Em meio à pandemia, Instagram se organiza para substituir semanas de moda
Sem previsão de quando os desfiles presenciais serão possíveis, app quer se tornar a grande vitrine da temporada de primavera/verão 2021
atualizado
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As medidas de contenção relacionadas ao novo coronavírus impossibilitaram os acontecimentos das semanas de moda programadas para os meses que sucederam a pandemia. Algumas grifes se adequaram ao momento abandonando o cronograma das fashion weeks, hoje incompatível com a realidade do mercado. Enquanto vários suspenderam os eventos, outros redirecionaram a programação para as plataformas digitais. Nesse contexto de debandadas e oportunidades virtuais, o Instagram se antecipou, chamando atenção das marcas com um guia para transmissão de desfiles permitindo explorar ao máximo as ferramentas do aplicativo. Seria a rede social a nova vitrine dos lançamentos do segmento têxtil?
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O peso da incerteza e o futuro da passarela
Ao passo que as semanas de moda masculinas ganham versões digitais, os eventos femininos, programados para setembro, seguem sem formato definido. Ninguém sabe responder se os desfiles de primavera/verão 2021 poderão acontecer presencialmente ou se as marcas terão que recorrer às apresentações transmitidas pela internet.
Pode parecer estranho, mas o atual cenário colocou as grifes do universo fashion em um território desconhecido. Passarelas como as de Paris, Milão, Londres, Nova York e São Paulo têm sido a principal plataforma para os lançamentos de tendências do segmento têxtil há pelo menos 70 anos e, embora as redes sociais e o comércio eletrônico tenham mudado consideravelmente os costumes do setor, as semanas de moda permaneciam inabaláveis. Até agora.
Sabendo que as grandes grifes de luxo passaram a indagar sobre a melhor forma de levar suas novidades aos consumidores e à mídia especializada, o Instagram deu um passo à frente com o lançamento do guia que ensina as labels a aproveitarem ao máximo as ferramentas do dispositivo de compartilhamento.
O manual de 13 páginas, desenvolvido pela vice-presidente de parcerias de moda do aplicativo, Eva Chen, oferece instruções para hospedar desfiles de moda digitais na plataforma, dicas de como fazer entrevistas no backstage dos shows e táticas para levar espectadores às transmissões. Sem os celulares dos maiores influenciadores do mercado apontados para os produtos na passarela, as empresas terão que ser criativas para compensar o alcance dos shows.
De acordo com a executiva, o documento foi desenvolvido para marcas de todos os tamanhos e não pretende ser uma fórmula prescritiva, oferecendo recomendações que variam com a abordagem escolhida pela companhia. Ela agora trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta que destacará os desfiles de moda no feed do aplicativo.
“Nossa filosofia geral é: queremos ensiná-los a usar as ferramentas para que, como marca, indivíduo ou criador, eles se sintam habilitados a explorar o Instagram. Em tempos como estes, algumas ideias criativas surgirão”, sugeriu Chen no manual.
O guia chegou um dia após o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciar novos recursos de comércio eletrônico para o Instagram, o que possibilitará experiências de consumo valiosas para as companhias que apostarem no app.
A funcionalidade ainda está em teste, mas ficará disponível antes da temporada de primavera/verão 2021. Fontes relataram ao Business of Fashion que será possível adicionar links de compras em vídeos ao vivo, permitindo que os compradores consumam durante as transmissões dos desfiles. No manual de instruções, inclusive, o Instagram incentiva as marcas a explorarem tags de compras, para aumentarem as vendas.
Disputa acirrada
A rede de compartilhamento de imagens aposta no potencial comercial da indústria têxtil após seus concorrentes se mostrarem interessados no setor. O YouTube tem feito grandes investimentos para atrair o público fashion, tendo contratado Derek Blasberg para chefiar as parcerias de moda e beleza do site. No início deste mês, a plataforma ensaiou sua investida nos desfiles de moda hospedando um show especial organizado por Carine Roitfeld.
