Conheça as joias autorais e lúdicas da marca brasiliense Sabiá
A joalheira Camila Ligabue compartilha suas inspirações com a coluna e conta detalhes sobre a etiqueta, criada há dois anos
atualizado
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Ela transitou entre as artes visuais e a arquitetura, mas foi na joalheria que Camila Ligabue, 32 anos, se encontrou. Desde março de 2018, a designer comanda a marca de joias autorais Sabiá, baseada no slow fashion e inspirada na escala bucólica de Brasília. As peças carregam um toque lúdico que as tornam diferenciadas. Desligada das temporadas e do ritmo frenético da indústria da moda, a artista cria no seu próprio tempo. Em uma conversa pelo Zoom com a coluna, ela entregou suas inspirações e detalhes sobre a criação contemporânea.
Vem comigo!
Formada em artes visuais pela Universidade de Brasília, Camila é apaixonada pela estética da capital federal, onde nasceu. Não à toa, começou a vida acadêmica achando que seu lugar era na arquitetura. Ela iniciou os dois cursos ao mesmo tempo, em 2009.
“Descobri que eu não queria lidar com aquelas questões técnicas da arquitetura, e muito mais com a estética. Me joguei nas artes visuais”, relembra. Ali, na universidade, ocorreu o primeiro contato com o universo das joias: um curso de extensão em joalheria, com técnicas básicas, que durou seis meses.
Após a graduação, Camila trabalhou com arte e educação durante cinco anos e sentiu o desejo de retomar o trabalho com algo manual. Foi quando despertou para o que, hoje, é sua ocupação exclusiva há cerca de quatro anos. “Voltei a me dedicar à joalheria e nunca mais deixei”, conta.
No início da Sabiá, ela trabalhou no espaço coletivo de produção Gruta. Atualmente, atende as clientes com hora marcada em um endereço próprio, na Asa Norte. “As minhas peças são feitas de acordo com as minhas ideias ou com um encontro com alguém, que seria a encomenda. Não tenho estoque”, acrescenta.
A designer e artesã diz que trabalha em um ritmo diferente do mercado. “Acho importante esse novo olhar para a moda, essa valorização do tempo. Gostaria muito que o público tivesse uma compreensão de que o trabalho artesanal, a mão que faz, que depende do meu corpo, não é o tempo imediato”, observa. Camila faz questão de tocar todas as etapas por conta própria, desde o desenho até a execução. “Não terceirizo a minha produção, não estou explorando a mão de obra de ninguém. Se precisar gravar algo na joia, eu contrato uma pessoa que faz a gravação, mas são colaboradores”, completa.
Entre os materiais, o grande destaque no trabalho de Camila é a prata 950. Ele dá origem a peças como os anéis Colina e Pool, que também incluem a técnica de colorimetria. A brasiliense também trabalha com pedras e outros materiais, como uma espécie de tela de nylon ou de aço, além do feltro, que pode absorver óleos essenciais e dar origem a uma peça aromática.
A joalheira cria ainda itens a partir do upcycling, que consiste no reaproveitamento de matéria-prima. Ela tem adorado, particularmente, a oportunidade de conhecer novas histórias com as encomendas feitas na quarentena.
Confira, abaixo, o bate-papo de Camila Ligabue com a coluna:
Por que Sabiá? Qual é a origem do nome?
Sabiá porque eu queria que fosse um nome brasileiro e sempre gostei muito de passarinhos. Acho que as pessoas começaram a me reconhecer por esse meu gosto. Quando viam algum, me mandavam foto. Também resgata essa coisa do animal. Na minha infância, tive todos os tipos de bicho de estimação que você imaginar. Eu penso na Sabiá como uma joia de Brasília, mas não seria uma joia tão ligada à arquitetura, seria mais ligada ao espaço bucólico, de contemplação, que detalha e observa as coisas.
Seus designs são bem lúdicos e diferenciados. O que te inspira?
