O que diria sobre o próprio armário?
Lógico que, ao longo do tempo, eu tive que ceder algumas roupas. Mas ainda tenho algumas peças históricas, como o primeiro blazer do Jean Paul Gaultier, tenho Saint Laurent de alta-costura de quando eu era rica. Tenho Margiela, Comme Des Garçons. São coisas que dá pra fazer uma exposição, vale a pena, cada um significou uma época. E quando eu penso, vejo que quase todas são todas pretas, menos uma que é bordô porque o japonismo trouxe.
“O uniforme é um trunfo a mais. Protege e ajuda você a consolidar seu estilo, além de facilitar a escolha nas manhãs em que estamos com mais dificuldade de sair para a vida. Então lá está, o nosso conjunto já definido de véspera, só vestir.”
Por que é importante criar um “uniforme”?
É muito mais econômico, assim não entope o guarda-roupa à toa. Eu prefiro ter uma peça boa a ter três mais ou menos.
“Minha base tem sido o tênis branco + calça preta + blusa preta – variando enormemente o que acompanha esse uniforme, como o abrigo (jaqueta, pashmina, blazer), óculos, brincos, bolsas, anéis.”
A Elegância do Agora, de Costanza Pascolato
Bolsas icônicas, anéis impactantes e óculos escuros estão sempre nas suas composições. Qual a importância dos acessórios?
Anel eu sempre gostei muito, porque minhas mãos são feias. Eu também punha muito pulseira, mas agora eu sou alérgica e acabou a graça.
Sobre as bolsas, o meu problema é que não posso carregar peso. Encho uma bolsinha pequena, mas não quero carregar mais do que isso. Acho que tem gente que usa bolsa como acessório e tudo bem, ainda mais se a pessoa estiver bem simples e colocar uma bolsa que dá um up. Tive uma fase que eu usava só mochila, mais ou menos em 1989/1990.
Fale sobre os icônicos anéis de caveira
Dez anos atrás, o Cosimo [neto] e eu pegávamos aqueles flyers nas lojas de Londres mais moderninhas. Vimos um sobre um rock de garagem e achamos legal. Então, nós dois — ele já grandão, na época tinha 16 anos — pegávamos um trem e íamos para os subúrbios. Era interessante. Se não fosse com ele, eu jamais iria conhecer.
No fim de uma temporada, ele fez uma economia e foi em um “colocador” de piercing que esculpe isso daqui [o anel]. Como todo mundo pergunta, eu sempre falava só nele. Aí, neste ano, minha outra neta me deu um novo. Agora tenho que falar que são ele e ela [risos].
“A fórmula do homem de se vestir sempre foi mais esquemática do que a da mulher. Cumprir o dress code tem sido complicado para nós desde os tempos medievais, com a adoração generalizada por roupas que mutilam nosso movimento, dos espartilhos até as cinturinhas de vespa dos anos 1950 e os saltos hiperbólicos impostos até o final do século XX. Com a criação de um novo código de se vestir, no início dos anos 2000, mudou tudo. A figura icônica do sucesso se casualizou por meio de Steve Jobs.”
Os tênis se tornaram um símbolo do seu estilo. Priorizar o conforto está ligado à democratização da moda?
O tênis começou com a casualização da moda que foi evidente. Há uns cinco, seis anos, se você olha para todo lugar, está mais casual. Não é só o streetwear, que a moda já até se cansou um pouco. Porém, a coisa do casual não deixou de existir, porque a nossa vida é mais complicada.
A moda se baseia em algum tipo de elite de poder. Agora, a elite é o Vale do Silício. Até o pessoal de Wall Street. Acho que eu sempre olho para a moda masculina, para ter a medida certa. E também eu fiquei muito mais próxima da produção japonesa de roupas, casual, mas de um jeito diferente… Chega a ser mais moderno do que só elegante, está sempre um pouco longe do corpo.
Qual a tendência mais atemporal?
Acho que tem peças que até mudam de forma com o tempo, mas continuam. Tem o blazer, o jeans. Mas não precisa exagerar na forma, é o basic do basic, sabe?
E tem algo que a senhora se arrepende de ter usado?
Sim, mas eu já falei tanto nele e tenho vergonha! [risos] É aquele macacão de jérsei rosa-choque. A calça tinha bolsos que abriam. Meu marido me viu entrando em casa e disse “amor, precisa?”. Aí eu pensei e falei “não, não precisa” [risos]. Nunca mais. Realmente não tinha nada a ver comigo. Mas quando você está na produção de moda, você vê uma coisa e diz “ah, vou vestir”, você nem pensa muito bem.
Futuro da moda
Em relação ao futuro da moda, a consultora acredita que o universo fashion vai abraçar cada vez mais os pedidos das novas gerações. Sustentabilidade, inclusão, e diversidade vieram para ficar, na opinião de Costanza. Ela também destacou a necessidade de grandes marcas apostarem em talentos emergentes.
“Pegada da rua, skater e inclusão, além da fluidez de gênero. Pesquisando, descobri várias marcas em que tudo que você põe nos meninos cabe nas meninas também. Eu acho que é o que está acontecendo”, contou à coluna.
Para Costanza, com amor
A coluna teve a oportunidade de conversar com algumas pessoas próximas à Costanza. Na amizade, no profissionalismo ou na família, ela deixa uma forte marca por onde passa. Aqui, Consuelo Blocker, Giovanni Bianco, Isabella Fiorentino, Alexandre Schnabl e Lilian Pacce dão depoimentos sobre a papisa da moda brasileira.