Enquanto isso, o TikTok, favorito da geração Z, mostra-se cada vez mais alinhado com o ramo do vestuário. Atualmente o segundo aplicativo mais baixado no mundo, com mais de 11 milhões de downloads apenas em março, o novato se tornou uma ameaça direta ao Instagram.
Até fevereiro, o único trunfo do afiliado do Facebook era o aumento do tempo gasto na plataforma, 1,5% maior no início de 2020, de acordo com dados do eMarketer. Porém, com o isolamento social, a empresa viu esse número saltar para 14%, com um tráfego 70% maior nas últimas semanas, de acordo com um estudo da Heuritech.
“Nos últimos três meses, vimos uma grande mudança na maneira como a moda está usando o Instagram. Muitas marcas que nunca estiveram em alta, subitamente, se popularizaram graças ao app“, comentou Eva Chen ao Business of Fashion.
O Instagram, no entanto, está melhor posicionado para aproveitar a oportunidade. Desde 2010, quando foi lançada, a plataforma rapidamente se tornou a queridinha dos especialistas da indústria e dos fãs da moda. Para muitas marcas, o engajamento da rede social é um dos principais termômetros para determinar o sucesso de uma coleção.
Além disso, junto ao guia de desfiles e às novas ferramentas comerciais, o aplicativo está testando um novo recurso que permitirá aos usuários alcançar públicos ainda maiores, graças a uma conexão direta com o Facebook: o simulcast.
Correndo na frente
Até então, os conselhos de moda de Londres, Paris e Milão, que organizam semanas de moda digitais para junho e julho, sugeriram que estão construindo sites próprios para transmitirem seus desfiles. Todavia, existem dúvidas sobre o sucesso potencial dos novos espaços.
Os influenciadores não parecem muito animados como a ideia e a maioria das grifes teria experiências melhores em uma plataforma com dados comprovados, na qual um grande número de pessoas já se reúne. Logo, as empresas podem abandonar as programações das fashion weeks digitais para investir em ações no Instagram.
Até então, as semanas de moda faziam sentido porque concentravam os desfiles presenciais de forma organizada, para que a mídia e os compradores conseguissem conferir as novidades das etiquetas. Com os desfiles digitais, os eventos perderam essa função.
Plataformas como o Instagram devem permitir que as casas de moda se libertem dos cronogramas das fashion weeks, dando mais tempo para os diretores criativos desenvolverem novos produtos. Não é de hoje que os profissionais pedem mudanças no mercado. A demanda por tempo se tornou até mesmo tema da próxima exposição anual do Met Museum.
Cada um no seu quadrado
Os desfiles seguem suspensos devido à pandemia, mas, quando tudo se normalizar, as apresentações presenciais certamente terão seu espaço de volta. As fashion weeks têm um papel fundamental na união da indústria e no debate do setor.
Além disso, sem a difusão das tecnologias de realidade aumentada, os eventos digitais não terão a mesma magia dos shows tradicionais. O encontro entre celebridades, influenciadores e as maiores grifes do mundo acaba lubrificando as engrenagens da moda a cada estação, e o Instagram sabe bem disso.
“De forma alguma vemos o Instagram como um substituto para o programa tradicional, mas queremos fazer o possível para fornecer uma solução durante esses tempos. Esperamos que este seja um bom lugar para começar”, explica o manual divulgado na semana passada.
Ao Business of Fashion, Eva Chen, apontada como uma espécie de Anna Wintour do Instagram, endossou o posicionamento da rede social, mas não limitou as possibilidades. “Não acredito que exista um futuro com apenas uma semana de moda, mas nós estaremos no coração e na alma do segmento, de uma forma ou de outra”, comentou.
Caso o aplicativo se torne uma vitrine durante o isolamento, é improvável que as marcas voltem a uma abordagem única de exibição. Uma ou duas temporadas com as novas possibilidades da plataforma podem mudar a forma como a moda funciona.
Colaborou Danillo Costa