Dr. Martens: clientes alegam que qualidade dos produtos despencou
Conhecidas pela durabilidade, botas da tradicional marca britânica estão se desfazendo em seis meses, segundo consumidores
atualizado
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Com a difusão do movimento punk, na década de 1970, a biqueira arredondada e solado imponente das botas Dr. Martens conquistaram uma geração. A durabilidade, outra marca registrada da etiqueta britânica, a levou além, fazendo com que suas criações ganhassem o mundo e as mais diversas tribos. Este legado, contudo, parece estar ameaçado. Clientes de longa data afirmam que a qualidade dos produtos, antes inabalável, caiu bruscamente após a empresa transferir grande parte de sua produção para países asiáticos.
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Consideradas por muitos anos como um investimento, as botas Dr. Martens já não são vistas dessa forma. Ao menos no seu país de origem. Leitores do jornal inglês The Guardian relataram insatisfação com os itens à colunista Rebecca Smithers. No fim de novembro, a escritora divulgou uma reclamação enviada por uma consumidora insatisfeita.
A leitora, que preferiu não se identificar, contou que comprou um par do modelo Jadon para a filha, no último Natal. À época, pagou uma quantia equivalente a R$ 790, mas não se importou com o preço, visto que se tratava de um produto que duraria anos ou até décadas. No entanto, não foi o que aconteceu.
“Dentro de seis meses, surgiram grandes fendas nos calcanhares, uma parte da sola se soltou e o zíper relaxou. Entrei em contato com a loja e nos disseram que o desgaste foi atribuído ao uso do feixe ecler lateral, que, segundo eles, servia apenas de enfeite. De fato, o zíper foi usado, mas imaginávamos que era a finalidade dele”, disse KT ao veículo.
Insatisfeita com a resposta da marca, a consumidora seguiu para as redes sociais, mas não obteve nenhum retorno. Foi quando decidiu recorrer à imprensa. “Nunca tive um par de sapatos ou botas de couro nesse estado. Não vejo outra maneira de me comunicar com a empresa”, afirmou.
Com sua crítica publicada em um dos maiores veículos do país, a britânica finalmente teve sua resposta. “Reconhecemos que não cumprimos nossos altos padrões nesta ocasião e entramos em contato com o cliente para entender o que deu errado. Podemos confirmar que levamos isso a uma resolução que atenda às expectativas”, defendeu a etiqueta em comunicado, enviando um novo par e um desconto de 25% válido na próxima compra da consumidora.
O que a Dr. Martens não esperava era que a carta da leitora iria gerar uma resposta em massa de centenas de consumidores insatisfeitos. Outro cliente, que também quis ter a identidade preservada, disse que os solados de suas botas vermelho-cereja descolou em oito meses. “Infelizmente, o trabalho e a qualidade da Dr. M não são tão bons quanto eram antes”, lamentou.
Uma outra leitora apontou algumas mudanças na estrutura do sapato. “Antes, as botam tinham uma palmilha moldada que podia ser removida e encaixada perfeitamente na forma. Agora, os produtos vêm com uma espuma plana colada no calçado. O couro que compreende a língua está 0,2 mm mais fino em comparação ao par que comprei anteriormente”, compartilhou.
Grande parte dos clientes que procuraram o jornal atrelam a queda na qualidade à terceirização e redistribuição da produção, agora feita, em sua maioria, na Ásia. Eles acusam a empresa de colocar os lucros acima da qualidade que tornou a label de Northamptonshire famosa mundialmente.
“Como qualquer aficionado por Dr. Martens sabe, a qualidade caiu quando eles retiraram a maior parte da produção do Reino Unido. Tenho dois pares idênticos de botas Dr. Martens, uma fabricada no Reino Unido, uma fabricada na China. Enquanto as fabricadas no Reino Unido estão entre os calçados mais confortáveis que tenho, as fabricados na China são duras e com o couro mais fino. O fabricante aparentemente sacrificou a qualidade em nome do lucro, e os clientes estão pagando o preço em joanetes e bolhas”, apontou um leitor.
“Comprei as botas Lazy Oaf X de edição limitada por 180 libras. Duas das três botas que pedimos estragaram. Eu tenho pares anteriores da Dr. Martens que duraram mais de cinco anos, então, sei que não foi mal uso”, afirmou outro consumidor.
Outros críticos dizem que o problema não é a China, e, sim, os novos proprietários. Em 2013, a Dr. Martens passou a ser propriedade da Permira, grupo sediado em Pall Mall, Londres, que comprou o negócio da família Griggs por mais de 300 milhões de libras.
As botas Dr. Martens são fabricadas no Reino Unido desde 1960, quando uma empresa britânica comprou seu design do médico alemão Klaus Märtens. Em 2003, devido ao declínio nas vendas, a empresa anunciou que fecharia as fábricas de Northamptonshire, Leicestershire e Somerset para realocar sua produção para a China e Tailândia. Mais de 1.000 pessoas foram demitidas.
No ano seguinte, a produção regressou ao Reino Unido, mas apenas para a linha vintage. Alguns poucos sapatos ainda ostentam a etiqueta “Made in England”, mas apenas 2% das botas são fabricadas na Inglaterra atualmente. A partir de 2010, as vendas voltaram a subir e, em 2012, a companhia ficou entre as oito que mais cresceram no Reino Unido.
Depois da venda à empresa de capital de risco Permira, os lucros da marca cresceram bastante. Passaram de 175 milhões de euros, entre 2012 e 2013, para 490 milhões, entre 2018 e 2019.
Segundo o Sunday Times, a Permira teria dito que potenciais compradores, como a americana Carlyle, demonstraram interesse na Dr. Martens, mas, com o crescimento previsto para 2019 (cerca de 70% em comparação ao ano anterior), a companhia só entregaria a empresa por pelo menos um bilhão de libras.
O diretor executivo da Martens, Kenny Wilson, rejeita firmemente as alegações dos leitores do The Guardian. “Enquanto produzimos cerca de 11 milhões de pares de sapatos por ano e temos uma taxa muito baixa de defeitos (0,5% do total), reconhecemos que não acertamos o tempo todo. Nesses casos, trabalhamos muito para entender o que aconteceu e aprender com isso”, garante.
Geert Peeters, diretor de operações, defende que o couro não mudou, assim como os padrões de produção. Segundo ele, os fornecedores e métodos de criação são os mesmos desde o dia 1 de abril de 1960, data em que o modelo 1460 foi nomeado e fabricado pela primeira vez. “Até a forma de colocar a tampa na caixa é a mesma”, afirma Peeters.
De acordo com a empresa, não houve qualquer redução de custos ou remoção de ativos. Pelo contrário. “Nossa história de crescimento é impulsionada pelo investimento. As despesas operacionais cresceram 30% no ano passado e, durante o período de propriedade da Permira, o investimento em despesas operacionais foi maior que o crescimento da receita. Acabamos de fazer um grande investimento em nossa fábrica na Inglaterra para dobrar a produção”, enfatiza.
Colaborou Danillo Costa