Várias coisas. O anel Pool (ou piscina, em tradução do inglês) veio de uma imagem que tinha a ver com Brasília. Por que essas pessoas que nasceram aqui e conviveram com essa arquitetura, que não tem telhado colonial, quando vão desenhar uma casa, continuam desenhando daquele mesmo jeito? Pensei que é porque a professora ensina que uma casa é assim. Fui tentar pensar sobre esse desenho e fazer um percurso nas paisagens. Veio o anel Colina, o Pool, mas são imagens que surgem. Tem a ver com a forma como eu penso e enxergo o mundo.
O que você acha que falta na cena do design de joias?
Em relação ao design, o que falta é que, na joalheria contemporânea, fazemos uma viagem, trazemos um olhar para a joia como esse objeto de adorno do corpo. Não estamos tão preocupados que a joia signifique o valor do material. Não é para ver que tem um diamante de tantos quilates e isso que faz a joia. É você enxergar a joia como uma plataforma visual e não como uma peça de tantos reais. Acho que cada uma ocupa um espaço. Mas isso vai existir, também seu valor, porque as pedras são muito bonitas, o ouro é muito bonito, não estou tirando as possibilidades.
O caos da pandemia mexeu com a sua criatividade?
Sim, bastante, no começo. Acho que foi um susto, mas, ao mesmo tempo, o meu trabalho já é em isolamento. Apesar de ter esse momento do encontro, é íntimo também. Não é um espaço de aglomeração. Meu trabalho sou eu na bancada, mas não estou sozinha, estou ali diante do mundo. Porque tem fogo, tem minério, água, álcool. Estou colocando meu pensamento em prática, mas é sozinha, é isolada, é do silêncio. Acho que o silêncio é importante para a criação, para você se ouvir. Então, ao mesmo tempo que mexeu com o sentido econômico, no criativo, eu acho que proporcionou mais tempo, mais oportunidades.
Você já pensou em trabalhar com coleções?
Eu acho a coleção importante, porque você consegue desenvolver um pensamento e criar uma imagem, mas eu tenho tido dificuldades, sendo sincera. Mais práticas do que em pensar. Para mim, todos elas [as joias] estão, de certa forma, em uma coleção. Tem esse azul que liga elas à prata. Se eu falo que é uma coleção, vem essa lógica da moda de que aquilo vai ficar datado. Eu não penso que essa peça [o anel Pool] vai ser datada. Talvez eu produza cinco delas e, depois, não produza mais. A ideia é justamente não descartar, que ela permaneça. Mas não são joias que eu vou fazer 50. No máximo, 10 de cada.
Você também desenvolve peças por encomenda?
Faço! Com a pandemia, comecei a trabalhar mais com as encomendas e estou gostando muito. Acho muito bom o encontro com a pessoa, conhecer a história dela. Acho que os clientes acabam tendo uma conexão emocional com esses objetos.
Fiz um relicário para uma pessoa que queria relembrar a memória do avô, que faleceu. Quando você pega a prata e coloca no ácido, ela fica branca e, no final, vai ganhar o polimento. Quando eu estava nessa parte, fiquei imaginando que era quase como um espelho. O avô estava de um lado e, do outro, o espelho. Para mim, aquele espelho representava toda a família, a herança.
O que você espera do futuro da Sabiá?
Eu espero que a Sabiá permaneça como esse espaço de pensar a joia, seja sozinha, seja num encontro com outra pessoa, nesse lugar do corpo. O produtor local é apoiado por essa comunidade em volta dele. Que essa cultura exista e seja vista pelas pessoas, não precise explorar o meio ambiente e consiga ter uma visão de sociedade mais justa. Tem uma frase de um artista, Antoni Muntadas, que colocava nos outdoors, em várias línguas: “Atenção, percepção requer envolvimento”. É esse envolvimento que eu busco.
Colaborou Hebert Madeira