“A Costanza é uma das primeiras profissionais de moda do Brasil. É incrível como o tempo passa e ela continua atual, ligada, contemporânea. Sempre muito atenta. Ela não perdeu o gosto pelo novo, que é tão importante na moda. Não vou nem falar da elegância dela, porque é um clichê. É uma pessoa que eu gosto e admiro muitíssimo, temos muitas histórias juntas.
Lilian Pacce
No fim dos anos 1980, eu tive a honra de receber um telefonema da Costanza me pedindo um emprego na Folha de S.Paulo. Imediatamente, a contratei, é claro. Em seguida, eu fiquei grávida e precisei ficar de repouso muito tempo. E no fim foi uma delícia, porque a gente ficava horas no telefone, conversando sobre moda, sobre tudo. Ela foi uma grande companhia para mim nesse período, desde então.
Quando chegar aos 80, quero estar que nem ela.”
“Antes da moda nacional, para mim, a Costanza significou muito. Quando eu a vi pela primeira vez, quando comecei a ser modelo, há mais de 20 anos, ela foi a pessoa que eu olhei e perdi o ar de tão linda, autêntica e elegante. Sempre tive uma referência muito grande de elegância na minha casa: minha mãe foi uma pessoa muito chique e discreta na forma de se vestir. De repente, eu vi na Costanza o que eu cresci vendo, por isso ela se tornou para mim sempre uma inspiração.
Ela prestigia a moda nacional, dá muito valor. Não importa se é um estilista famoso ou alguém que está começando agora. Sabe como é importante.
Nunca vou esquecer uma vez, em um fashion week, há muitos anos, em que estava usando uma sandália com spikes da Valentino, que virou febre depois. Ela nunca tinha visto, aí olhou para o meu pé e disse ‘nossa, Isabella! Que sapato lindo, da onde é?’. Depois, esse sapato explodiu no mundo inteiro, até hoje é feito. Então, dá para ver como ela tem um olhar realmente para o que vai ser bom, o que vai bombar. Foi uma coisa engraçada, até falei que depois ela poderia usar.
Outra vez, eu era modelo ainda, estava meio de bobeira no backstage e não ia desfilar. Então, decidi assistir uma apresentação e sentei em uma primeira fila ao lado dela. Veio uma pessoa da organização e falou que eu não podia ficar lá, tinha que ia para trás. E a Costanza disse ‘imagina! Deixa ela sentar aqui do meu lado’. Aí se espremeram na primeira fila e ela não me deixou sair.”
“Foi uma das pessoas que mais acreditou em mim e na minha carreira. A minha relação com ela foi de extrema importância. Eu estava no começo e ela acreditou em um jovem que queria aprender. Teve a maior paciência de todas as vezes me explicar o que era esse amor pela moda e tentar compreendê-la como um todo. A moda não era apenas a roupa, era atitude, sentimentos.
Giovanni Bianco
A Costanza teve sempre a generosidade de dividir tudo que ela sabe. Além de ser uma das pessoas mais importantes da moda e do mundo, tem essa coisa fundamental de dividir a sabedoria, a experiência, a intuição e o olhar. Uma das coisas que eu amo na Costanza é o senso de humor e o coração gigante que ela tem.
Já tive várias situações engraçadas e memoráveis com ela. Passamos momentos bem legais juntos. Em Nova York, Milão, Paris, Londres e São Paulo, inclusive. Eu paguei vários micos ao tentar entrar em desfiles, às vezes, não conseguia, mas ela incentivava. A gente esperava do lado de fora quando ela entrava, mas ela fazia a gente não desistir do próximo. Isso era muito bacana, ela deixava viva essa vontade. Todos os momentos com a Costanza foram muito especiais.”
“Me perguntam muito como é ser filha de Costanza. Ela é uma mulher de extrema inteligência e sensibilidade. Tanto que ela nunca terminou a escola, mas não é um segredo. Ela sempre coloca qualquer coisa dentro do contexto cultural e isso explica muita coisa.”
“O que eu acho mais interessante na Costanza? Ela é que nem o estilo. A gente tem aquela frase ‘a moda passa e o estilo fica’. A Costanza personifica o estilo. Ela é única, incomparável, e isso faz com que ela prossiga ano após ano, década após década, temporada após temporada. Tem gente que vem e passa, mas ela está sempre aí. Isso é interessante.
Alexandre Schnabl
Ela é uma pessoa educadíssima, na dela, sem afetações. Apesar do pouco contato, gosto muito dela. Admiro muito seu trabalho. O que eu acho mais interessante é que, nas observações, ela nunca está preocupada em impor uma tendência. Ela é do mundo, é cosmopolita.
Me lembro de um desfile que a gente entrou em um backstage do Ronaldo Fraga. E a gente lutou, porque as pessoas vão sempre muito emocionadas parabenizar, dar beijo. Começou a formar uma muvuca, ela olhou para mim, esticou a mão e me disse ‘me tira daqui?’. Isso é muito fofo. A Costanza tem isso. Dentro da classe, da elegância, ela também é muito humana e espontânea. É muito bacana.”
Somos todos admiradores. Obrigada, Costanza!
Colaboraram Rebeca Ligabue e Hebert Madeira